Mauro Ferreira no G1

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quinta-feira, 7 de abril de 2011

Jussara Silveira é amor da cabeça aos pés no show 'Ame ou se Mande'

Resenha de Show
Título: Ame ou se Mande
Artista: Jussara Silveira (em foto de Rodrigo Amaral)
Local: Solar de Botafogo (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 6 de abril de 2011
Cotação: * * * * *

Não se assuste, pessoa, se eu lhe disser que Jussara Silveira é muito mais do que uma cantora boa. Projetada em 1996 com o disco que destacou sua regravação de Dama do Cassino (Caetano Veloso), Jussara Silveira é uma das grandes cantoras do Brasil, mas, por (falta de) sorte ou destino, essa mineira de alma e vivência baiana continua sendo ouvida por poucos no mesmo circuito indie de sua estreia fonográfica. Sorte dos poucos que foram conferir a apresentação do show Ame ou se Mande no Solar de Botafogo, no Rio de Janeiro (RJ), na noite de 6 de abril de 2011. Base do disco que a cantora pretende lançar ainda em 2011, o show é primoroso. Dividindo a cena com o percussionista Marcelo Costa e com o tecladista Sacha Amback, Jussara reitera suas qualidades ao desfiar roteiro que encadeia com precisão músicas de autores como Arnaldo Antunes, Caetano Veloso, José Miguel Wisnik, Roberto Mendes e Zeca Baleiro, entre outros compositores. Já na abertura do show, feita com A Voz do Coração (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos), ficam nítidas a afinação e emissão irretocáveis da voz límpida da cantora. Contudo, Jussara Silveira é mais do que uma voz que canta com o coração enquanto exibe técnica cerebral. Jussara é intérprete capaz de encarar músicas mais rebuscadas como Madre Deus, tema composto por Caetano Veloso e gravado por José Miguel Wisnik para a trilha sonora do balé Onqotô (2005), do Grupo Corpo. Ao mesmo tempo, ela é - também - uma atenta pescadora de pérolas do quilate de Contato Imediato (Arnaldo Antunes,  Carlinhos Brown e Marisa Monte). Lançada por Arnaldo Antunes em seu álbum Qualquer (2006), esta linda balada da lavra do trio Tribalistas é um hit em potencial à espera de quem - como Jussara - saiba realçar sua beleza melódica e singeleza poética. No roteiro do show Ame ou se Mande, Contato Imediato é conectada em tom interplanetário com Marcianita, sucesso do cantor Sérgio Murilo (1941 - 1992) em 1960 que Caetano Veloso tropicalizou em 1968 ao lado do grupo Os Mutantes. Marcianita permite que percussionista e tecladista injetem mais suingue em show que começa em tons e climas suaves. Batizado com versão do standard norte-americano Love or Leave me (Walter Donaldson e Gus Kahn, 1928), Ame ou se Mande é em essência um show de canções de amor ou que explicitam a procura dele, o amor, caso de Doce Esperança, parceria de Roberto Mendes com J. Velloso, lançada por Daniela Mercury em 1991 em seu primeiro disco solo e revivida por Jussara no tempo da delicadeza e da percussão quente de Marcelo Costa. As imagens da letra evocam signos da Bahia mítica imortalizada na obra de Dorival Caymmi (1914 - 2008) - reverenciado no bis com arrepiante versão a capella de Morena do Mar (em 1998, a cantora dedicou seu segundo disco ao cancioneiro de Caymmi) - e inspiram a cantora a se movimentar pelo palco em bailado elegante. Exemplo da habilidade da intérprete de evitar o óbvio, Doce Esperança é linkada de forma sagaz com Salve Linda Canção sem Esperança, de Luiz Melodia. Neste roteiro em que Jussara Silveira é amor da cabeça aos pés, cabem perfeitamente a canção Muito Romântico, do recorrente Caetano Veloso, e uma poesia de Fernando Pessoa (1988 - 1935), Tenho Dó das Estrelas, musicada por José Miguel Wisnik. Ainda dentro do universo poético português, a citação de Filosofias (Francisco Viana e João Linhares Barbosa) introduz a releitura de Babylon, canção de Zeca Baleiro, turbinada com efeitos pelos teclados de Sacha Amback para marcar o início de um bloco final mais pop e mais exteriorizado. É quando Jussara Silveira toca o rock Quero que Vá Tudo pro Inferno (Roberto Carlos e Erasmo Carlos) - simulando estar tocando guitarra - e se encaminha para o gran finale com Dê um Rolê (Moraes Moreira e Galvão), tema que tinha significado especial na época da contracultura e que ainda faz todo sentido em tempos de emoções virtuais e sintéticas. Fecho de ouro para show primoroso, tão perfeito e sedutor em sua concepção (musical e poética) que nada importou o tropeço da cantora na letra de Babylon. Não, pessoa, não se assuste se eu disser que Jussara Silveira é cantora (muito!) boa.

