Título: Negra Melodia
Artista: Zezé Motta
Gravadora: Joia Moderna / Tratore
Cotação: * * * *
Negra Melodia quase chega a ser o grande disco que Zezé Motta pode (e ainda deve) fazer para se reconectar definitivamente com a arrojada cantora que movimentou a cena musical dos anos 70 sem se deixar enquadrar (de início) no rótulo de sambista. De todo modo, o CD representa sopro de vitalidade, frescor e jovialidade em discografia que já estava engessada e demasiadamente espaçada. Basta dizer que o último disco da cantora - hoje mais conhecida como atriz de novelas por quem não testemunhou seu promissor início de carreira fonográfica - saiu há 11 anos e flertou com o passado em tom senhoril. Divina Saudade (2000) era tributo a Elizeth Cardoso (1920 - 1990) prestado com interpretações e arranjos tão mofados quanto os de seu antecessor A Chave dos Segredos (1995). Em Negra Melodia, Zezé recusa o mofo ao entrelaçar sem obviedades os cancioneiros de Jards Macalé e Luiz Melodia - compositores injustamente jogados na vala dos malditos da MPB dos anos 70. O tom arejado do disco - produzido por Thiago Marques Luiz, sob a direção musical de André Bedurê e Rovilson Pascoal - se revela já na opção por excluir do repertório as músicas mais batidas dos compositores. De cara, Zezé cai no samba com suingue em O Sangue Não Nega (Luiz Melodia e Ricardo Augusto, 1983), repetindo a dose quatro faixas depois com Pano pra Manga (Jards Macalé e Xico Chaves, 1994). A voz está em forma, como fica claro na introdução a capella de Decisão (Luiz Melodia e Sérgio Mello, 1987). Por isso mesmo, Zezé podia ter se soltado e se arriscado mais como em Soluços (Jards Macalé, 1970), a melhor faixa do disco, o lampejo que indica que, no peito da afinada cantora de 66 anos, ainda bate o coração daquela artista que nos anos 70 se libertou inicialmente das amarras do mercado até se deixar enquadrar nos padrões pela necessidade de sobrevivência. A guitarra rascante de Rovilson Pascoal sublinha o momento iluminado de Zezé. Mas há (alguma) luz também na suingante Onde o Sol e Bate se Firma (Luiz Melodia, 1970) e mesmo nas sombras da bluesy Começar pelo Recomeço (Luiz Melodia e Torquato Neto, 1997) e da resistente The Archaich Lonely Blue Star (Jards Macalé e Duda, 1970). "Sou forte feito cobra coral / ... / Um velho novo cartão postal", garante Zezé em versos de Vale Quanto Pesa (Luiz Melodia, 1973), boa faixa pontuada pelo trombone de Tiquinho. É fato que músicas como Anjo Exterminado (Jards Macalé, 1972) já ganharam interpretações tão marcantes que fica difícil imprimir nelas alguma nuance reveladora. Em contrapartida, temas pouco ouvidos como Divina Criatura (Luiz Melodia e Papa Kid, 1983) - situado por Zezé próximo do terreiro afro-baiano - soam como se fossem novos. Ao fim do disco, a interpretação a capella de Encanto (Jards Macalé, Lígia Anel, Xico Chaves e Christianne Dardenne, 1992) sedimenta a impressão de que Negra Melodia repõe nos trilhos o canto de Zezé Motta e dá a cantora oportunidade de se reapresentar com frescor para novas gerações, quem sabe até cantando "Muito prazer, eu sou Zezé..." como no seu disco de 1978.
3 comentários:
Negra Melodia quase chega a ser o grande disco que Zezé Motta pode (e ainda deve) fazer para se reconectar definitivamente com a arrojada cantora que movimentou a cena musical dos anos 70 sem se deixar enquadrar (de início) no rótulo de sambista. De todo modo, o CD representa sopro de vitalidade e frescor em discografia que estava engessada e demasiadamente espaçada. Basta dizer que o último disco da cantora - hoje mais conhecida como atriz de novelas por quem não testemunhou seu promissor início de carreira fonográfica - saiu há 11 anos e flertou com o passado em tom senhoril. Divina Saudade (2000) era tributo a Elizeth Cardoso (1920 - 1990) prestado com interpretações e arranjos tão mofados quanto os de seu antecessor A Chave dos Segredos (1995). Em Negra Melodia, Zezé recusa o mofo ao entrelaçar sem obviedades os cancioneiros de Jards Macalé e Luiz Melodia - compositores injustamente jogados na vala dos malditos da MPB dos anos 70. O tom arejado do disco - produzido por Thiago Marques Luiz, sob a direção musical de André Bedurê e Rovilson Pascoal - se revela já na opção por excluir do repertório as músicas mais batidas dos compositores. De cara, Zezé cai no samba com suingue em O Sangue Não Nega (Luiz Melodia e Ricardo Augusto, 1983), repetindo a dose quatro faixas depois com Pano pra Manga (Jards Macalé e Xico Chaves, 1994). A voz está em forma, como fica claro na introdução a capella de Decisão (Luiz Melodia e Sérgio Mello, 1987). Por isso mesmo, Zezé podia ter se soltado e se arriscado mais como em Soluços (Jards Macalé, 1970), a melhor faixa do disco, o lampejo que indica que, no peito da afinada cantora de 66 anos, ainda bate o coração daquela artista que nos anos 70 se libertou inicialmente das amarras do mercado até se deixar enquadrar nos padrões pela necessidade de sobrevivência. A guitarra rascante de Rovilson Pascoal sublinha o momento iluminado de Zezé. Mas há (alguma) luz também na suingante Onde o Sol e Bate se Firma (Luiz Melodia, 1970) e mesmo nas sombras da bluesy Começar pelo Recomeço (Luiz Melodia e Torquato Neto, 1997) e da resistente The Archaich Lonely Blue Star (Jards Macalé e Duda, 1970). "Sou forte feito cobra coral / ... / Um velho novo cartão postal", garante Zezé em versos de Vale Quanto Pesa (Luiz Melodia, 1973), boa faixa pontuada pelo trombone de Tiquinho. É fato que músicas como Anjo Exterminado (Jards Macalé, 1972) já ganharam interpretações tão marcantes que fica difícil imprimir nelas alguma nuance reveladora. Em contrapartida, temas pouco ouvidos como Divina Criatura (Luiz Melodia e Papa Kid, 1983) - situado por Zezé próximo do terreiro afro-baiano - soam como se fossem novos. Ao fim do disco, a interpretação a capella de Encanto (Jards Macalé, Lígia Anel, Xico Chaves e Christianne Dardenne, 1992) sedimenta a impressão de que Negra Melodia repõe nos trilhos o canto de Zezé Motta e dá a cantora a oportunida de se reapresentar com frescor para as novas gerações, quem sabe até cantando "Muito prazer, eu sou Zezé..." como no seu disco de 1978.
Gosto muito dos discos da Zezé dos anos 70, não consigo entender como essa carreira desandou. Talvez por ela ser negra e não querer ser sambista.
Não acho que tenha sido isso, Mônica.
O Luiz Melodia tb enfrentou essas mesmas questões e não se perdeu.
Acho que o caso da Zezé foi querer conciliar a cantora com a atriz.
No Brasil isso não dá muito certo, uma carreira acaba atrapalhando a outra.
Postar um comentário