Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


domingo, 31 de outubro de 2010

Dirigida por Bia Lessa, Vanessa confirma evolução cênica em show climático

Resenha de Show
Título: Bicicletas, bolos e outras alegrias
Artista: Vanessa da Mata (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Teatro Guaíra (Curitiba, PR)
Data: 30 de outubro de 2010
Patrocínio: Natura Musical
Cotação: * * * * 1/2
 Agenda da turnê Bicicletas, bolos e outras alegrias:
19 de novembro - Recife (PE) - Teatro da UFPE
20 de novembro - João Pessoa (PB) - 
26 de novembro - Feira de Santana (BA) - Garagem
27 e 28 de novembro - Salvador (BA) - Teatro Castro Alves
10 e 11 de dezembro - São Paulo (SP) - Citibank Hall

 Em seu show anterior, o vibrante Perfumes de Sim (2009), Vanessa da Mata atingiu ponto de maturação em sua trajetória nos palcos - evolução reiterada e consolidada em Bicicletas, bolos e outras alegrias. Sob a direção climática de Bia Lessa, nome recorrente nas fichas técnicas de shows de cantoras como Maria Bethânia e Ana Carolina, Mata apresenta espetáculo sedutor. Valendo-se sobretudo do preto e do branco no cenário e na iluminação (cores também adotadas nos dois figurinos de Wilson Ranieri), Bia Lessa realça luzes, sombras e objetos do cancioneiro regional-cosmopolita da compositora com belos efeitos cênicos que valorizam a interpretação das músicas de um roteiro essencialmente autoral. Já no primeiro número, a balada Amado (Vanessa da Mata e Marcelo Jeneci), fica nítida a afinação da parceria da cantora com a diretora de teatro. Mata canta Amado sentada em escada alocada no canto esquerdo do cenário - sob a ótica do espectador - e, quando levanta no verso "Quero dançar com você" para bailar românticamente pelo palco, o efeito é muito sedutor. O uso de vídeos e de ilustrações digitais - projetados nos módulos brancos que compõem o cenário - reforça mensagens, sentimentos e ideias do repertório do disco mais inspirado da artista desde sua arrebatadora estreia (Vanessa da Mata, 2002). Sentimentos que passam pelo filtro romântico pop de temas como As palavras (Vanessa da Mata), provável grande hit do álbum Bicicletas, bolos e outras alegrias. A canção se inspira no romantismo de Roberto Carlos, não por acaso autor (com o amigo de fé Erasmo Carlos) da única música do roteiro que não é da lavra de Mata, A distância, balada triste de 1972 que a cantora entoa com emoção, mostrando que as aulas de canto começam a lhe dar segurança (e alguma afinação) para encarar músicas fora de seu universo autoral. E o fato é que, guiada no palco por suas emoções e por suas alegrias, a artista faz crescer em cena com vivacidade até uma música menor do disco, Moro longe (Vanessa da Mata), de tons nortistas. Nesse retrato em branco e preto, as cores surgem de forma esporádica, pontuando o clima festivo de Meu Aniversário (Vanessa da Mata) e também a poética celebração romântica da delicada canção Quando Amanhecer (Vanessa da Mata e Gilberto Gil), por exemplo. Cultivada nesse mesmo tempo da delicadeza que faz Quando amanhecer crescer lindamente em cena, Minha herança: uma flor (Vanessa da Mata) reitera a beleza interiorana em que, em essência, está imersa a música de Mata. Em mix pop de referências do campo e da cidade, o baião tropicalista Bolsa de grife (Vanessa da Mata) - um dos pontos mais altos do disco - denuncia o prazer fugaz e angustiante do consumismo com arranjo que evoca Os Mutantes. Mas a antenada banda capitaneada por Kassin (no baixo e na direção musical) - embora hábil ao transpor para o palco a sonoridade do disco - não cozinha o baião no ponto exato de fervura, talvez porque Kassin não manipule no show sua guitarra incandescente que valoriza o registro fonográfico da música (ainda assim, Bolsa de grife é um dos melhores momentos do show). Já - parceria de Mata com o africano Lokua Kanza, alocada no momento enlutado do roteiro - se confirma em cena como o tema menos inspirado da safra de inéditas de Bicicletas, bolos e outras alegrias. A opção por se livrar do amor que virou peso é reiterada - ainda com algum luto - na sequência que enfileira Boa sorte / Good luck (com o tecladista Donatinho assumindo a parte vocal de Ben Harper, parceiro de Mata no tema) e Longe demais (lado B do primeiro álbum da artista). Contudo, a opção pela vida e a alegria fica explícita em O masoquista e o fugitivo (Vanessa da Mata), simbolizada - inclusive - pelo abandono do figurino preto. De novo vestida de branco, Mata celebra a paz afetiva em O tal casal e em Te Amo, número em que o vento esvoaça o vestido da cantora em outro belo efeito cênico criado por Bia Lessa. Vem, então, o bloco das outras alegrias, no qual figura Fiu fiu. Uma chuva de papel laminado cai então sobre o palco, durante o hit Ai, ai, ai... (Vanessa da Mata e Liminha),  encerrando (esplendidamente) o show mais conceitual e climático de Vanessa da Mata.

Roteiro de 'Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias' inclui balada de Roberto

Balada triste do repertório de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, lançada pelo Rei em álbum de 1972 e revivida recentemente por Ney Matogrosso no disco e show Beijo Bandido (2009), A Distância é a surpresa do roteiro do novo espetáculo de Vanessa da Mata, Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias, que teve sua estreia nacional em 30 de outubro de 2010, em apresentação única no Teatro Guaíra, em Curitiba (PR). A Distância inicia o segundo bloco do show. É quando - após a banda tocar tema instrumental que remete às melodias do cancioneiro romântico de Roberto - a cantora retorna à cena vestida de preto, com figurino que simboliza o luto pelo amor perdido. A Distância é a única música do show que não é da lavra da compositora. Eis o roteiro seguido por Vanessa da Mata - vista no post em foto de Mauro Ferreira - na sedutora estreia da turnê nacional do show Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias:

1. Amado (Vanessa da Mata e Marcelo Jeneci)
2. As Palavras (Vanessa da Mata)
3. Não me Deixe Só (Vanessa da Mata)
4. Moro Longe (Vanessa da Mata)
5. Meu Aniversário (Vanessa da Mata)
6. Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias (Vanessa da Mata)
7. Minha Herança: Uma Flor (Vanessa da Mata)
8. Vê se Fica Bem (Vanessa da Mata)
* Tema instrumental (banda)
9. A Distância (Roberto Carlos e Erasmo Carlos)
10. Vá (Vanessa da Mata e Lokua Kanza)
11. Good Luck / Boa Sorte (Vanessa da Mata e Ben Harper)
12. Longe Demais (Vanessa da Mata)
13. O Masoquista e o Fugitivo (Vanessa da Mata)
14. O Tal Casal (Vanessa da Mata)
15. Te Amo (Vanessa da Mata)
16. Ilegais (Vanessa da Mata)
17. Fiu Fiu (Vanessa da Mata)
18. Bolsa de Grife (Vanessa da Mata)
19. Ai, Ai, Ai... (Vanessa da Mata e Liminha)
Bis:
20. Quando Amanhecer (Vanessa da Mata e Gilberto Gil)
21. Vermelho (Vanessa da Mata)

Bia Lessa expõe objetos de Vanessa da Mata ao ilustrar cenário de show

Diretora do show Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias, Bia Lessa assina também o cenário e a iluminação do espetáculo, cuja estreia nacional aconteceu na noite de 30 de outubro de 2010, em apresentação única no Teatro Guaíra, em Curitiba (PR). Através de vídeos e ilustrações digitais, Lessa povoa o cenário com objetos ligados ao universo regional-cosmopolita da artista e às músicas autorais do recém-lançado disco homônimo do show. Exemplos são os diversos modelos de bolsa que entram em cena enquanto Vanessa interpreta o baião tropicalista Bolsa de Grife - como pode ser visto na foto de Mauro Ferreira - e a imagem digital da bicicleta que transita pelo cenário durante Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias, tema que dá título ao show.

