Mauro Ferreira no G1

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sábado, 23 de julho de 2011

'Daquele Instante em Diante' foca tensões e contradições do gênio Itamar

Resenha de documentário
Projeto: ItaúCultural - Iconoclássicos
Título: Itamar Assumpção - Daquele Instante em Diante
Direção: Rogério Velloso
Cotação: * * * * *
Em cartaz nos cinemas brasileiros da rede Unibanco Artplex até 29 de julho de 2011

Itamar Assumpção (1949 - 2003) morreu com a fama de ser tão genial quanto genioso. Um dos pilares da música de vanguarda criada em São Paulo (SP) ao longo dos anos 80, o compositor paulista ruminava com amargura a dor por terem lhe atribuído à revelia o rótulo de maldito e digeria mal o fato de ter construído sua obra à margem do mercado fonográfico sem um alcance nacional, mas, ao mesmo tempo, contribuía com seu temperamento forte para que as portas do mainstream permanecessem fechadas para sua música. As tensões e contradições do artista estão em foco no imperdível documentário sobre sua trajetória musical, Daquele Instante em Diante, em cartaz nos cinemas brasileiros da rede Unibanco Artplex neste mês de julho de 2011. É sintomática a cena em que Itamar fica mudo diante da repórter de televisão que começara a entrevista com questionamento sobre o rótulo de maldito. O grande mérito do filme de Rogério Velloso é escapar do endeusamento puro e simples. Itamar foi genial ao arquitetar e desenvolver obra inovadora na música brasileira. Mas foi genioso, radical e irredutível em suas convicções, tendo pago preço caro por isso. Todos os entrevistados - o compositor colega de geração Arrigo Barnabé, as filhas (Anelis e Serena Assumpção), a viúva (Zena Brigo), os músicos e vocalistas da banda Isca de Polícia (o guitarrista Luiz Chagas e a cantora Suzana Salles, entre outros) e os parceiros amigos (Alice Ruiz) - reiteram em seus depoimentos a dualidade contraditória de Itamar, artista que se recusou a fazer concessões à indústria da música e sofreu as consequências da recusa. Não há maquiagem nas falas e tampouco nos cenários (as casas dos próprios entrevistados, enfocadas sem glamour). Talvez por isso o documentário resulte tão sincero e verdadeiro como o artista que enfoca. E, acima de qualquer discussão, há o grande prazer de ver e ouvir Itamar em cena ao longo de várias fases de sua carreira. A seleção de imagens é farta e deliciosa, indo dos primeiros shows com a Isca de Polícia até a derradeira apresentação do cantor, em 25 de fevereiro de 2003, quando Itamar já vivia debilitado, corroído pelo câncer que o tiraria de cena ainda naquele ano, aos 53 anos. É comovente e faz todo o sentido a sua interpretação minimalista de Dor Elegante, parceria com Paulo Leminski, gravada por Zélia Duncan (vista em cena de bastidores com Itamar) em seu álbum Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band (2005). Enfim, as lentes do diretor Rogério Velloso capturam o Nego Dito em sua essência neste filme produzido pelo ItaúCultural dentro da série de documentários Iconoclássicos. Merecedor de edição em DVD, Daquele Instante em Diante foca Itamar Assumpção com exatidão. Filme é fundamental.

