Mauro Ferreira no G1

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segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Reedições evidenciam os (des)caminhos de Elza Soares nos anos 1970 e 1980

Resenha de reedições de álbuns
Títulos: Elza Soares (1974), Nos braços do samba (1975), Lição de vida (1976),
              Pilão + raça = Elza (1977), Somos todos iguais (1985) e Voltei (1988)
Artista: Elza Soares
Gravadora: Discobertas
Cotações: Elza Soares (* * * 1/2), Nos braços do samba (* * *), Lição de vida (* * 1/2),
                 Pilão + raça = Elza (* *), Somos todos iguais (* * *) e Voltei (* * * *)

 Após passar 14 gloriosos anos na gravadora Odeon, entre 1959 e 1973, Elza Soares se desligou da companhia onde viveu o auge artístico e comercial, assinando com a Tapecar, gravadora nacional fundada pelo espanhol Manuel Camero, o Manolo, naquele início da década de 1970. Começou aí a fase mais irregular da discografia da cantora - irregularidade que, a rigor, perdura até hoje e que é evidenciada pelas reedições de seis álbuns gravados e lançados pela cantora entre 1974 e 1988. Vendidas separadamente, as seis criteriosas reedições foram produzidas pelo pesquisador musical Marcelo Fróes para o selo Discobertas. Dos seis títulos, apenas um - Somos todos iguais (Som Livre, 1985) - nunca tinha sido relançado no formato de CD. Os demais tinham sido embalados na caixa Negra (EMI Music, 2003) no econômico formato dois em um. Por conta da  recuperação da arte gráfica dos álbuns originais e das (raras) faixas-bônus, as atuais reedições são indicadas para quem já comprou a caixa editada há sete anos. Dos quatro títulos da Tapecar, Elza Soares (1974) é o que apresenta melhor resultado artístico pela boa qualidade (de parte) do repertório. Com arranjos de Ed Lincoln, a cantora pôs voz em sambas como Bom dia, Portela (David Correa e Bebeto de São João), Pranto livre (Dida e Everaldo da Viola) e Meia noite já é dia (Norival Reis e David Correa), além de ter revivido com personalidade Quem há de dizer, parceria do compositor gaúcho Alcides Gonçalves (1908 - 1987) com o conterrâneo Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974), compositor cujo samba Se acaso você chegasse (de 1938) abriu para Elza as portas da indústria fonográfica, mais especificamente as da gravadora Odeon, em 1959. Detalhe: o visual afro-baiano da capa do álbum Elza Soares já era influência da imagem adotada por Clara Nunes (1942 - 1983), cantora que, já transmutada em (excelente) sambista, atraía todas as atenções da Odeon naquele ano de 1974. Não por acaso, dois compositores recorrentes no repertório de Clara, Romildo e Toninho, acabaram fornecendo repertório para o segundo álbum gravado por Elza na Tapecar, Nos braços do samba (1975). É da lavra da dupla Primeiro eu, destaque de um repertório já bastante irregular, valorizado pela produção e pelos arranjos de Ed Lincoln. Na sequência, Lição de vida (1976) confirmou a progressiva queda na qualidade do repertório de Elza, apesar de ser o álbum que inclui as gravações originais de Malandro (Jorge Aragão e Jotabê) - samba que se tornaria emblemático na trajetória da artista - e de Samba, minha raiz (Ivone Lara e Délcio Carvalho). Entre temas de inspiração afro (Cipriano e Rainha dos sete mares), ecos do estilo de Clara, Elza patinou em sambas de segunda e terceira categorias. Situação que ficaria ainda pior no último fraco álbum da cantora na Tapecar, Pilão + raça = Elza (1977). Nem os arranjos do pianista Gilson Peranzzetta salvaram repertório pontuado por músicas ruins de Gerson Alves, produtor do disco e então marido de Elza, que cantou de forma mais convencional nos quatro álbuns feitos pela Tapecar, sem jamais mostrar o suingue da fase áurea na Odeon. Tanto que, após dois obscuros LPs feitos para a CBS em 1979 e 1980, Elza Soares amargou cinco anos sem gravar um álbum. Até retornar pela Som Livre com Somos todos iguais (1985), álbum mais arejado em que a produção de Pedrinho da Luz e Glaucus Xavier (autor dos arranjos) não valorizou bom repertório que combinou música de Cazuza (Milagres, parceria com Denise Barroso e Frejat), dueto com Caetano Veloso (em versão em português de Augusto de Campos para Sophisticated lady, tema de Duke Ellington) e sambas de Jorge Aragão, Sombrinha, Noca e Martinho da Vila. Detalhe: a faixa-título, Somos todos iguais, é de Elza, compositora bissexta. Por fim, Voltei (1988), editado originalmente pela já extinta gravadora RGE, é álbum que flagrou Elza à vontade entre a turma de compositores do Cacique de Ramos, projetada no boom de pagode de 1985 e 1986. Voltei é ótimo disco que - se tivesse sido escutado com a devida atenção na época - teria (re)posto Elza Soares no trilho da regularidade.