Sob a direção de Kassin, Mata junta músicos de ponta em cena de show

Sob direção musical de Kassin, produtor do recém-lançado CD Bicicletas, Bolos e Outras Alegrias, Vanessa da Mata junta músicos de ponta do atual pop nacional na cena do show baseado no disco. A estreia nacional do espetáculo aconteceu na noite de ontem, 30 de outubro de 2010, em apresentação única no Teatro Guaíra, em Curitiba (PR). Formada por Gustavo Ruiz (guitarra), Donatinho (teclados), Stephane San Juan (bateria), Maurício Pacheco (guitarra) e o próprio Kassin (no baixo), a banda - vista no post com Vanessa da Mata em foto de Mauro Ferreira - consegue transpor para o palco a sonoridade antenada do álbum. Luxo só!

sábado, 30 de outubro de 2010

Inspirada, Mata oscila entre o romantismo e o regionalismo pop no quinto CD

Resenha de CD
Título: Bicicletas, bolos e outras alegrias

Artista: Vanessa da Mata
Gravadora: Jabuticaba / Sony Music
Patrocínio: Natura Musical
Cotação: * * * * 1/2

♪ Quarto álbum de inéditas de Vanessa da Mata, mas já o quinto título de discografia que inclui registro de show editado em 2009 em CD e DVD da série Multishow ao vivo, Bicicletas, bolos e outras alegrias marca o lançamento do selo da artista, Jabuticaba, cujo nome já evoca o clima interiorano e ruralista que parece inspirar o pop da compositora nascida e criada em Mato Grosso. Talvez motivada pela autonomia mercadológica conquistada com o sucesso comercial de seus três últimos discos, a parceira de Ben Harper no hit Boa sorte / Good luck apresenta seu álbum mais inspirado desde a estreia fonográfica com o delicado Vanessa da Mata (2002). Guiada pela produção antenada de Kassin, que arregimentou músicos de ponta na cena pop nativa (como o tecladista Donatinho, o guitarrista Fernando Catatau, o baterista Stephane San Juan e o guitarrista Gustavo Ruiz, entre outros), Mata aprimora a receita de sua música, transitando geralmente inspirada entre o romantismo e o regionalismo de tom contemporâneo. Fazendo uso de recorrentes traços melódicos que já dão assinatura própria à sua obra, perceptíveis no hit radiofônico O tal casal, a compositora se mostra num momento de maturidade, assinando solitariamente dez das 12 músicas do CD, todas inéditas. Bicicletas, bolos e outras alegrias é grande disco que soa natural e verdadeiro. Já não se notam condimentos artificiais como a onipresença de Liminha na ficha técnica do  irregular Essa boneca tem manual (2004) e a súbita conversão ao reggae do bom Sim (2007). E o fato é que grande parte da safra de inéditas é de ótimo nível. Entre temas saltitantes como Meu aniversárioFiu fiu (espirituosa abordagem da luta  cotidiana das mulheres contra a balança e as amigas / inimigas) e Bolsa de grife (alfinetada na febre consumista dos mundos urbanos, dada na forma de um baião de espírito tropicalista que evoca no arranjo o som dos Mutantes), a compositora apresenta dois lindos temas românticos de melhor cepa. Te amo - adornada com cordas arranjadas sem clichês pelo tecladista irlandês Sean O'Hagan, nome hype na cena pop alternativa estrangeira - e As palavras (com coro kitsch) estão entre as melhores músicas da compositora e falam às massas em idiotizá-las. Entre canção que roça a arquitetura de um pop reggae (Vê se fica bem) e tema que evoca no arranjo a latinidade tropical de João Donato (O Masoquista e o fugitivo), Mata registra parceria antiga com Lokua Kanza - , também arranjada pelas cordas refinadas de Sean O'Hagan - que mais parece sobra de disco anterior. Sintomaticamente alocadas no terço final do álbum, , Moro longe (urdida com timbres nortistas) e a supra-citada O Masoquista e o fugitivo são as três únicas faixas de Bicicletas, bolos e alegrias - dentre as 12 inéditas - que não atingem o ponto exato pela inspiração mais rala da compositora nesses três temas. Nada que impeça Bicicletas, bolos e outras alegrias de ser um grande disco. O melhor da artista desde que ela passou a formatar sua música com tons mais contemporâneos. E o fecho em clima interiorizado do disco - com Quando amanhecer, segunda parceria da artista com o compositor baiano Gilberto Gil, que pôs sua voz e o seu violão (único e particular) na música - somente reitera a maturidade artística de Vanessa da Mata no seu (feliz) quarto álbum de inéditas.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Convertido ao samba do morro, D2 canta Bezerra com reverência linear

Resenha de CD
Título: Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva
Artista: Marcelo D2
Gravadora: EMI Music
Cotação: * * * 1/2

Bezerra da Silva (1927 – 2005) se tornou evangélico no fim da vida sem que a conversão alterasse a sua imagem de malandro e de cantor de bandido. “Na verdade, eu sou um cronista / Que transmite o dia a dia do meu povo sofredor”, tentou esclarecer Bezerra, bem antes da conversão, em Partideiro sem Nó na Garganta (Adelzonilton, Nilo Dias e Franco Teixeira, 1992), um dos 14 sambas incluídos na seleção final do bom CD Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva, recém-lançado pela EMI Music. O rapper se converte em sambista e cantor ao abordar com reverência repertório que guarda afinidades temáticas com o cancioneiro do Planet Hemp – a ponto de os versos de A Semente (Roxinho, Tião Miranda, Felipão e Walmir da Purificação, 1987) se ajustarem com naturalidade ao canto de D2, assumido usuário de maconha. Mais do que pela temática, o sexto álbum solo do rapper soa inusitado na discografia do artista por reproduzir a sonoridade tradicional do samba de morro. Mérito do produtor Leandro Sapucahy - com quem D2 dialoga nos versos de A Necessidade (José Garcia e Jorge Garcia, 1977), com direito a alguns improvisos autorreferentes na letra – e do pianista Jota Moraes, recrutado para fazer os arranjos de todas as faixas. Até um trio feminino de vocalistas (Carla Pietro, Keilla Santos e Neth Bonfim) foi arregimentado para evocar o coro do conjunto As Gatas, presença recorrente em discos de samba dos anos 70 e 80. Entre sambas que fazem valiosas crônicas sociais sob a ótica do povo marginalizado - caso de Meu Bom Juiz (Beto sem Braço e Serginho Meriti, 1986) - e outros que recorrem a um humor mais popularesco, como Minha Sogra Parece Sapatão (Roxinho, Tião Miranda e 1000tinho, 1983), D2 se revela convincente cantor de partido alto. E, de quebra, ainda lembra que o irreverente Na Aba (Trambique, Paulinho Correa e Ney Silva, 1982) –  samba associado a Martinho da Vila por conta da bem-sucedida gravação de 1984 – foi, a rigor, lançado por Bezerra dois anos antes. Três anos depois de fazer sucesso com Pega Eu (Criolo Doido, 1979), quando o partideiro pernambucano – radicado no Rio de Janeiro (RJ) desde a década de 50 - ainda dava seus primeiros passos na carreira fonográfica e gravava pela pequena CID. Com bela capa que parodia a imagem antológica do álbum Eu Não Sou Santo (1992), com o detalhe de que o rapper-sambista é crucificado com dois microfones no lugar de armas, o CD Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva é tributo tão reverente quanto linear à obra de um sambista tido como indigesto por dar voz – como os rappers, aliás – a uma parcela da sociedade que a elite prefere ignorar ou manter calada porque o  discurso do "povo sofredor" é incômodo.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Warner reedita três raros álbuns de Baden produzidos por Sérgio Cabral