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Itamar Assumpção (1949 - 2003) morreu com a fama de ser tão genial quanto genioso. Um dos pilares da música de vanguarda criada em São Paulo (SP) ao longo dos anos 80, o compositor paulista ruminava com amargura a dor por terem lhe atribuído à revelia o rótulo de maldito e digeria mal o fato de ter construído sua obra à margem do mercado fonográfico sem um alcance nacional, mas, ao mesmo tempo, contribuía com seu temperamento forte para que as portas do mainstream permanecessem fechadas para sua música. As tensões e contradições do artista estão em foco no imperdível documentário sobre sua trajetória musical, Daquele Instante em Diante, em cartaz nos cinemas brasileiros da rede Unibanco Artplex neste mês de julho de 2011. É sintomática a cena em que Itamar fica mudo diante da repórter de televisão que começara a entrevista com questionamento sobre o rótulo de maldito. O grande mérito do filme de Rogério Velloso é escapar do endeusamento puro e simples. Itamar foi genial ao arquitetar e desenvolver obra inovadora na música brasileira. Mas foi genioso, radical e irredutível em suas convicções, tendo pago preço caro por isso. Todos os entrevistados - o compositor colega de geração Arrigo Barnabé, as filhas (Anelis e Serena Assumpção), a viúva (Zena Brigo), os músicos e vocalistas da banda Isca de Polícia (o guitarrista Luiz Chagas e a cantora Suzana Salles, entre outros) e os parceiros amigos (Alice Ruiz) - reiteram em seus depoismentos a dualidade contraditória de Itamar, artista que se recusou a fazer concessões à indústria da música e sofreu as consequências da recusa. Não há maquiagem nas falas e tampouco nos cenários (as casas dos próprios entrevistados, enfocadas sem glamour). Talvez por isso o documentário resulte tão sincero e verdadeiro como o artista que enfoca. E, acima de qualquer discussão, há o o prazer de ver e ouvir em Itamar em cena ao longo de várias fases de sua carreira. A seleção de imagens é farta e deliciosa, indo dos primeiros shows com a Isca de Polícia até a derradeira apresentação do cantor, em 25 de fevereiro de 2003, quando Itamar já vivia debilitado, corroído pelo câncer que o tiraria de cena ainda naquele ano, aos 53 anos. É comovente e faz todo o sentido a sua interpretação minimalista de Dor Elegante, parceria com Paulo Leminski, gravada por Zélia Duncan (vista em cena de bastidores com Itamar) em seu álbum Pré-Pós-Tudo-Bossa-Band (2005). Enfim, as lentes do diretor Rogério Velloso capturam o Nego Dito em sua essência neste filme produzido pelo ItaúCultural dentro da série de documentários Iconoclássicos. Merecedor de edição em DVD, Daquele Instante em Diante foca Itamar Assumpção com exatidão. Filme é fundamental.

Anônimo disse...

Filme emocionante em busca de atenção mesmo que póstuma, para um dos maiores compositores desse país. Para ser visto mais de uma vez.

Roger disse...

Caro Mauro Ferreira,

Li com muito prazer sua resenha sobre este filme que dirigi e no qual estive debruçado nos últimos três anos da minha vida. Mais feliz ainda em perceber que você foi muito preciso ao apontar o esforço que tivemos para que este filme resultasse sinceramente o mais próximo possível da personalidade do Itamar. Foi assim mesmo, assumindo a crueza (no sentido do não processamento ou maquiagem) das imagens e dos sons, da infinidade de fragmentos que fomos recolhendo pelas gavetas, nos fundos dos armários, nas portas de geladeiras, nas indefectíveis fitas cassetes em sua luta contra o mofo. Para mim, esse acúmulo de pedaços, montados em um turbilhão espiral que se tornou filme em algum ponto do caminho, é precioso por ter me colocado (e a tantos que agora podem assistí-lo) diante do Itamar. E principalmente por tê-lo colocado a salvo de mim.

Gostaria de pedir sua permissão para colocar seu texto na página do filme no facebook.com/daqueleinstanteemdiante- e, aliás, convidá-lo a interferir nela e postar por ali suas impressões - e no blog www.daqueleinstanteemdiante.tumblr.com.

Um grande abraço
e obrigado.

Roger
(rogeriovelloso)

Mauro Ferreira disse...

Oi, Rogério, grato por sua participação aqui no Notas Musicais. Sinta-se à vontade para publicar o texto em qualquer mídia ou rede social da qual participe (eu não tenho facebook porque a atualização diária do blog já me toma muito tempo). Abs, obrigado, MauroF