Resenha de CD e DVD
Título: Marco Zero - Ao vivo
Artista: Elba Ramalho
Gravadora: Biscoito Fino
Cotação: * * * (CD) e * * * 1/2 (DVD)
♪ A paraibana Elba Ramalho é leoa do Norte. Com bravura, a cantriz impôs seu canto forte, torto e agreste ao Brasil em rota migratória que começou com sua vinda para o Rio de Janeiro (RJ) em 1974, passou pela participação na montagem original da Ópera do malandro em 1978 e atingiu ponto de relevância em 1979 com a gravação e edição de seu primeiro álbum, Ave de prata (CBS). É no lançamento deste disco de alma nordestina que Elba estabelece o marco zero de sua carreira fonográfica, que completou 30 anos em 2009. A festa comemorativa dessas três décadas foi feita com atraso em 12 de março de 2010, quando Elba subiu ao palco armado no Marco Zero para apresentar espetáculo produzido em menos de um mês. O Marco Zero é um local emblemático do Centro Histórico de Recife (PE), cidade que sempre acolheu muito bem os discos e os shows da cantora vizinha, além de ter lhe dado apoio institucional para viabilizar o registro dessa festa dos 30 anos que, a rigor, já são 31. A gravação do show originou o CD e DVD Marco Zero - Ao vivo, postos nas lojas pela gravadora Biscoito Fino entre outubro (o CD) e novembro (o DVD). Por não ser duplo, o CD dá ao ouvinte vaga ideia do que foi o show, apresentando 14 dos 24 números fora da ordem original do roteiro. Já o DVD é retrato fiel do resistente canto de Elba e, apesar de não ter tom exatamente retrospectivo, enfileira alguns sucessos que marcaram época na voz (hoje menos potente e mais trabalhada) da cantora ao longo desses 31 anos. E Elba faz sua festa com a presença de convidados que, acima de tudo, são amigos colecionados nessa trajetória guerreira. Com Geraldo Azevedo, Elba revive com afeto Canta coração - música de Geraldo que abriu o LP Ave de prata e que tinha sido praticamente esquecida pela intérprete nos últimos 20 anos - e a sempre bela Chorando e cantando, parceria de Geraldo com Fausto Nilo gravada por Elba em Remexer (PolyGram, 1986), um de seus álbuns mais ousados (infelizmente fora de catálogo há anos). Com Zé Ramalho, com quem Elba não dividia o palco há seis anos, o reencontro acontece na já batida Chão de giz (Zé Ramalho, 1978) - canção já registrada em disco de forma mais sedutora por Elba - e em Admirável gado novo (Zé Ramalho, 1979). Este aboio épico lançado por Zé em 1979 já tinha sido cantado por Elba em shows, mas nunca havia sido gravado pela Leoa. Infelizmente, o dueto com Zé na música ganha inadequado tom (quase) festivo que contrasta com a natureza dos versos desoladores. Com Lenine, compositor que Elba avalizou anos antes de o artista pernambucano cair nas graças da crítica musical, o dueto expansivo é em Queixa, música de Caetano Veloso (de 1982) que não chega a soar como "uma coisa diferente", como Elba a anuncia em cena, pelo fato de Maria Bethânia já ter revivido a mesma canção, em registro introspectivo, no roteiro de Amor festa devoção, show estreado em outubro de 2009 (Queixa, como tem revelado Elba em entrevistas, entrou no roteiro por sugestão de Lenine). A única real surpresa do roteiro é o maracatu Recife Nagô (J. Michiles), cantado por Elba com Chico César. Escorado na força dos tambores, o número soa mais animado do que o Forró na gafieira (Rosil Cavalcanti, 1959), dividido por Elba com Alcione, convidada também de uma abordagem de O meu amor (Chico Buarque, 1978) que se ressente da ausência de atmosfera teatral que valorizasse o tema, cantado originalmente por Elba em dueto com a atriz Marieta Severo na Ópera do malandro (1978). Entre incursões pelo repertório de Alceu Valença (Anunciação e Tropicana, músicas de 1983 e 1982, respectivamente), Elba recebe a cantora pernambucana Cristina Amaral no Forró do Xenhenhem (Cecéu, 1985) - fecho de medley forrozeiro iniciado com Plic Plac, de João Silva, e desenvolvido com Forró pesado (Assisão e Lindolfo Barbosa, 1975), sucesso do Trio Nordestino - anuncia o cantor paraibano Flávio José na já desgastada Espumas ao vento (Accioly Neto, 1997), direciona os holofotes para o sanfoneiro Cezinha (cuja voz lembra a de Dominguinhos na balada É só você querer) e faz dueto com André Rio no frevo Chuva de Sombrinhas, parceria de André com Nega Queiroga. Entre tantos convidados, Elba põe no ritmo do xote a canção Gostoso demais (Dominguinhos e Nando Cordel, 1986), pede que a multidão estimada em 200 mil pessoas cante a toada De volta pro aconchego (outra joia romântica de Dominguinhos com Nando Cordel, lançada por Elba em 1985) - sendo prontamente atendida pelo público - e voa em rota mais baixa com Pavão mysteriozo (Ednardo, 1974) sem os tons operísticos e a imponência impactante com que abordava a música de Ednardo no show Leão do norte (1996), um dos melhores espetáculos da artista. Mas tudo é festa para a leoa Elba no palco do Marco Zero, no centro histórico do Recife (PE). Guerreira, ela comunga com seus fãs em músicas como Veja Margarida (Vital Farias, 1975), já certa de que venceu a batalha para projetar sua voz e seu Nordeste na cena brasileira. Bravo!!!!