20 comentários:

Luca disse...

Mauro, que a Jussara é boa a gente sabe. Só lamento que você não tenha tido com a Roberta Spindel, ao escrever a crítica do show dela logo abaixo, a generosidade que teve com a Jussara. Mesmo ela errando a letra, você deu cinco estrelas pro show. Para umas, a mão pesa. Para outras, é sempre leve.

Jeferson Garcia disse...

Mauro, só tenho uma coisa a dizer:

Vc é sortudo demais!

Morar nessa maravilha de Rio de Janeiro e poder usufruir de todos os seus ancantos.

Jussara é a minha cantora preferida. Tive o privilégio de assistir um único show dela e foi o suficiente pra me manter inebriado por seu canto e presença até hoje.

Quem sabe com esse disco obtenha um pouco mais de projeção e diminua o hiato entre os lançamentos de cds.

Ansiedade tamanha!

Doug disse...

Só acho que cantoras como Jussara, que é uma das minhas cantoras favoritas, têm que aprender uma coisa com as grandes damas do mainstream: NÃO DEIXAR DE TOCAR SEUS HITES NOS SHOWS. Como é que Jussara não canta "Dama do cassino", seu maior sucesso, no show?

Doug disse...

Só acho que cantoras como Jussara (que é uma das minhas cantoras preferida) tem uma coisa importante a aprender com as grandes damas do mainstream: não deixar de cantar seus grandes sucessos nos shows. Como é que Jussara faz um show e não canta "Dama do cassino"?

Ju Oliveira disse...

Admiro e respeito muito a Jussara e sei que ela é uma cantora de técnica impecável, com integridade na seleção do repertório e que sabe interpretar emocionalmente as canções.

Mas devo admitir que apesar disso tudo não gosto do seu timbre. Não sei o que é, mas alguma coisa nele me incomoda. É curioso como às vezes um cantor ou cantora pode ter tudo, mas se você não gosta do som da voz, não tem jeito.

Vou sempre acompanhar o trabalho da Jussara, mas infelizmente nunca serei fã.

Anônimo disse...

Que cantora inteligente nas escolhas. Jussara Silveira faz a ponte essencial entre o pop do passado e a nova música brasileira. Roteiro impecável.

Unknown disse...

Privilégio de poucos admirar e travar contato com o talento de Jussara Silveira. Ainda acredito que haja espaço para ela entre as grandes cantotras desse país. Independentemente do reconhecimento, ela segue sua trajetória brilhantemente para nosso deleite, que vivemos a colher as belas pérolas que ela pesca no nosso cancioneiro e os lindos temas que são compostos pra ela. Salve Jussara !! Pra quem gostaria de aprender a cantar, acompanhe e aprende. Jussara é faculdade.

KL disse...

Ju oliveira,

O "problema" em Jussara não é o timbre - bem interessante por sinal - é a forma como emite as notas, ora excessivamente anasaladas, ora com vibrato demais - "recurso" infelizmente utilizado hoje por outras belas vozes agudas do pop como Paula Toller, por exemplo. A emissão vocal de Jussara, porém, pode ser facilmente corrigida com aulas de canto moderadas, com professor(a) de gabarito. Em certas gravações recentes, Jussara lembra muito a forma equivocada como Gal Costa (outra voz desperdiçada) vem colocando atualmente em shows e discos. Em resumo, JS tem grande potencial e, embora seja veterana, poderia - e deveria - arredondar a voz, o que certamente contribuirá para que seu público aumente e seu show brilhe ainda mais.

Abraço!

Denilson Santos disse...

Jussara é maravilhosa. Dona de uma inteligência musical que a faz escolher sabiamente músicas que crescem na sua bela voz.

Quem já escutou o disco "Nobreza" dela com o violonista Luiz Brasil, sabe do que estou falando.

Parabéns, Mauro, pela oportunidade de ter visto esse show. Eu não pude ir, pois tinha outros compromissos inadiáveis.

abração,
Denilson

Suely Lemos disse...

JUSSARA É GRANDE!!!!!

Jussara é uma das poucas cantoras que me emocionam e tocam fundo na minha alma.......Fico feliz que ela esteja com um novo trabalho e não vejo a hora de assitir de assistir este show!

lurian disse...

Das cantoras surgidas dos anos 90 pra cá Jussara sem dúvidas é uma das melhores. Seus discos são referência em teros de escolhas de repertório refinado. Ouço sempre! Pena que ela esteja demorando um pouco pra lançar o novo disco e que esteja cantando algumas canções do repertório da Gal que só ajudam a não promover seu próprio nome.

William disse...

Mauro, apenas essa correção: orival Caymmi viveu uma década a mais, morrendo em 2008, e não em 1998.

William disse...

Mauro, Dorival Caymmi viveu uma década a mais, morrendo em 2008, e não em 1998.

William Silva /Salvador

Mauro Ferreira disse...

Obrigado, TCC. Claro é que 2008, mas eventualmente confundo. Abs, MauroF

Unknown disse...

