♪ Pioneira na abertura de alas para as mulheres que compõem samba, Ivone Lara completa 89 anos nesta quarta-feira, 13 de abril de 2011. Mas é como se festejasse seus 90 anos, já que sua mãe, na adolescência, forjou um ano a mais de vida para a filha, para admitir a menina em escola interna. Ivone nasceu em 13 de abril de 1922. Mas, em alguns documentos, consta o ano de 1921. Seja como for, a artista se aproxima dos 90 anos já sem ilusões com a indústria fonográfica - e sem ver em catálogo discos expressivos como Sorriso de criança (1979) e Sorriso negro (1981) - este último ao menos reeditado em CD em 2001. Aliás, os álbuns que Ivone gravou nos anos 1970 sequer foram editados em CD. Uma injustiça com compositora dona de melodias luminosas. Em caminhada desbravadora na história do samba, Ivone Lara deu seus passos iniciais sob a luz dos (pre)conceitos machistas que guiavam a sociedade na época em que a compositora iniciante teve que recorrer a um primo influente nos redutos do samba e da Serrinha (Madureira, Rio de Janeiro, RJ) - Antonio dos Santos, o futuro Mestre Fuleiro (1911 - 1997) - para que suas músicas fossem ouvidas. Fuleiro mostrava os sambas de Ivone como sendo de autoria dele, com aval de Ivone, que se contentava em ver sua criação ser bem recebida pelos bambas. Orfã de mãe aos 12 anos, idade em que compôs seu primeiro partido alto, Tiê, Ivone soube traçar seus caminhos e se impor como compositora de assinatura original. Em 1947, ano emblemático na vida da artista, ela casou, se formou em assistência social (profissão que lhe garantiu o sustento até 1977, ano em que se aposentou e passou a viver também dessa aposentadoria e dos rendimentos irrregulares obtidos com seu ofício de compositora) e passou a integrar oficialmente a ala de compositores da recém-criada escola de samba Império Serrano, auxiliada pelo prestígio de ser nora de um dos fundadores da agremiação carioca, criada a partir de dissidência na seminal Prazer da Serrinha. Em 1965, ajudada pelo acaso e por inspiração que considera intuitiva, Ivone abriu mais alas no samba e se tornou a primeira mulher a assinar um samba-enredo oficial numa escola do primeiro grupo, Os cinco bailes da história do Rio, concluído por ela (diz a lenda) no momento em que percebeu, ao visitar os autores Silas de Oliveira e Bacalhau, que ambos - já bêbados - não conseguiam completar o tema que se transformaria em obra-prima do gênero. Em que pesem todas essas conquistas, Ivone somente se tornou conhecida em todo o Brasil a partir dos anos 1970, quando seus sambas com Délcio Carvalho - o parceiro com quem tem cerca de 15 sambas inéditos à espera de gravação - passaram a ser gravados por cantores como Clara Nunes (Alvorecer, 1974), Roberto Ribeiro (Acreditar, 1976) e Maria Bethânia (Sonho Meu, em dueto com Gal Costa, em gravação de 1978, que projetou a obra de Ivone fora dos redutos do samba). Conectada às melhores tradições do samba, com elos com a seminal raiz africana, a obra de Ivone Lara tem o d.n.a. da nobreza, perceptível no fino acabamento melódico e poético. Por tudo isso, é injusto que seu último bom disco de estúdio - Nas escritas da vida, gravado com a reunião da obra feita com Bruno Castro, seu parceiro desde 2001 - tenha sido lançado em 2010 sem a menor repercussão. É mais injusto ainda que o disco Bodas de coral no samba brasileiro, finalizado em 2010 com patrocínio do projeto Natura Musical, não tenha tido distribuição comercial. Neste CD que mistura números ao vivo captados em show de 2008 com faixas feitas em estúdio, há cinco músicas inéditas de Ivone com Délcio. Enfim, Ivone Lara - em foto de Mauro Ferreira - chegou nobre aos 90 anos. A data é motivo de festa. Já o descaso da indústria fonográfica com a obra da compositora é razão de luto.