No fim dos anos 70, década em que gravou uma série de álbuns no mercado fonográfico estrangeiro, Baden Powell (1937 - 2000) retomou sua discografia brasileira ao ingressar na Warner Music, gravadora por onde editou três álbuns entre 1979 e 1981, todos produzidos por Sérgio Cabral. Há tempos fora de catálogo, esses três discos ganham remasterizadas reedições em CD neste mês de outubro de 2010. Vendidas de forma avulsa, as reedições de O Grande Show - Gravado ao Vivo (1979), Nosso Baden (1980) e De Baden para Vinicius (1981) foram produzidas com capricho pelo pesquisador musical Marcelo Fróes. O disco O Grande Show - Gravado ao Vivo traz registro do show Encontro, apresentado pelo violonista no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo (SP), em 18 e 19 de agosto de 1979. O roteiro alterna temas instrumentais (Asa Branca, A Lenda do Abaeté, Se Todos Fossem Iguais a Você) com números em que o violonista se aventurou como cantor, em geral músicas da lavra de Baden com Vinicius de Moraes (Canto de Ossanha, Refém da Solidão, Tempo Feliz). Já Nosso Baden - disco gravado pelo músico no estúdio Vice-Versa em São Paulo (SP), de dezembro de 1979 a maio de 1980 - prioriza temas da parceria do violonista com Paulo César Pinheiro (Cai Dentro e os pouco ouvidos Até EuMesa Redonda e Canção das Flores) entre abordagens instrumentais de músicas como Odeon (Ernesto Nazareth e Hubaldo) e Abismo de Rosas (Canhoto). A reedição de Nosso Baden inclui faixa-bônus, A Estrela e a Cruz, um tema instrumental de Baden, editado originalmente em compacto encartado no LP (na época, a gravadora promoveu concurso para que letristas criassem versos para este tema de Baden e se tornassem parceiros do compositor). Por fim, encerrando a passagem de Baden Powell pela Warner Music, De Baden para Vinicius foi o parcial registro ao vivo do show Nosso Baden, captado ao vivo no Teatro Clara Nunes, no Rio de Janeiro (RJ), entre julho e agosto de 1980, com produção dividida por Sérgio Cabral com Kauê. Trata-se de disco basicamente cantado em que Baden celebra o amigo Vinicius de Moraes (1913 - 1980), revivendo parcerias de ambos e tirando do baú Feitinha pro Poeta, samba que havia composto nos anos 60 com Lula Freire. De Baden para Vinicius foi uma das primeiras homenagens póstumas prestadas em disco ao Poetinha, que saíra de cena em julho de 1980. Enfim, são três oportunas reedições de títulos que, embora não sejam essenciais na discografia de Baden Powell, ajudam a reconstituir o percurso fonográfico do genial violonista e compositor que se dividiu entre o Brasil e o exterior.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Diogo Nogueira vai de Agepê a Chico Buarque no CD e DVD 'Sou Eu ao Vivo'

Já o segundo registro de show da discografia de Diogo Nogueira, captado em 23 de julho de 2010 em apresentação do artista na casa Vivo Rio, no Rio de Janeiro (RJ), Sou Eu ao Vivo chega às lojas no início de novembro, via EMI Music, nos formatos de CD e DVD. O vídeo alinha 26 músicas em 23 faixas, incluindo quatro inéditas. As quatro novidades são Contando Estrelas (Ciraninho e Rafael dos Santos), Razão Pra Sonhar (parceria de Diogo com Inácio Rios e com Raphael Richard, inicialmente intitulada Jangadeiro), Vestibular pra Solidão (Alexandre Pires) e A Vitória Demora, mas Vem (Juninho Thybau, Anderson Baiaco e Luiz Café). Diogo revive sucesso de Emílio Santiago em 1982, Pelo Amor de Deus (Paulo Debétio e Paulinho Rezende), em roteiro que tem citação instrumental de Feijoada Completa (Chico Buarque) e intervenções de Chico Buarque (nos sambas Homenagem ao Malandro e Sou Eu), Ivan Lins (na bela canção romântica Lembra de mim e no samba  Sou Eu), Hamilton de Holanda (bandolim em Lama das Ruas e em Sou Eu) e Alcione (em Amor Imperfeito). A música de trabalho é Me Leva (Toninho Geraes e Serginho BH), samba romântico que batizou o CD lançado em 1992 por  Agepê (1942 - 1995), de cujo repertório Diogo Nogueira também rebobina o hit Deixa Eu te Amar (Agepê, Camillo e Mauro Silva), de 1984, com o intuito de atiçar seu público feminino. Clique aqui se quiser ler a resenha da gravação ao vivo do CD e DVD Sou Eu ao Vivo, terceiro título da discografia de Diogo Nogueira, iniciada em 2007 com um registro de show calcado no repertório de João Nogueira (1941 - 2000), o pai do sambista-galã.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Jota Quest lança na Argentina 'Dias Mejores', disco gravado em espanhol

Já em negociação para ser lançado no Brasil em edição de tiragem limitada, o primeiro disco em espanhol do grupo Jota Quest, Dias Mejores, chega às lojas da Argentina a partir desta terça-feira, 26 de outubro de 2010. Editado pela filial argentina da multinacional Sony Music, Dias Mejores foi gravado no estúdio Circo Beat, em Buenos Aires, com produção de Mário Breuer - nome recorrente na ficha técnica de ícones do pop rock portenho como Charly Garcia e o grupo Soda Stereo. Em seu primeiro álbum idealizado para o mercado latino de língua hispânica, o vocalista Rogério Flausino (que teve aulas para cantar com a pronúncia correta do espanhol falado na Argentina), o guitarrista Marco Túlio, o baixista PJ, o tecladista Márcio Buzelin e o baterista Paulinho Fonseca regravam em castelhano 12 sucessos de sua discografia, com arranjos novos. Eis a seleção de Dias Mejores, que teve capa e encarte produzidos em Belo Horizonte (MG), cidade natal do quinteto que transita entre o rock e o soul com veia pop:
* Na Moral
* Ya Fue
* Encontrar a Alguien
* Dias Mejores
* Una Vez Más
* Alguien para mi Soledad
* Fácil
* A Tu Lado
* Vem a Andar Conmigo
* Amor Mayor
* La Plata
* Planeta de los Simios

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A energia natural do Black Eyed Peas move a pop 'The E.N.D. World Tour'

Resenha de Show
Título: The E.N.D. World Tour
Artista: Black Eyed Peas - com participação de Jorge Ben Jor
Local: Praça da Apoteose (RJ)
Data: 24 de outubro de 2010
Fotos: Divulgação / Roberto Filho - Ag. News
Cotação: * * * *
Agenda da The E.N.D World Tour no Brasil:
26 de outubro - Mega Space (Belo Horizonte, MG)
30 de outubro - Estacionamento da FIERGs (Porto Alegre, RS)
1º de novembro - Arena Show (Florianópolis, SC)
4 de novembro - Estádio Morumbi (São Paulo, SP)