Antes de ver o novo show de Jussara tinha acabado de ler o artigo desta semana do Joaquim Ferreira dos Santos onde ele responde a carta de uma leitora:
"...você começa a falar da mesmice das cantoras de hoje.Isto também me incomoda.Elas usam vestido florido,tomara que caia,pés descalços e colares. Todas agradáveis de se ouvir,mas muito parecidas.A serviço de que estão estas vozes?
- Este é o mal desta geração.Todas querem aplauso pela simpatia e pelo quase amor de serem fofas.Ninguém quer pagar o mico da Elis chorando desesperada em Atrás da Porta ou da Dalva soluçando em Bom Dia. As novas cantoras são afinadas demais,alegres demais, se penteiam demais.Escondem do publico as porradas que a vida todo dia dá na cara delas.Que a Maysa, descabelada, bebada, assombre seus lençóis de mil fios de Alfaias."

Pois é, pensando no magnifico livro de Liv Sovik "Aqui Ninguém é Branco", penso que também podemos escrever um chamado Aqui Ninguém é Triste...Onde está a melancolia humana, tão presente no existencialimo? Não existimos mais? A musica brasileira atual tem um compromisso com a alegria total?
Mas enfim aparece uma Maria Gadu cantando um tangado Ne Me Quitte Pas ou uma Marcia Castro numa sofrida separação em Vergonha.
E Jussara Silveira voluntariamente infeliz chorando no improvisado bis a capela de Morena do Mar. Enfim vemos uma cantoras brasileiras com alma. Mas não pensem que o novo show de Jussara é uma grande depressão. Nada disto, é como a vida, alegre e triste, encontros e desencontros. Temos desde um Fernando Pessoa

Tenho dó das estrelas
Luzindo há tanto tempo,
Há tanto tempo…
Tenho dó delas.
Não haverá um cansaço
Das coisas,
De todas as coisas
Como das pernas ou de um braço?
Um cansaço de existir,
De ser,
Só de ser,
O ser triste brilhar ou sorrir…
Não haverá, enfim,
Para as coisas que são,
Não a morte, mas sim
Uma outra espécie de fim,
Ou uma grande razão –
Qualquer coisa assim
Como um perdão?

até Doce Esperança, parceria de Roberto Mendes com J. Velloso, lançada por Daniela Mercury em 1991 em seu primeiro disco solo e revivida por Jussara no tempo da delicadeza e da percussão quente de Marcelo Costa (como descreve Mauro Ferreira), lindamente dançada pela cantora, de forma elegante e minimalista, numa mistura de ponto de candomblé com as mãos de dança indiana. Perfeita combinação, sem supervisão standard de Marcias Rubins e afins...
Um show romântico ,com uma formação musical moderna, econômica e calorosa. Algo que nos remete a um João Gilberto. Está tudo lá, das danças as musicas, na sua essência mais plena, das dores aos amores,do coração à mente, finalmente...

Marcos Sebastian

Nivaldo Andrade disse...

Parabéns pelo texto, Mauro. Jussara está, sem dúvida, entre as grandes cantoras do país das cantoras. Não assisti o show, mas pelo repertório e pelo que conheço da voz e da interpretação de Jussara, certamente deve ser emocionante. Na minha opinião, Jussara Silveira é hoje o que Gal Costa foi até o início dos anos 1990.

Anônimo disse...

Caro Mauro, que bom vc. ter descoberto Jussara. Nós a descobrimos em São Paulo há uns 15 anos, sempre pérola. O José Miguel Wisnik poderia descobri-la também na coluna dele de "O Globo". Espero que esse RJ inteiro a descubra logo e fique com desejo contínuo da sua imagem, feito uma iara de sonho cantando nas fontes dos altos da Tijuca, e a partir daí persigam todos os passos da cantora. Inveja mortal dos cariocas. Abraços

Anônimo disse...

Não assinei o coment.
Alvaro Machado

Guto Ruocco disse...

Para Zé Miguel Wisnik: “Aquele timbre, aquele jeito da voz. Aquela inteligência do canto... Me tocou desde a primeira vez que a vi no palco, tendo muita consciência do que fazia, mas estando ao mesmo tempo para além da consciência e da intenção.
Ela é íntegra, leve e profunda. Com o tempo, essa sensação só se confirmou em mim. Ela é, para mim, como um talismã.”
Revista MUITO - 03/04/11 (Salvador)

Guto Ruocco disse...

Zé Miguel Wisnik disse sobre Jussara: “Aquele timbre, aquele jeito da voz. Aquela inteligência do canto... Me tocou desde a primeira vez que a vi no palco, tendo muita consciência do que fazia, mas estando ao mesmo tempo para além da consciência e da intenção.
Ela é íntegra, leve e profunda. Com o tempo, essa sensação só se confirmou em mim. Ela é, para mim, como um talismã.”
Revista Muito 03/04/11 Salvador