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10 comentários:
Pioneira na abertura de alas para as mulheres que compõem samba, Ivone Lara completa 90 anos nesta quarta-feira, 13 de abril de 2011, sem ilusões com a indústria fonográfica - e sem ver em catálogo discos expressivos como Sorriso de Criança (1979) e Sorriso Negro (1981). Aliás, a quase totalidade dos álbuns que gravou nos anos 70 e 80 sequer chegou ao formato digital. Uma injustiça com compositora dona de melodias luminosas. Em caminhada desbravadora na história do Samba, Ivone Lara deu seus passos iniciais sob a luz dos (pre)conceitos machistas que guiavam a sociedade na época em que a compositora iniciante teve que recorrer a um primo influente nos redutos do samba e da Serrinha (Madureira, Rio de Janeiro, RJ) - Antonio dos Santos, o futuro Mestre Fuleiro (1911 - 1997) - para que suas músicas fossem ouvidas. Fuleiro mostrava os sambas de Ivone como sendo de autoria dele, com aval de Ivone, que se contentava em ver sua criação ser bem recebida pelos bambas. Orfã de mãe aos 12 anos, idade em que compôs seu primeiro partido alto, Tiê, Ivone soube traçar seus caminhos e se impor como compositora de assinatura original. Em 1947, ano emblemático na vida da artista, ela casou, se formou em assistência social (profissão que lhe garantiu o sustento até 1977, ano em que se aposentou e passou a viver também dessa aposentadoria e dos rendimentos irrregulares obtidos com seu ofício de compositora) e passou a integrar oficialmente a ala de compositores da recém-criada escola de samba Império Serrano, auxiliada pelo prestígio de ser nora de um dos fundadores da agremiação carioca, criada a partir de dissidência na seminal Prazer da Serrinha. Em 1965, ajudada pelo acaso e por inspiração que considera intuitiva, Ivone abriu mais alas no samba e se tornou a primeira mulher a assinar um samba-enredo oficial, Os Cinco Bailes da História do Rio, concluído por ela no momento em que percebeu, ao visitar os autores Silas de Oliveira e Bacalhau, que ambos - já bêbados - não conseguiam completar o tema que se transformaria em obra-prima do gênero. Em que pesem todas essas conquistas, Ivone somente se tornou conhecida em todo o Brasil a partir dos anos 70, quando seus sambas com Délcio Carvalho - o parceiro com quem tem cerca de 15 sambas inéditos à espera de gravação - passaram a ser gravados por cantores como Clara Nunes (Alvorecer), Roberto Ribeiro (Acreditar) e Maria Bethânia (Sonho Meu, em dueto com Gal Costa em gravação de 1978 que projetou a obra de Ivone fora dos redutos do samba). Conectada às melhores tradições do samba, com elos com a seminal raiz africana, a obra de Ivone Lara tem o d.n.a. da nobreza, perceptível no fino acabamento melódico e poético. Por tudo isso, é injusto que seu último belo disco de estúdio - Nas Escritas da Vida, gravado com a reunião das músicas que fez Bruno Castro, seu parceiro desde 2011 - tenha sido lançado em 2010 sem a menor repercussão. É mais injusto ainda que o disco Bodas de Coral no Samba Brasileiro, finalizado em 2010 com patrocínio do projeto Natura Musical, não tenha tido distribuição comercial. Neste CD que mistura números ao vivo captados em show de 2008 com faixas feitas em estúdio, há cinco músicas inéditas da lavra de Ivone com Délcio. Enfim, Ivone Lara - vista em foto de Mauro Ferreira - chegou nobre aos 90 anos. A data é motivo de festa. Já o descaso da indústria fonográfica com a bela obra da compositora é motivo de luto.
Mauro,
Creio que há um pequeno erro de digitação no seu texto:
"seu último belo disco de estúdio ... gravado com a reunião das músicas que fez Bruno Castro, seu parceiro desde 2011 - tenha sido lançado em 2010".
Creio que o ano de início da parceria foi digitado errado. Seria 2001?
No mais, viva Dona Ivone Lara!!!
abração,
Denilson
Mauro,
concordo em gênero, número e grau! Dona Ivone merecia ter mais destaque, chegou aos 90 lúcida e sua obra será eternizada!
Denilson, muito obrigado por detectar o erro na frase. Abs, MauroF
Mauro,
Que belo texto! Concordo em gênero, número e grau.
Que bom saber que você aprecia o belo trabalho dela em parceria com o Bruno Castro
abração,
Denilson
Maior nome do samba feminino, sem dúvida.
Além de ótima compositora tem uma voz bonita e marcante.
La la la laia.
Felicidades e saúde!
PS: Toda vez que vejo o descaso com que a indústria trata certas pessoas, me dá uma alegria danada em ver sua derrocada. :>)
"Toda vez que vejo o descaso com que a indústria trata certas pessoas, me dá uma alegria danada em ver sua derrocada."
Sabe que tambem sinto o mesmo?
Dona Ivone é uma das "rainhas negras da Voz, mães de todos nós", como diria Bethânia...
Ave, Dona Ivone!!!
"Toda vez que vejo o descaso com que a indústria trata certas pessoas, me dá uma alegria danada em ver sua derrocada."
Derrocada, Zé Henrique? Você acha mesmo? Eu acho que continua tudo na mesma. Só diminuiu o número de pessoas que ganha dinheiro nessa indústria. Está mais concentrado no bolso de umas poucas pessoas.
Mas a grana ainda rola muito alta, posso te afirmar isso... Os mecanismos ainda estão todos muito operantes e lubrificados. A máquina ainda está muito viva, infelizmente...
abração,
Denilson
Acho sim, Denílson.
É inegável que essa turma perdeu poder, seu alcance/danos foram bastante reduzidos.
Ainda conseguem impigir esse ou aquela "artista" goela abaixo do povão, mas não mais ritmos da vez. Como fizeram durantes duas décadas - Rock Br, sertanejo, axé, pagode.
Não têm mais a única chave do cofre. Por exemplo, esses discos de Dona Ivone que estão fora de catálogo eu ouço quando quiser - estão a dois cliks - não dependo mais deles.
É claro que a indústria vai se moldar, se adaptar... mas nada será como antes.
Quanto a grana, se mais ou menos gente está ganhando muito.
Sinceramente, não tenho menor interesse.
Minha alegria é saber que não dependo mais desses caras.
PS: É melhor morrerem devagar, aos poucos. Dói mais. :>)
Abraço
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