segunda-feira, 11 de outubro de 2010

'Astronauta Libertado' perfila erê Tom Zé preso à receita de documentário

Resenha de documentário musical
Título: Tom Zé - Astronauta Libertado
Direção e roteiro: Igor Iglesias González
Cotação: * * * 1/2

Quatro anos após o pré-lançamento de Fabricando Tom Zé, documentário de Decio Matos Jr. que começou a ser exibido em 2006 no circuito de festivais, um outro filme sobre o lendário artista tropicalista chamou a atenção na programação de 2010 do Festival do Rio. Produção espanhola finalizada em 2009, Tom Zé - Astronauta Libertado (re)põe em foco a música e a ideologia do artista a partir de uma oficina de Experimentação Musical ministrada por Tom Zé em Astúrias, na Espanha, em 2007. Dirigido e roteirizado por Igor Iglesias González, o documentário espanhol perfila bem o artista brasileiro através de entrevistas com o próprio Tom Zé, de depoimentos (como o de Rita Lee, parceira das primeiras viagens tropicalistas) e de imagens de arquivo (como trechos das entrevistas concedidas por Zé em 1972 e 1978 aos programas MPB Especial e Música e Músicos, da TV Cultura). A rigor, Astronauta Libertado fabrica na tela a imagem que já se tem do artista que pisou no palco pela primeira vez em 1960 para defender - em programa da TV baiana intitulado Escada para o Sucesso - uma música abusadamente batizada Rampa para o Fracasso. Contudo, dá algumas pistas valiosas sobre o caráter do artista. "A única coisa pela qual ele se interessa no mundo é música e trabalho", ressalta Neusa Teixeira, mulher, empresária e cúmplice das brincadeiras dessa eterna criança de 74 anos que ainda se assusta sempre que começa a (re)ler Dom Quixote de la Mancha, o clássico livro de Miguel de Cervantes (1547 - 1616). "Ele é um erê", caracteriza a fiel Neusa Teixeira, em alusão aos espíritos infantis e brincalhões que baixam nos terreiros do Candomblé. "Tom Zé é uma criança", corrobora Rita Lee, parceira do Quixote tropicalista na moda de viola 2001, de cuja letra foi extraído o (feliz) título Astronauta Libertado. "Ele anda na beira do abismo e ainda faz piruetas, mas não cai porque ele de outro planeta...", metaforiza Rita. Entre novas e velhas imagens, o diretor perfila Tom Zé com doses regulares de informações biográficas sobre esse baiano que chegou a São Paulo em 1968 para gravar um disco e que lançou em 1976  álbum que se tornaria clássico e fundamental na sua trajetória - até porque foi através de Estudando o Samba, o tal álbum, que David Byrne descobriu Zé e o fez ser (re)descoberto no Brasil após amargo período de ostracismo que teria feito o artista abortar a carreira e regressar para sua cidade natal, a interiorana Irará (BA), se Byrne não tivesse conseguido contatá-lo em São Paulo (SP) dias antes da partida. "Dentro da Tropicália, Tom Zé foi uma bomba de efeito retardado", entende José Miguel Wisnik. "Ele trabalha no limite do que a gente chama de imperfeição", teoriza Luiz Tatit, dando a pista para que o espectador entenda o efeito habitualmente retardado da música de Tom Zé na cena brasileira. Embora no todo interessante, Astronauta Libertado nem sempre documenta Tom Zé com o rigor esperado de um filme do gênero. Ao expor na tela as capas dos álbuns do artista, o diretor e roteirista esquece Se o Caso É Chorar (Continental, 1972). Tal omissão não chega a esmaecer Astronauta Libertado, filme preso à fórmula básica do documentário (entrevista com o artista enfocado + depoimentos de amigos, familiares e admiradores +  imagens de arquivo), mas, ainda assim, essencial para quem não viu Fabricando Tom Zé e para quem não conhece a vida, a obra e a ideologia desse quixotesco erê de alma (eternamente) tropicalista.

Um comentário:

  1. Quatro anos após o pré-lançamento de Fabricando Tom Zé, documentário de Decio Matos Jr. que começou a ser exibido em 2006 no circuito de festivais, um outro filme sobre o lendário artista tropicalista chamou a atenção na programação de 2010 do Festival do Rio. Produção espanhola finalizada em 2009, Tom Zé - Astronauta Libertado (re)põe em foco a música e a ideologia do artista a partir de uma oficina de Experimentação Musical ministrada por Tom Zé em Astúrias, na Espanha, em 2007. Dirigido e roteirizado por Igor Iglesias González, o documentário espanhol perfila bem o artista brasileiro através de entrevistas com o próprio Tom Zé, de depoimentos (como o de Rita Lee, parceira das primeiras viagens tropicalistas) e de imagens de arquivo (como trechos das entrevistas concedidas por Zé em 1972 e 1978 aos programas MPB Especial e Música e Músicos, da TV Cultura). A rigor, Astronauta Libertado fabrica na tela a imagem que já se tem do artista que pisou no palco pela primeira vez em 1960 para defender - em programa da TV baiana intitulado Escada para o Sucesso - uma música abusadamente batizada Rampa para o Fracasso. Contudo, dá algumas pistas valiosas sobre o caráter do artista. "A única coisa pela qual ele se interessa no mundo é música e trabalho", ressalta Neusa Teixeira, mulher, empresária e cúmplice das brincadeiras dessa eterna criança de 74 anos que ainda se assusta sempre que começa a (re)ler Dom Quixote de la Mancha, o clássico livro de Miguel de Cervantes (1547 - 1616). "Ele é um erê", caracteriza a fiel Neusa Teixeira, em alusão aos espíritos infantis e brincalhões que baixam nos terreiros do Candomblé. "Tom Zé é uma criança", corrobora Rita Lee, parceira do Quixote tropicalista na moda de viola 2001, de cuja letra foi extraído o (feliz) título Astronauta Libertado. "Ele anda na beira do abismo e ainda faz piruetas, mas não cai porque ele de outro planeta...", metaforiza Rita. Entre novas e velhas imagens, o diretor perfila Tom Zé com doses regulares de informações biográficas sobre esse baiano que chegou a São Paulo em 1968 para gravar um disco e que lançou em 1976 álbum que se tornaria clássico e fundamental na sua trajetória - até porque foi através de Estudando o Samba, o tal álbum, que David Byrne descobriu Zé e o fez ser (re)descoberto no Brasil após amargo período de ostracismo que teria feito o artista abortar a carreira e regressar para sua cidade natal, a interiorana Irará (BA), se Byrne não tivesse conseguido contatá-lo em São Paulo (SP) dias antes da partida. "Dentro da Tropicália, Tom Zé foi uma bomba de efeito retardado", entende José Miguel Wisnik. "Ele trabalha no limite do que a gente chama de imperfeição", teoriza Luiz Tatit, dando a pista para que o espectador entenda o efeito habitualmente retardado da música de Tom Zé na cena brasileira. Embora no todo interessante, Astronauta Libertado nem sempre documenta Tom Zé com o rigor esperado de um filme do gênero. Ao expor na tela as capas dos álbuns do artista, o diretor e roteirista esquece Se o Caso É Chorar (Continental, 1972). Tal omissão não chega a esmaecer Astronauta Libertado, filme preso à fórmula básica do documentário (entrevista com o artista enfocado + depoimentos de amigos, familiares e admiradores + imagens de arquivo), mas, ainda assim, essencial para quem não viu Fabricando Tom Zé e para quem não conhece a vida, a obra e a ideologia desse quixotesco erê de alma (eternamente) tropicalista.

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