A rigor, a The E.N.D. World Tour do grupo Black Eyed Peas é movida a energia natural dos integrantes do quarteto norte-americano, atualmente bombado nas pistas do mundo pop com Boom Boom Pow e I Gotta a Feeling, megahits do álbum, The E.N.D. (2009), que gerou a turnê internacional que ora se encontra no Brasil, tendo chegado ao Rio de Janeiro (RJ) na noite de 24 de outubro de 2010, em apresentação que levou cerca de 22 mil pessoas à Praça da Apoteose. O clima pop sci-fi é realçado pelos telões e pelos feixes de raio laser que cruzam o palco e o cenário hi-tech. Mas toda essa parafernália técnica não surtiria um efeito realmente especial no público se o som da banda - um mix descaradamente pop de rap, funk, eletrônica e, em menor grau, sons latinos - não fosse ele mesmo o efeito mais bem-acabado do espetáculo, algo perceptível já nos dois primeiros números, Let's Get Started e Rock That Body. Eficientes na função de animadores, will.i.am, Fergie, Taboo e Apl.de.ap afagam o ego do público - e foram numerosas as vezes em que will.i.am declarou seu amor à cidade do Rio de Janeiro - e se movimentam freneticamente em cena durante as duas horas do show, se revezando nas passarelas que prolongam o palco e aproximam o quarteto da plateia alocada nas pistas mais bem posicionadas. A citação do Rap das Armas e músicas como My Humps - número em que Fergie atua como se fosse uma popozuda dos bailes da pesada  - evidenciam a influência do batidão do funk carioca na som do Black Eyed Peas. O apego aos ritmos mais genuinamente brasileiros é especialmente assumido na versão turbinada de Mas que Nada, pretexto para a entrada em cena de Jorge Ben Jor, autor da música que, em 1966, catapultou Sergio Mendes ao estrelato nos Estados Unidos. O Zé Pretinho conferiu legitimidade a um número que recorre a clichês visuais do Brasil tropical - evocados pelos fantasiados passistas que desfilam pela passarela ao longo da irresistível Mas que Nada. Reverenciado pelo grupo, em especial por will.i.am ("Esse cara é o meu herói"), Ben Jor permaneceu no palco e, já no comando de sua guitarra, puxou uma versão de Chove Chuva que se manteve fiel à batida original do tema, eventualmente incrementado com os grooves típicos do Black Eyed Peas. Alguns números depois do instante brazuka, cada integrante do grupo teve seu momento solo. Carismática, Fergie conquista  de imediato a atenção da plateia com Fergalicious / Glamorous e a balada pop Big Girls Don't Cry, músicas de seu álbum solo The Duchtess (2006).  Já will.i.am - caracterizado com figurino a la Robocop - assume o posto de DJ, enfileirando sucessos de Michael Jackson (As introduções de Don't Stop 'Till You Get Enough e Thriller contagiam), Nirvana, Red Hot Chili Peppers e da dupla Eurythmics (Sweet Dreams Are Made of This, com refrão cantado em coro pelo público), entre outros nomes. No fim, já reunido em cena, o quarteto lança mão de hits infalíveis como Where's the Love? (o chiclete pop do álbum Elephunk, de 2003), Boom Boom Pow e I Gotta a Feeling, que encerra o show em versão estendida que culmina numa chuva de papel picado. Goste-se ou não do som do Black Eyed Peas, o fato é que a energia que move a The E.N.D. World Tour nunca acaba enquanto o grupo permanece em cena, dando o seu show pop sci-fi com competência técnica.

domingo, 24 de outubro de 2010

Chega às lojas a gravação ao vivo do 'Bailão do Ruivão', de Nando Reis

Nas lojas a partir de 29 de novembro de 2010, via Universal Music, o CD e o DVD Bailão do Ruivão trazem a gravação ao vivo do show em que Nando Reis regrava sucessos populares na companhia de sua banda Os Infernais. Viabilizado na série MTV ao Vivo, o registro aconteceu em 10 e 11 de agosto, em dois shows no Carioca Club, que, apesar do nome, fica em São Paulo (SP). A gravação conta com intervenções da Banda Calypso, da dupla sertaneja Zezé Di Camargo & Luciano e do grupo Zafennate. Com Joelma e o guitarrista Chimbinha, o ex-titã revive a lambada Chorando se Foi. A dupla participa de Você Pediu e Eu já Vou Daqui (Antônio Marcos e Zairo Marinozo) – música que abriu o LP lançado em 1969 pelo cantor Antônio Marcos (1945 - 1992) - e do sucesso do grupo Jota Quest Do seu Lado, composto por Nando, mas popularizado na voz de Rogério Flausino. Já a banda Zafennate - do filho de Nando, Theodoro Reis - toca no reggae Could You Be Loved? (Bob Marley). Eis as músicas do Bailão do Ruivão:
1 - Venus – (Van Leeuweun)
2 - Agora Só Falta Você - (Rita Lee e Luis Sergio Carlini)
3 - Não Me Deixe Nunca Mais - (Rossini Pinto e Solange Correia)
4 - Whisky a Go-Go (Michael Sullivan e Paulo Massadas)
5 - Fogo e Paixão (Rose) / My pledge of love (Joe Stafford Jr.)
6 - I Can See Clearly Now (Johnny Nash)
7 - Islands in the Stream - (Barry, Maurice e Robin Gibb)
8 - Muito Estranho (Claudio Rabello e Dalto)
9 - Could You Be Loved ? (Bob Marley) – com a banda Zafennate
10 - You and I (Rick James)
11 - Bichos Escrotos (Nando Reis, Arnaldo Antunes e Sergio Brito)
12 - Gostava Tanto de Você - (Edson Trindade)
13 -Você Pediu e Eu já Vou Daqui (Antônio Marcos e Zairo Marinozo) – com Zezé Di Camargo & Luciano
14 - Do Seu Lado (Nando Reis) - com Zezé Di Camargo & Luciano
15 - Severina Xique Xique (João Gonçalves e Genival Lacerda)
16 - Você Não Vale Nada (Dorgival Dantas)
17 - Frevo Mulher (Zé Ramalho)
18 - Lindo Balão Azul (Guilherme Arantes)
19 – Chorando se foi (Llorando Se Fue) - com Calypso

