Resenha de CD
Título: A Dama Indigna
Artista: Cida Moreira
Gravadora: Joia Moderna / Tratore
Cotação: * * * * *
"Rio e também posso chorar... Cantar nunca foi só de alegria", dispara Cida Moreira ao salpicar versos de Hotel das Estrelas (Jards Macalé e Duda, 1971) e Palavras (Gonzaguinha, 1973), músicas linkadas na primeira das 12 faixas de seu nono álbum, A Dama Indigna, registro de estúdio do show de voz e piano que vem sendo apresentado em São Paulo desde 2010. Produzido pela própria Cida com Thiago Marques Luiz, o CD reconecta a intérprete ao teatro denso de sua discografia, iniciada há 30 anos com o lançamento independente de Summertime (1981). Nesses 30 anos, Cida manteve a dignidade, a coerência e a personalidade sem sair da margem do mercado fonográfico. Todos seus oito discos anteriores exalaram essa dignidade. Contudo, os últimos - Na Trilha do Cinema (1997), Uma Canção pelo Ar... (2003) e Angenor (2008), sensível tributo ao compositor carioca Cartola (1908 - 1980) - distanciaram a artista da atmosfera esfumaçada de seus trabalhos iniciais. Em A Dama Indigna, o maior destaque do lote inicial de lançamentos da gravadora Joia Moderna, aberta pelo DJ Zé Pedro para dar voz a cantoras, Cida adentra novamente o cabaré em que já se jogou sem rede no mar do cancioneiro de Bertolt Brecht (1898 - 1956) em disco irretocável de 1987 que permanece esquecido no baú da Warner Music. A voz operística já perdeu naturalmente um pouco de potência com o passar desses 30 anos, mas continua precisa e cortante. Poucas intérpretes conseguiriam destilar todas as mágoas, ódios e ressentimentos contidos em Uma Canção Desnaturada (Chico Buarque, 1978) sem precisar elevar os tons. Cida consegue ao dar ao tema registro mais interiorizado que se situa em fina sintonia com a interpretação igualmente íntima de O Ciúme (Caetano Veloso, 1987). Não há firulas nos 33 minutos e 47 segundos em que A Dama Indigna permanece em cena. Intensa em sua teatralidade, Cida toma para si as dores de amores expiadas por Amy Winehouse em Back to Black (Amy Winehouse e Mark Ronson, 2006) e por Roberto Carlos (Maior que o meu Amor, bela canção pueril de Renato Barros que o Rei lançou em 1970 e que Cida adensa sem transfigurar o tema). Hábil pescadora de pérolas, a cantora também tira do baú a desbocada Sou Assim, música da trilha sonora da peça Botequim (1973), assinada por Toquinho com o ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri (1934 - 2006) - cujo nome, devidamente creditado na contracapa, é omitido no desatento encarte que também inverte a ordem das faixas O Ciúme e Youkali-Tango (Roger Ferney e Kurt Weill). Embebida em natural teatralidade, Sou Assim se ajusta com com perfeição ao canto da atriz. Sim, antes de se transformar em cantora, Cida foi atriz. Por ser atriz, ela entende o texto de cada canção. Por ser do time das grandes intérpretes, ela vai além, explorando tons e nuances então ocultas nessas canções. E costura tudo em roteiro que tem o sentido teatral. É por isso que A Dama Indigna irmana Soul Love (David Bowie, 1972), Summertime (DuBose Heyward, George Gershwin & Ira Gershwin, 1935), Mãe (Caetano Veloso, 1978, com a dose exata de melancolia) e The Man I Love (George Gershwin & Ira Gershwin, 1924) sem que esse sentido se perca em momento algum. Com seu piano autosuficiente e sua voz marginal que vai da ternura à loucura em diapasão pautado por essa sua salutar teatralidade, Cida Moreira escala novamente o topo com insana dignidade - ora risonha, ora chorona, certa de que cantar nunca foi só de alegria. Uma dama!