5 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Após passar 14 gloriosos anos na gravadora Odeon, entre 1959 e 1973, Elza Soares se desligou da companhia onde viveu seu auge artístico e comercial, assinando com a Tapecar, gravadora nacional fundada pelo espanhol Manuel Camero, o Manolo, naquele início da década de 70. Começou aí a fase mais irregular da discografia da cantora - irregularidade que, a rigor, perdura até hoje e que é evidenciada pelas reedições de seis álbuns gravados e lançados pela cantora entre 1974 e 1988. Vendidas separadamente, as seis criteriosas reedições foram produzidas pelo pesquisador musical Marcelo Fróes para seu selo Discobertas. Dos seis títulos, apenas um - Somos Todos Iguais (Som Livre, 1985) - nunca tinha sido relançado no formato de CD. Os demais tinham sido embalados na caixa Negra no econômico formato dois em um. Por conta da recuperação da arte gráfica dos álbuns originais e das (raras) faixas-bônus, as atuais reedições são indicadas para quem já comprou a caixa editada pela EMI Music em 2003.



Dos quatro títulos da Tapecar, Elza Soares (1974) é o que apresenta melhor resultado artístico pela boa qualidade (de parte) do repertório. Com arranjos de Ed Lincoln, a cantora pôs voz em sambas como Bom Dia, Portela (David Correa e Bebeto de São João, Pranto Livre (Dida e Everaldo da Viola) e Meia Noite Já É Dia (Norival Reis e David Correa), além de ter revivido com personalidade Quem Há de Dizer, parceria de Alcides Gonçalves com o compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974), cujo samba Se Acaso Você Chegasse abriu para Elza as portas da indústria fonográfica, mais especificamente as gravadora Odeon, em 1959. Detalhe: o visual afro-baiano da capa do álbum Elza Soares já era influência da imagem adotada por Clara Nunes (1942 - 1983), a cantora que, já transmutada em (excelente) sambista, atraía todas as atenções da Odeon naquele ano de 1974. Não por acaso, dois compositores recorrentes no repertório de Clara, Romildo e Toninho, acabam fornecendo repertório para o segundo disco gravado por Elza na Tapecar, Nos Braços do Samba (1975). É da lavra da dupla Primeiro Eu, destaque de um repertório já bastante irregular, valorizado pela produção e pelos arranjos de Ed Lincoln. Na sequência, Lição de Vida (1976) confirmou a progressiva queda na qualidade do repertório de Elza, apesar de ser o álbum que inclui as gravações originais de Malandro (Jorge Aragão e Jotabê) - samba que se tornaria emblemático na trajetória da artista - e de Samba, Minha Raiz (Ivone Lara e Délcio Carvalho). Entre temas de inspiração afro (Cipriano e Rainha dos Sete Mares), ecos do estilo de Clara, Elza patinou em sambas de segunda e terceira categorias. Situação que ficaria ainda pior no último fraco álbum da cantora na Tapecar, Pilão + Raça = Elza (1977). Nem os arranjos do pianista Gilson Peranzzetta salvam repertório pontuado por músicas ruins de Gerson Alves, produtor do disco e então marido de Elza, que cantou de forma mais convencional nos quatro álbuns feitos pela Tapecar, sem jamais mostrar o suingue de sua fase áurea na Odeon. Tanto que, após dois obscuros LPs feitos para a CBS em 1979 e 1980, Elza Soares amargou cinco anos sem gravar um álbum. Até retornar pela Som Livre com Somos Todos Iguais (1985), álbum mais arejado em que a produção de Pedrinho da Luz e Glaucus Xavier (autor dos arranjos) não valoriza bom repertório que combina música de Cazuza (Milagres, parceria com Denise Barroso e Frejat), dueto com Caetano Veloso (em versão em português de Augusto de Campos para Sophisticated Lady, tema de Duke Ellington) e sambas de Jorge Aragão, Sombrinha, Noca e Martinho da Vila. Detalhe: a faixa-título, Somos Todos Iguais, é de Elza, compositora bissexta. Por fim, Voltei (1988), editado originalmente pela RGE, flagra Elza à vontade entre a turma de compositores do Cacique de Ramos, projetada no boom de pagode de 1985 e 1986. Voltei é ótimo disco que - tivesse sido ouvido com atenção na época - teria (re)posto Elza no trilho da regularidade

lauro disse...

Penso que Somos Todos Iguais vale sobretudo pela grande versão de Milagres (uma verdadeira recriação, com excelente arranjo) e por Sophisticated Lady (em versão, por exemplo, muito superior àquela que Gal Costa faria anos depois). Na época, esse disco reapresentou Elza para um público mais jovem...

Gill Sampaio Ominirò disse...

Conhecia pouco Elza até comprar "Do Cóccix até o Pescoço". Um dos melhores discos que já ouvi. Daí me tornei admirador, não somente dos seus discos, mas muito dos seus shows. Elza é estonteante, uma voz deliciosa, experimental, algo de jazz à brasileira muito bom. Eu a conheci mesmo com "Língua" com Caetano. Elza é daquelas cantoras injustiçadas pela mídia, pelo povo, pela crítica, por deus e por ela mesma com seus problemas pessoais interferindo em sua música. Elza é uma grande cantora, com uma vitalidade rara.

Unknown disse...

Mauro, essa versão de "Milagres" do LP é só com o vocal da Elza, certo? E a versão que tem o Cazuza como no clipe, será que não sai em bonus ou até então em outro produto, uma vez que o dueto é inédito em CD?

Mauro Ferreira disse...

Sim, Leonardo, 'Milagres' traz somente a voz de Elza. Abs, MauroF