sábado, 23 de outubro de 2010

Caixa 'Primeiras Andanças' refaz passos iniciais de Beth rumo ao samba

Resenha de caixa de CDs
Título: Primeiras Andanças - Os 10 Primeiros Anos

Artista: Beth Carvalho
Gravadora: Discobertas
Cotação: * * * * *

Embora já frequentasse rodas de samba desde o início dos anos 60 e já gravasse discos desde 1965,  Beth Carvalho somente começou a marcar - de fato - sua identidade no mundo do samba a partir do lançamento de seu segundo álbum, Canto por um Novo Dia (1973). Antes, a cantora carioca transitou pelos redutos elitistas da Bossa Nova e pelo universo nacionalista dos festivais da canção. Tais passos iniciais são minuciosamente reconstituídos pelo produtor e pesquisador musical Marcelo Fróes na essencial caixa Primeiras Andanças - Os 10 Primeiros Anos, que embala duas coletâneas - com 29 gravações avulsas dessa digna caminhada seminal de Beth - e os três seminais álbuns de samba lançados por Beth na extinta gravadora Tapecar entre 1973 e 1975. Por mais que boa parte desses fonogramas já tivesse sido editado de forma dispersa nas compilações da artista produzidas em intervalos regulares pela  gravadora EMI Music, eles nunca tinham sido documentados e contextualizados como no box produzido por Fróes para seu selo Discobertas. Cada coletânea traz um texto diferente - escrito a partir de entrevista feita com Beth pelo pesquisador - que permite que o ouvinte entenda, por exemplo, como a cantora chegou a gravar, em 1965, um compacto bossa-novista para a RCA com arranjos de Eumir Deodato para as músicas Namorinho (Mário de Castro e Athayde) e Por Quem Morreu de Amor (Roberto Menescal e Roberto Bôscoli). Entre as raridades de Primeiras Andanças - Vol. 1 (Anos 60), figuram os dois duetos feitos por Beth com o cantor Agostinho dos Santos (1932 - 1973) para um LP de Santos, Música Nossa, editado em 1967 pela extinta gravadora Codil. Há também a primeira das bissextas incursões de Beth no terreno da composição, Guerra de um Poeta, uma parceria com Paulinho Tapajós, gravada no já raro LP III Festival Internacional da Canção Vol. 1, de 1968. Por sua vez, Primeiras Andanças - Vol. 2 (Anos 70) começa a traçar o envolvimento crescente de Beth com o mundo do samba carioca - embora ainda traga alguns fonogramas ligados ao universo da MPB propagada nos festivais dos anos 60, caso de Geração 70, tema de Taiguara, gravada pela cantora com o compositor ao piano. Uma das raridades é Essa Passou, única parceria de Chico Buarque com Carlos Lyra, dada de presente a Beth pelo próprio Chico para compacto gravado com o grupo Som Três em 1971 - ano em que Clara Nunes (1942 - 1983) ascende como sambista na  Odeon (em imagem arquitetada pelo produtor e radialista Adelzon Alves), fechando involuntariamente o caminho de Beth na gravadora, da qual a cantora se despede com a gravação do samba-enredo Rio Grande do Sul na Festa do Preto Forro, alocado em compacto editado em 1972. Por já ter Clara despontando como sambista, a Odeon recusa a proposta de Beth de gravar um LP de samba - com o qual a artista já estava totalmente envolvida. Beth parte então para a hoje extinta Tapecar, a gravadora nacional fundada pelo espanhol Manuel Camero, o Manolo, figura fundamental na indústria fonográfica dos anos 70 e 80. Nessa pequena companhia, que também abrigaria Elza Soares entre 1974 e 1977, Beth gravou os álbuns Canto por um Novo Dia (1973), Pra seu Governo (1974) e Pandeiro e Viola (1975). Embora já tivessem sido relançados em formato digital, os três álbuns - que sedimentaram a opção da cantora pelo samba - ganham na caixa reedições definitivas, com som remasterizado, a reprodução da arte gráfica original e textos que contextualizam a feitura de cada disco. Ainda que voltado para o samba, Canto por um Novo Dia não é um trabalho típico do gênero por conta dos arranjos do pianista César Camargo Mariano. O destaque do repertório é Folhas Secas, o samba de Nelson Cavaquinho (1911 - 1986) e Guilherme de Brito (1922 - 2006), dado por Nelson a Beth, mas gravado à revelia da sambista por Elis Regina (1945 - 1982), que ouviu Folhas Secas por intermédio de Mariano (a atitude da Pimentinha causou um mal-estar - nunca superado - com Beth). Na sequência, Pra seu Governo - arranjado por Paulo Moura e Orlando Silveira - ambienta enfim Beth no mundo do samba mais tradicional. O sucesso nacional de 1800 Colinas (Gracia do Salgueiro) deu projeção a um disco que irmanava no repertório bons sambas como Maior É Deus (Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro). Detalhe luxuoso: Nelson Cavaquinho toca violão em Miragem, sua pouco conhecida  parceria com Guilherme de Brito, gravada por Beth com arranjo que remete ao som dos antigos conjuntos regionais (Cavaquinho e Brito assinam também no disco Falência, outro título obscuro da nobre parceria). Por fim, Pandeiro e Viola encerra com brilho a trilogia de Beth Carvalho na Tapecar. Sob a direção musical de Ed Lincoln, um dos reis dos bailes nos anos 60,  Beth gravou sambas de Ivone Lara (Amor sem Esperança, uma das primeiras parcerias da dama imperial com Délcio Carvalho), Noel Rosa (Onde Está a Honestidade?), Gracia do Salgueiro (Pandeiro e Viola, tema que deu título ao álbum) e Martinho da Vila (Enamorada do Sambão, o hit radiofônico do disco). A atual  reedição de Pandeiro e Viola incorpora, como faixas-bônus, Alegria (Quincas e Claudemiro) e Pesquisa (Geraldo Neves), sobras do álbum, lançadas pela Tapecar em coletânea de 1977, ano em que Beth - então contratada desde 1976 pela RCA, gravadora multinacional na qual permaneceria até 1987 - já vivia o início de seu auge artístico e comercial, se tornando, a partir de então, uma referência e garantia de qualidade no samba.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Legend & The Roots despertam os ideais sociais do soul em 'Wake Up!'

Resenha de CD
Título: Wake Up!
Artista: John Legend & The Roots
Gravadora: Columbia Records / Sony Music
Cotação: * * * * 1/2

John Legend se revelou fino estilista das tradições do soul e do r & b ao despontar no mercado fonográfico com o álbum Get Lifted (2004), que deixou excelente impressão confirmada no posterior Once Again (2006). Só que Legend já vinha banalizando seu som a partir de terceiro álbum de estúdio, Evolver (2008) - a ponto de ter aceitado convite da gravadora Sony Music para fazer dueto despudoradamente pop com Ana Carolina no último álbum de estúdio da artista, N9ve (2009). Contudo, Legend volta para sua trilha original ao desencavar a raiz sócio-política do soul e do funk dos anos 60 e 70 em Wake Up! - o esplêndido álbum gravado e assinado pelo artista com o The Roots, grupo norte-americano ligado ao universo do hip hop. Gestado em 2008, durante a campanha eleitoral que transformou Barack Obama no primeiro presidente negro dos Estados Unidos, Wake Up! traz somente uma música inédita, Shine. O restante do repertório é formado por joias recolhidas sem obviedade no baú áureo da soul music. São petardos como Compared to What (Eugene McDaniels), inflamado protesto contra a Guerra do Vietnã, propagado em 1969 pelo cantor e pianista Les McCann em registro dividido com o saxofonista Eddie Harris. Legend e The Roots lustram tais pérolas com real respeito à sonoridade das gravações originais, mas sem uma devoção extrema e radical que poderia fazer de Wake Up! um álbum fora de sintonia com os dias de hoje. A adesão do rapper Common no soul Wake Up Everyody - lançado por Harold Melvin & The Blue Notes - é exemplo de como o disco se ajusta aos sons atuais sem prejuízo estético e sem traição aos valores musicais dos tempos de guerra que inspiraram este trabalho cheio de energia, vigor, ideias e ideais sócio-políticos. Alinhados, temas dos repertórios de Marvin Gaye (Wholy Holy, com arranjo de cordas), Donny Hathaway (Little Ghetto Boy), Baby Huey and the Babysitters (Hard Times, o petardo que faz o ouvinte despertar para a força de Wake Up! logo na primeira das 12 faixas) evocam tempos em que um álbum poderia ser poderosa arma de conscientização do público que não queria lavar aos mãos. Talvez por isso mesmo Wake Up! soe tão poderoso em época em que a música resulta cada vez mais artificial e vazia de ideias e de ideais sociais e políticos.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Santana segue receita do sucesso fácil em 'Guitar Heaven' sem ser banal

Resenha de CD
Título: Guitar Heaven
- The Greatest Guitar Classics of All Time
Artista: Santana
Gravadora: Arista / Sony Music
Cotação: * * * 1/2