"Rio e também posso chorar... Cantar nunca foi só de alegria", dispara Cida Moreira ao salpicar versos de Hotel das Estrelas (Jards Macalé e Duda, 1971) e Palavras (Gonzaguinha, 1973), músicas linkadas na primeira das 12 faixas de seu nono álbum, A Dama Indigna, registro de estúdio do show de voz e piano que vem sendo apresentado em São Paulo desde 2010. Produzido pela própria Cida com Thiago Marques Luiz, o CD reconecta a intérprete ao teatro denso de sua discografia, iniciada há 30 anos com o lançamento independente de Summertime (1981). Nesses 30 anos, Cida manteve a dignidade, a coerência e a personalidade sem sair da margem do mercado fonográfico. Todos seus oito discos anteriores exalaram essa dignidade. Contudo, os últimos - Na Trilha do Cinema (1997), Uma Canção pelo Ar... (2003) e Angenor (2008), sensível tributo ao compositor carioca Cartola (1908 - 1980) - distanciaram a artista da atmosfera esfumaçada de seus trabalhos iniciais. Em A Dama Indigna, o maior destaque do lote inicial de lançamentos da gravadora Joia Moderna, aberta pelo DJ Zé Pedro para dar voz a cantoras, Cida adentra novamente o cabaré em que já se jogou sem rede no mar do cancioneiro de Bertolt Brecht (1898 - 1956) em disco irretocável de 1987 que permanece esquecido no baú da Warner Music. A voz operística já perdeu naturalmente um pouco de potência com o passar desses 30 anos, mas continua precisa e cortante. Poucas intérpretes conseguiriam destilar todas as mágoas, ódios e ressentimentos contidos em Uma Canção Desnaturada (Chico Buarque, 1978) sem precisar elevar os tons. Cida consegue ao dar ao tema registro mais interiorizado que se situa em fina sintonia com a interpretação igualmente íntima de O Ciúme (Caetano Veloso, 1987). Não há firulas nos 33 minutos e 47 segundos em que A Dama Indigna permanece em cena. Intensa em sua teatralidade, Cida toma para si as dores de amores expiadas por Amy Winehouse em Back to Black (Amy Winehouse e Mark Ronson, 2006) e por Roberto Carlos (Maior que o meu Amor, bela canção pueril de Renato Barros que o Rei lançou em 1970 e que Cida adensa sem transfigurar o tema). Hábil pescadora de pérolas, a cantora também tira do baú a desbocada Sou Assim, música da trilha sonora da peça Botequim (1973), assinada por Toquinho com o ator e dramaturgo Gianfrancesco Guarnieri (1934 - 2006) - cujo nome, devidamente creditado na contracapa, é omitido no desatento encarte que também inverte a ordem das faixas O Ciúme e Youkali-Tango (Roger Ferney e Kurt Weill). Embebida em natural teatralidade, Sou Assim se ajusta com com perfeição ao canto da atriz. Sim, antes de se transformar em cantora, Cida foi atriz. Por ser atriz, ela entende o texto de cada canção. Por ser do time das grandes intérpretes, ela vai além, explorando tons e nuances então ocultas nessas canções. E costura tudo em roteiro que tem o sentido teatral. É por isso que A Dama Indigna irmana Soul Love (David Bowie, 1972), Summertime (DuBose Heyward, George Gershwin & Ira Gershwin, 1935), Mãe (Caetano Veloso, 1978, com dose exata de melancolia) e The Man I Love (George Gershwin & Ira Gershwin, 1924) sem que esse sentido se perca em momento algum. Com seu piano autosuficiente e sua voz marginal que vai da ternura à loucura em diapasão pautado por essa sua salutar teatralidade, Cida Moreira escala novamente o topo com insana dignidade - ora risonha, ora chorona, certa de que cantar nunca foi só de alegria. Uma dama!
ResponderExcluirEsse disco deve ser realmente maravilhoso.
ResponderExcluirMauro, como está a distribuição desse selo? É fácil achar nas lojas especializadas?
abração,
Denilson
Sinceramente, ainda não sei, Denilson. Estava na Bahia. Não tenho ido a lojas nos últimos 15 dias. Abs, MauroF
ResponderExcluirE " O ciume " ganha mais uma versão arrebatadora com Cida Moreira.Isso depois de Ná Ozzetti.
ResponderExcluirFalando no album dedicado a Bertolt Brecht, não existe a idéia do Zé Pedro,do Thiago e a Tratore entrarem em acordo com a Warner Music,Mauro ?
Não tenho a menor ideia, Diogo. Abs, mauroF
ResponderExcluirTive o privilégio de assistir ao belo show que Cida Moreira fez no sábado, 12/2, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Estava deliciosamente arrebatadora e delicada — exuberante como um diva. Uma joia paulistana.
ResponderExcluirDenilson
ResponderExcluirÉ facílimo achar os CDs da Tratore na maioria das lojas físicas especializadas e principalmente nas virtuais. E se houver dificuldade, tem o email do produtor do selo Joia Moderna: celsotivoli@gmail.com,
com quem vc pode adquirir o CD ou o Kit com os 4 lançamentos.
Um dos mais belos e emocionantes registros que ouvi foi feito por Cida Moreira para Tempo e artista (Chico Buarque) Cida é uma grande dama da música sim!
ResponderExcluirCida Moreira é uma verdadeira atrevida. QUe invenção é essa de gravar Mãe?
ResponderExcluirMauro,
ResponderExcluirAr-ra-sou na resenha!!! Vida longa à grande Dame Cida Moreira!!!
Cida é sempre primorosa, mas sua melhor porção é realmente o de cabaretier. Vi em entrevista na tevê que a segunda edição do disco trará duas canções de Tom Waits, o que me deixa reticente em comprar o cd agora.
ResponderExcluirDe qualquer maneira, os discos da Jóia Moderna não estão sendo encontrados facilmente, o que é uma pena, já que os lançamentos têm sido muito comentados na imprensa. Eu, por exemplo, estou curiosíssima pelos discos da Cida e da Zezé, mas as pesquisas em sites de compras não apontam nenhuma ocorrência.
Comprei CIDA e ZEZÉ e amei. Concordo com Mauro que Zezé poderia ter pisado um pouco mais fundo, mas deu pra 'espanar o mofo', e Cida está apenas sensacional.
ResponderExcluirBons auspícios!!!