Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Com humor e Carlos Moscardini, Vitor valoriza suas 'ramilongas' em cena

Resenha de Show
Título: Délibáb
Artista: Vitor Ramil (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Solar de Botafogo (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 9 de novembro de 2010
Cotação: * * * *
Show em cartaz no Solar de Botafogo (RJ) até 10 de novembro de 2010

Uma das mais perfeitas traduções musicais do universo gaúcho, Vitor Ramil expõe em cena sua fidelidade à estética do frio no show Délibáb, em cartaz no Solar de Botafogo, no Rio de Janeiro (RJ), até esta quarta-feira, 10 de novembro de 2010. Na companhia do violonista argentino Carlos Moscardini, Ramil apresenta as 13 milongas que compôs a partir de versos do argentino Jorge Luis Borges (1899 - 1986) e do gaúcho João da Cunha Vargas (1900 - 1980). Gravadas no disco Délibáb, lançado em 2009, as ramilongas são temperadas em cena pelo humor de Vitor, fino como a poesia contida nesses temas de tom ora áspero (como Mango), ora afetuoso (caso da Milonga de los Morenos, um afago de Borges nos negros da Argentina). Tocadas com as cordas de aço dos dois violões alternados por Vitor no show, aos quais se junta ao criollo vioão de nylon de Moscardini, as ramilongas montam belo painel das ideologias e costumes do Sul ao serem enfileiradas no roteiro, em especial as compostas a partir dos versos de Vargas. Curiosa e coincidentemente, Ramil se revela mais inspirado melodicamente ao musicar os versos de Vargas. Tapera, Pé de Espora, Pingo à Soga (único número em que Ramil fica à sós em cena), Querência e, sobretudo, Deixando o Pago (com um toque de toada sertaneja) são os destaques entre as 13 milongas - impressão deixada pelo disco e reiterada no show. De igual forma, a linearidade do CD não se dilui de todo em cena, ainda que os diálogos bem-humorados entre Ramil e Moscardini deem ao show um tom mais descontraído. Com bom domínio do espanhol, idioma de números como a Milonga de los Hermanos (que narra em tom cinematográfico a saga épica de dois irmãos que acabaram se trucidando, como Caim e Abel, citados na letra) e da Milonga para los Orientales (tema que Ramil arrisca registro vocal mais intenso), o compositor reafirma sua total intimidade com repertório que expõe imaginário mítico do Sul - ou uma "ilusão do Sul", como o artista diz em cena. No bis, o artista - que aos 19 anos musicou pela primeira vez um poema de Borges, Milonga de Manuel Flores, incluída no CD e show Délibáb - sai do universo desses dois poetas escritores ao reviver a melancólica Ramilonga (feita por Vitor quando migrou do Sul para o Rio de Janeiro nos anos 80), Noite de São João (composta a partir de versos do poeta português Fernando Pessoa) e Semeadura (música gravada por Mercedes Sosa com o título de Siembra). Enfim, Délibáb, o show, reitera a fidelidade de Vitor Ramil - gaúcho de fina estampa - ao seu universo particular, ainda longe demais das capitais, mas perto do já lendário Sul habitado no imaginário afetivo do brasileiro.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

Uma das mais perfeitas traduções musicais do universo gaúcho, Vitor Ramil expõe em cena sua fidelidade à estética do frio no show Délibáb, em cartaz no Solar de Botafogo, no Rio de Janeiro (RJ), até esta quarta-feira, 10 de novembro de 2010. Na companhia do violonista argentino Carlos Moscardini, Ramil apresenta as 13 milongas que compôs a partir de versos do argentino Jorge Luis Borges (1899 - 1986) e do gaúcho João da Cunha Vargas (1900 - 1980). Gravadas no disco Délibáb, lançado em 2009, as ramilongas são temperadas em cena pelo humor de Vitor, fino como a poesia contida nesses temas de tom ora áspero (como Mango), ora afetuoso (caso da Milonga de los Morenos, um afago de Borges nos negros da Argentina). Tocadas com as cordas de aço dos dois violões alternados por Vitor no show, aos quais se junta ao criollo vioão de nylon de Moscardini, as ramilongas montam belo painel das ideologias e costumes do Sul ao serem enfileiradas no roteiro, em especial as compostas a partir dos versos de Vargas. Curiosa e coincidentemente, Ramil se revela mais inspirado melodicamente ao musicar os versos de Vargas. Tapera, Pé de Espora, Pingo à Soga (único número em que Ramil fica à sós em cena), Querência e, sobretudo, Deixando o Pago (com um toque de toada sertaneja) são os destaques entre as 13 milongas - impressão deixada pelo disco e reiterada no show. De igual forma, a linearidade do CD não se dilui de todo em cena, ainda que os diálogos bem-humorados entre Ramil e Moscardini deem ao show um tom mais descontraído. Com bom domínio do espanhol, idioma de números como a Milonga de los Hermanos (que narra em tom cinematográfico a saga épica de dois irmãos que acabaram se trucidando, como Caim e Abel, citados na letra) e da Milonga para los Orientales (tema que Ramil arrisca registro vocal mais intenso), o compositor reafirma sua total intimidade com repertório que expõe imaginário mítico do Sul - ou uma "ilusão do Sul", como o artista diz em cena. No bis, o artista - que aos 19 anos musicou pela primeira vez um poema de Borges, Milonga de Manuel Flores, incluída no CD e show Délibáb - sai do universo desses dois poetas escritores ao reviver a melancólica Ramilonga (feita por Vitor quando migrou do Sul para o Rio de Janeiro nos anos 80), Noite de São João (composta a partir de versos do poeta português Fernando Pessoa) e Semeadura (música gravada por Mercedes Sosa com o título de Siembra). Enfim, Délibáb, o show, reitera a fidelidade de Vitor Ramil - gaúcho de fina estampa - ao seu universo particular, ainda longe demais das capitais, mas perto do já lendário Sul habitado no imaginário afetivo do brasileiro.