Desde que o estouro mundial do álbum Supernatural (1999) revitalizou a carreira fonográfica de Carlos Santana, o guitarrista mexicano tem seguido com maior ou menor êxito a fórmula de regravações + cantores convidados. Nesse sentido, Guitar Heaven - The Greatest Guitar Classics of All Time pouco difere de seus antecessores Shaman (2002) e All That I Am (2005). Nem por isso deixa de ser ter seu mérito próprio por conta do virtuosismo do guitarrista e pela beleza vocal de alguns solistas, em especial de India.Aire, convidada de While my Guitar Gentley Weeps (Beatles) ao lado do violoncelista Yo Yo Ma. Há vigor também no encontro de Santana com Scott Weiland - vocalista do grupo Stone Temple Pilots - para reviver Can't You Hear me Knocking (Rolling Stones), faixa que, em seu final, ganha doses generosas do molho latino que caracteriza o som de Santana. Em Guitar Heaven, o músico até tenta algumas ousadias estilísticas - como convocar o rapper Nas para cantar Back in Black, um dos clássicos do grupo de heavey metal AC/DC - só que, no geral, preserva a estrutura original dos maiores clássicos da guitarra de todos os tempos. De toda forma, como unir rap e rock já é fórmula batida, surpresa mesmo é o encontro de Chester Bennington (o Chasy Chaz do Linkin Park) com o tecladista Ray Manzarek, do lendário grupo The Doors, para rebobinar Riders on the Storm. Entre generosas passagens instrumentais para que Santana exiba suas habilidades na guitarra, perceptíveis em todas as 12 faixas, Guitar Heaven ainda apresenta a voz rouca de Joe Cocker em Little Wing (Jimi Hendrix). A receita do sucesso fácil é, enfim, repetida em um disco que acena para multidões. Não fosse de Santana, Guitar Heaven seria um álbum meramente banal. Mas é um disco de Santana... E isso pesa na balança - a favor do guitarrista.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Lenine agrega em coletânea 12 temas gravados para trilhas em 20 anos

Tema propagado na abertura da novela Passione, para cuja trilha sonora foi composto sob encomenda, Aquilo que Dá no Coração é uma das melhores músicas de Lenine. Mas tal música não consta de nenhum disco oficial do artista justamente por ter sido criada para um projeto alheio. Daí o grande valor da coletânea Trilhas, primeiro título da série Lenine.Doc, idealizada pelo compositor pernambucano para documentar sua rica produção avulsa criada para novelas, especiais de TV, filmes, espetáculos de dança, discos alheios (como o projeto infantil Lendas Brasileiras) e eventos (como O Ano do Brasil na França e a festa de 20 anos da emisssora de TV Globo Nordeste). Com seleção que abrange um período de 20 anos, indo de 1990 a 2010, o CD agrega 12 temas - e poderia ter mais, se levada em conta a omissão de músicas como As Voltas que o Mundo Dá (Lenine e Dudu Falcão), feita para a trilha sonora da novela Ana Raio e Zé Trovão (TV Manchete, 1991) - que atestam a inspiração incessante do autor. Eis as 12 faixas do CD Lenine.Doc - Trilhas, que já está sendo distribuído nas lojas pela Universal Music:
1. Aquilo que Dá no Coração (Passione, 2010)
2. De Sabugo a Visconde (Sítio do Pica-Pau Amarelo, 2001)
3. Quatro Horizontes (O Diabo a Quatro, 2004)
4. Agora É que São Elas (Agora É que São Elas, 2003)
5. Minha Cidade - Menina dos Olhos do Mar (Festa 20 Anos da Globo Nordeste, 2000)
6. A Mula sem Cabeça (CD Lendas Brasileiras, 2005)
7. Não Faz Mal a Ninguém (Sete Pecados, 2007)
8. Como É Bom a Gente Amar (A Pessoa É para o que Nasce, 2005)
9. Sob o Mesmo Céu (O Ano do Brasil na França, 2005)
10. Diversidade (A Terra dos Meninos Pelados, 2003)
11. Violenta (Breu, 2008)
12. Alpinista Social (Lua Cheia de Amor, 1990)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Show 'Amor Festa Devoção' ganha registro ao vivo integral em CD duplo

Assim como o show anterior de Maria Bethânia, Dentro do Mar Tem Rio (2006), o atual Amor Festa Devoção ganha registro ao vivo integral em CD duplo que vai estar nas lojas a partir de 5 de novembro de 2010. A gravação do espetáculo baseado nos álbuns Encanteria (2009) e Tua (2009) foi feita em março na casa Vivo Rio, no Rio de Janeiro (RJ). Na sequência do lançamento do CD Amor Festa Devoção - Maria Bethânia ao Vivo, estão previstas  edições do registro do show em DVD e em blu-ray (o primeiro da gravadora Biscoito Fino). Eis as 36 faixas do CD duplo ao vivo em que Bethânia canta Dama do Cassino, do mano Caetano Veloso:
Disco 1
1. Santa Bárbara
2. Rosa dos Ventos (vinheta) / Vida
3. Olho de Lince (texto)
4. Feita na Bahia
5. Coroa do Mar
6. Encanteria
7. Linha de Cabloco
8. É o Amor Outra Vez
9. Tua
10. Fonte
11. Explode Coração
12. Queixa
13. Você Perdeu
14. Dama do Casino
15. Até o Fim
16. Serenata do Adeus
17. Balada de Gisberta
18. Pot-pourri instrumental: Zanzibar / Seará / Lia de Itamaracá / Desenredo / Santo Antônio / Fica Mal com Deus
Disco 2
1. Não Identificado
2. Curare
3. Estrela
4. Serra da Boa Esperança
5. Doce Viola
6. Guriatã
7. Pescaria
8. Pot-pourri: Saudade Dela / Ê Senhora / Batatinha Rôxa (citação) / A Mão do Amor
9. Saudade
10. É o Amor / Vai Dar Namoro (citação)
11. O Nunca Mais
12. Andorinha
13. Bom Dia
14. Bandeira Branca
15. Domingo / Pronta Pra Cantar
16. O que É o que É
17. Encanteria
18. Reconvexo

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Pop sentimental de Sanz ganha peso em cena sem perder a aura 'kitsch'

Resenha de Show
Título: Paraíso Tour

Artista: Alejandro Sanz (em foto de Rodrigo Amaral)
Local: Citibank Hall (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 17 de outubro de 2010
Cotação: * * *
Show em cartaz no Credicard Hall - em São Paulo (SP) - em 20 de outubro de 2010

O pop sentimental de Alejandro Sanz está longe de merecer o céu, mas a Paraíso Tour do astro espanhol - um dos ícones do pop latino de língua hispânica - ganha peso roqueiro em cena, em sintonia com o álbum que a inspirou, Paraíso Express (2009), trabalho em que Sanz flerta com o pop rock. Já no primeiro número do show que chegou ao Rio de Janeiro (RJ) em 17 de outubro de 2010, My Peter Punk, fica nítido o tom eventuamente heavy dos arranjos. Mas a plateia carioca de Sanz - que reencontrou o artista seis anos depois da apresentação do cantor no mesmo Citibank Hal (RJ) que abrigou a Paraíso Tour na noite de domingo - pareceu menos interessada no som do que no cantor, cuja estampa de galã ainda mobiliza o público feminino e parte da tribo GLS. Contudo, o coro kitsch que adornou músicas como Viviendo Deprisa - a terceira do roteiro carioca, apresentada após Lo que Fui Es lo que Soy - deixou nitído logo no início do show que toda a força do aparato instrumental não encobre a natureza adocicada do pop convencional de Sanz. O cantor é simpático, o show tem pegada e o simples revival do hit Corazón Partío - alocado já no quinto número do coeso roteiro e temperado com molho de salsa no alongado final - seria suficiente para incendiar a plateia por conta do refrão sedutor. Mas o que se viu e ouviu em cena foi um punhado de baladas, como Cuando Nadie me Ve, turbinadas com sonoridade heavy típica de bandas de rock. Um aparato quase sempre dispensável, pois uma canção levada com violões, caso de Yo Hice Llorar Hasta a Los Angeles, pareceu surtir até mais efeito em público habituado a sons bem mais amenos. Entre dueto harmonioso com Daniela Mercury (em Desde Cuando, canção de refrão ganchudo lançada por Sanz no álbum Paraíso Express) e uma série de baladas tristonhas e comuns no pop romântico latino (casos de Quisiera SerLola Soledad), Sanz flertou com o pop reggae em Mala, reviveu seu hit No Es Lo Mismo, convocou uma das duas vocalistas para defender a parte de Alicia Keys em Looking for Paradise e surpreendeu para valer no bis quando, sozinho ao piano, cantou Sozinho (a canção de Peninha lançada por Sandra de Sá em 1996 e regravada com retumbante sucesso por Caetano Veloso em 1998) com português bem desenvolto, em registro intimista. No fim, um medley uniu temas como Mi Soledad y Yo, Amiga Mía e Y si Fuera Ella, deixando a sensação de que o simpático Alejandro cumpriu bem a missão de entreter suas fãs cariocas.

domingo, 17 de outubro de 2010

Os canários Zé Renato e Renato Braz levam um belo 'Papo de Passarim'

Resenha de CD
Título: Papo de Passarim

Artistas: Zé Renato e Renato Braz
Gravadora: Tratore (distribuição)
Cotação: * * * * 1/2

Resultado de convite do Canal Brasil para que Zé Renato e Renato Braz unissem suas vozes e seus violões na gravação de um especial para o canal de TV (captado ao vivo em maio de 2010, em show no Teatro Fecap, em São Paulo - SP), o CD Papo de Passarim junta dois expressivos cantores que, em maior ou menor grau, conseguiram se fazer ouvir no país das cantoras. Gravado com a adesão de Sizão Machado no contrabaixo, o disco apresenta harmoniosa cantoria que irmana vários sotaques do Brasil, com direito a duas escalas em Cuba para a interpretação da tristonha Adiós Felicidad - canção de Ela O'Farrill propagada em vozes como as de Omara Portuondo e do saudoso cantor e pianista Bola de Nieve (1911 - 1971) - e para o registro instrumental da Canção Cubana (Zé Renato), alocada no disco como faixa-bônus. Afinadíssimas, de uma precisão técnica que nunca anula o sentimento contido nas músicas, as vozes dos Renatos realçam tanto a nostalgia ruralista de A Saudade Mata a Gente (João de Barro e Antonio Almeida) quanto a melancolia profunda de Desenredo, tema de Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro que evoca as Minas Gerais com apropriada citação d'O Trenzinho do Caipira (Villa-Lobos e Ferreira Gullar). Entre luminoso grande samba de Wilson das Neves com o mesmo Paulo César Pinheiro (Um Novo Amor Chegou) e abordagem terna de A Hora e a Vez (Zé Renato, Claudio Nucci e Ronaldo Bastos), os canários levam bem o Papo de Passarim do título - uma parceria de Zé com Xico Chaves que remete ao bucólico universo jobiniano - e entram na roda baiana da Capoeira de Arnaldo, armada pelo paulista Paulo Vanzolini, após mergulhar com comedidos falsetes no belo Rio Amazonas dos recorrentes Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro. Pontuado por duas parcerias de Zé com Milton Nascimento, Ponto de Encontro e Anima, Papo de Passarim é CD primoroso que reitera a maestria dos dois cantores e joga luz sobre a voz ainda pouco ouvida de Renato Braz. Sim, existem cantores no país das cantoras.

sábado, 16 de outubro de 2010

Bibi cruza com fôlego Brasil, Argentina e Portugal ao fechar o Canecão

Resenha de Show
Título: De Pixinguinha a Noel, Passando por Gardel

Artista: Bibi Ferreira (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Canecão (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 15 de outubro de 2010
Cotação: * * * 1/2
Em cartaz até sábado, 16 de outubro de 2010

Quarenta três anos após ter comandado festa que oficializou a abertura do Canecão, em junho de 1967, Bibi Ferreira fecha as portas da mais importante casa de shows do Brasil neste sábado, 16 de outubro de 2010, com a apresentação do show De Pixinguinha a Noel, Passando por Gardel, que estreou na Argentina e transitou esta semana por São Paulo antes de chegar ao palco carioca que foi símbolo de status na era de ouro da MPB formatada nos festivais da década de 60. Aos 88 anos, Bibi cruza com fôlego sons do Brasil, da Argentina e de Portugal em mix que alcança seu ápice no inusitado número final, Ponteio ( Edu Lobo e Capinam), apresentado com a adesão da magnífica orquestra argentina El Arranque, que já tinha entrado em cena na parte final dedicada aos tangos e milongas. É quando o show vira concerto, como disse apropriadamente Bibi em cena. É quando, fazendo aflorar sua forte veia dramática, a intérprete apresenta temas como Por una Cabeza (Carlos Gardel e Alfredo le Pera, 1935) e Esta Noche me Emborracho (Enrique Santos Discépolo, 1928), dois tangos do repertório de Carlos Gardel (1890 - 1935), o célebre cantor argentino alocado no título do show. Mesmo que a voz já não ostente o vigor e o alcance de tempos idos, Bibi passa com brilho não somente por Pixinguinha (1897 - 1973) - através de registro de início recitado de Carinhoso - e Noel Rosa (1910 - 1937), abordado em medley que alinha Último Desejo, Não Tem Tradução, O X do Problema e Conversa de Botequim. A rigor, o show-concerto - no qual Bibi é acompanhada por grupo irretocável de maestros e músicos - monta painel (incompleto) da longa trajetória musical da intérprete em roteiro que agrega números da peça Gota d'Água (Basta um Dia e a música-título, cantadas com dose mais rala de dramaticidade), do musical Piaf - A Vida de uma Estrela da Canção (La Vie en Rose, A Quoi a Ça Sert L’Amour - em desenvolto dueto bilíngue com o empresário Nilson Raman - e Non, Je ne Regrette Rien) e do show Bibi Vive Amália, estreado em 2001 em tributo à cantora portuguesa Amália Rodrigues (1920 - 1999). Aliás, a guitarra portuguesa de Victor Lopez - músico convidado do bloco lusitano - evoca a sonoridade e a atmosfera do fado para que Bibi cante, com perfeito sotaque português, Nem às Paredes Confesso, Lisboa Antiga e Ai, Mouraria. Antes, a intérprete aglutina em expressivo pot-pourri sucessos de Sylvia Telles (Foi a Noite), Dolores Duran (Por Causa de Você e Solidão), Maysa (Ouça e Demais, este com andamento progressivamente acelerado) e Francisco Alves (Boa Noite, Amor). Somente artista já acima do bem e do mal, como Bibi, pode encaixar a letra da Canção do Exílio (Gonçalves Dias) na melodia do Samba de uma Nota Só (Tom Jobim e Newton Mendonça) sem se perder na trilha do exotismo. Bibi pode! Mesmo não estando numa de suas melhores formas (uma distensão na perna atrapalhava sua locomoção e lhe causava dor no joelho, como contou em cena ao público), Bibi Ferreira é show!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

'Gal Total' mostra como Gal foi plural em seu auge na gravadora Philips

Resenha de caixa de CDs
Título: Gal Total

Artista: Gal Costa
Gravadora: Universal Music
Cotação: * * * * 1/2

Nome de disco revigorante lançado por Gal Costa em 1990, Plural seria um título bem mais adequado para a caixa que embala 14 dos 17 álbuns lançados pela cantora entre 1967 e 1983 na extinta gravadora Philips (cujo acervo foi encampado pela Universal Music em 1999). Até porque, contrariando seu nome, a caixa Gal Total exclui os álbuns coletivos Tropicália ou Panis et Circensis (1968), Temporada de Verão - Ao Vivo na Bahia (1974) e Os Doces Bárbaros (1976). Apesar das  omissões, Gal Total faz, enfim, justiça à obra áurea de Gal Costa. A excelência da remasterização realizada por Ricardo Carvalheira, no Autorall Studio, devolveu a vida ao som dos discos - chapado nas duas reedições anteriores da obra de Gal na Philips, produzidas em 1993 (na precária série Colecionador) e em 2000. Da mesma forma, o tratamento gráfico -   já decente nos relançamentos de 2000 - resultou ainda mais cuidadoso, reproduzindo no encarte toda a arte visual dos LPs originais e as letras das músicas. Mérito do pesquisador musical Marcelo Fróes, produtor e idealizador dessa caixa que embala discos de uma fase divina, maravilhosa e plural da discografia da cantora. A pluralidade é atestada já no confronto do primeiro álbum de Gal - Domingo (1967), dividido com Caetano Veloso, arranjado por Dori Caymmi e moldado com devoção às lições do mestre João Gilberto - com o segundo, Gal Costa (1969)  gravado em 1968, no olho do furacão tropicalista, mas lançado somente no início do ano seguinte. Sob as leis da Tropicália, Gal Costa cruzou informações do iê-iê-iê da época com temas regionalistas (Sebastiana, sucesso de Jackson do Pandeiro, gravado em dueto com Gilberto Gil) em disco efervescente que lançou Não Identificado (Caetano Veloso) e incluiu antológicas gravações de Baby e Divino Maravilhoso.  Na sequência, ainda em 1969, a cantora mergulhou fundo na onda psicodélica da época com Gal (1969), álbum de espírito roqueiro que contou com as guitarras viajantes de Lanny Gordin, trouxe a gravação original de Meu Nome É Gal (presente de Roberto Carlos e Erasmo Carlos) e fez sucesso com País Tropical (em registro que uniu o canto juvenil de Gal às vozes de Caetano Veloso e Gilberto Gil, gravadas antes de eles serem forçados a se exilar em Londres). Diz a lenda que foi ouvindo gravações como a de Cinema Olympia que Elis Regina (1945 - 1982), então presa à MPB mais tradicional, deu a virada pop iniciada no álbum Em Pleno Verão... (1970). Sim, Gal era a tal em 1970 e - com Gil e Caetano exilados - seguiu carregando a bandeira da contracultura em Legal (1970), disco produzido por Manoel Barenbein com arranjos de base de Jards Macalé e Lanny Gordin. O repertório antenado de Legal destacou London London, dada por Caetano em Londres - numa das visitas de Gal aos amigos - e lançada antes em compacto. Embora menos psicodélico do que GalLegal manteve a cantora como a musa da contracultura. Posto sedimentado com Fa-Tal  - Gal a Todo Vapor (1971), o duplo disco ao vivo produzido por Paulo Lima sob a direção de Waly Salomão (1943 - 2003). É o disco em que Gal lança Luiz Melodia (Pérola Negra), eterniza Vapor Barato (Jards Macalé e Waly Salomão) e canta Novos Baianos (Dê um Rolê) antes da consagração do grupo com o álbum Acabou Chorare (1972). Em seguida, Índia (1973) - disco inspirado no show homônimo e gravado sob a direção musical de Gil - destacou a regravação da guarânia paraguaia (lançada no Brasil pela dupla Cascatinha e Inhana em 1952) que deu nome ao bom álbum. Reembalada em  monumental arranjo de cordas arquitetado pelo maestro Rogério Duprat (1932 - 2006), Índia ficaria desde então associada também ao nome de Gal, mas o sucesso do disco foi Presente Cotidiano, inédita ofertada por um grato Luiz Melodia. Índia, o álbum, ainda reverbera ecos tropicalistas, mas foi trabalho de transição que  aprontou o  terreno para a modernidade atemporal de Cantar (1974), disco produzido por Caetano Veloso e Perinho Albuquerque. Urdido fora da estética tropicalista, Cantar aproxima a artista de João Donato, com quem Gal gravou A Rã, Flor de Maracujá, Até Quem Sabe e a menos conhecida Chululu. Caetano contribuiu para o repertório com músicas então inéditas como Lua, Lua, Lua, Lua. Mas veio da lavra de Gil o tema, Barato Total, que daria projeção ao disco e ficaria eternamente associado ao canto de Gal. Na sequência, no embalo do estouro de sua gravação de Modinha para Gabriela, veiculada em 1975 na abertura da novela Gabriela, a cantora dedicou disco ao repertório de Dorival Caymmi (1914 - 2008) quando o mercado ainda não estava habituado com songbooks do gênero. Gal Canta Caymmi (1976) - encaixotado em Gal Total sem a capa e o encarte originais por questões jurídicas - resiste bem ao tempo por conta dos arranjos de João Donato e Perinho Albuquerque, que embalaram o cancioneiro de Caymmi com respeito à obra, porém sem excessiva devoção à sonoridade clássica da música do mestre. Em seguida, sempre plural, Gal voltou no tempo e reavivou sua alma roqueira num show, Com a Boca no Mundo (1977), que originou o álbum Caras & Bocas, ainda hoje injustiçado. O hit imediato foi Tigresa (Caetano Veloso), mas, com o tempo, Negro Amor (versão de Caetano e Péricles Cavalcanti para um tema de Bob Dylan, It's All Over Now, Baby Blue) se tornaria cult como este disco em que a cantora lançou Marina Lima (Meu Doce Amor). Na sequência, Gal abandonou a pegada roqueira e fez um disco enraizado no mainstream da MPB. Água Viva (1978) juntou pela primeira vez o canto cristalino de Gal a uma música de Chico Buarque, Folhetim,  hit radiofônico do LP em que a cantora gravou a primeira parceria de Milton Nascimento com Caetano Veloso (Paula e Bebeto) e reviveu um sucesso de Dalva de Oliveira (1917 - 1972), Olhos Verdes (Vicente Paiva). Estava preparado o terreno para a construção da fase tropical. Gal Tropical (1979), o disco, foi o registro de estúdio do show homônimo que deu a Gal o sucesso comercial que seus discos da fase tropicalista, a rigor, nunca tinham lhe dado. Balancê - marchinha de Braguinha (1907 - 2006) lançada em 1937 por Carmen Miranda (1909 - 1955) sem repercussão - foi o grande estouro de um disco que alinhava no repertório regravações de Força Estranha, Noites Cariocas, Estrada do Sol, Índia, Juventude Transviada e Meu Nome É Gal. Como o sucesso de Gal Tropical se estendeu ao longo de 1980, gravar um songbook de Ary Barroso (1903 - 1964), Aquarela do Brasil (1980), foi a saída encontrada por Gal para cumprir a obrigação contratual do disco anual e ganhar tempo para juntar o repertório de Fantasia (1981), lançado antes em show malhado pela crítica. Apesar de seguir a fórmula tropical do trabalho anterior e de já recorrer aos sons sintetizados que dariam o tom dos discos de MPB feitos nos anos 80, Fantasia continua sendo um dos melhores álbuns de Gal pela qualidade do repertório que destacou Festa do Interior (o frevo-quadrilha de Moraes Moreira e Abel Silva, sucesso radiofônico), Meu Bem, Meu Mal (canção de Caetano Veloso), Roda Baiana (samba de Ivan Lins e Vítor Martins, compositores até então nunca gravados por Gal), Canta Brasil (antigo samba-exaltação David Nasser e Alcyr Pires Vermelho) e O Amor (Caetano Veloso e Ney Costa Santos sob poema de Vladimir Maiakovski) - sem falar nas duas pérolas de Djavan, Açaí e Faltando um Pedaço, gravadas por Gal de forma definitiva. Mas o fato é que a receita tropical já não soou tão saborosa no posterior Minha Voz (1982), apesar do sucesso do frevo Bloco do Prazer (Moraes Moreira e Fausto Nilo) e da canção Azul (de Djavan, compositor recorrente na discografia de Gal nos anos 80). Já pausterizado, Baby Gal (1983) fechou melancolicamente a passagem de Gal pela Philips. Guiada pela luz de seu cristal e pelo conceito de seus produtores (Caetano Veloso, Manoel Berenbeim,Waly Salomão, Gilberto Gil, Perinho Albuquerque, Roberto Menescal e Guilherme Araújo, hábil empresário que interferiu decisivamente na produção dos discos da fase tropical), Gal Costa foi divina e maravilhosamente plural em seu auge na Philips.