Título: Senhor do tempo - Canções raras de Caetano Veloso
Artista: Claudia
Gravadora: Joia Moderna / Tratore
Cotação: * * * *
É sintomático que Claudia tenha limado o y de seu nome artístico ao lançar seu primeiro álbum em 13 anos. Senhor do tempo - Canções raras de Caetano Veloso faz justiça ao canto apurado de Claudia e o reconecta à melhor fase da discografia da artista, a gravada na Odeon, na primeira metade dos anos 70. Até porque a intérprete acertou ao limar os floreios vocais que empanaram o brilho de seu canto nos últimos anos. Não, Claudia não precisa acentuar um rigor técnico que já aparece naturalmente nos registros destas 12 músicas da lavra de Caetano Veloso. Por canções raras, deve-se entender canções pouco ouvidas, a maioria gravadas uma única vez. Mas há, de fato, algumas raridades no disco produzido por Thiago Marques Luiz para a Joia Moderna. Uma delas é Amo-te (Mesmo?) Muito (Caetano Veloso, 1979), obscura canção lançada pela cantora Aline em 1979. Pontuada pelos violões de Rovilson Pascoal, inspirado arranjador da maioria das faixas, a gravação de Claudia evidencia a beleza da canção. Aliás, justiça seja feita, o canto de Claudia ilumina tanto As várias pontas de uma estrela (Caetano Veloso e Milton Nascimento, 1982) - tema em que as cordas do arranjo do pianista Alexandre Vianna realçam o tom épico da melodia de Milton, à moda do Clube da Esquina - como algumas canções menores do compositor, casos de Louco por você (Caetano Veloso, 1979) e Pele (Caetano Veloso, 1980). Ofuscada pelos vários hits radiofônicos do álbum Cinema transcendental (1979), Louco por você ganha como adorno um violão de clima bossa-novista. Em tom meio jazzy, Pele – música lançada por Maria Bethânia no álbum Talismã (1980) – reitera que, nesta composição, o poeta se revelou mais afiado do que o melodista. A ironia de Senhor do tempo é que a música que menos se ajusta ao conceito do disco – Naquela estação (Caetano Veloso, João Donato e Ronaldo Bastos, 1990) – é a que mais seduz porque é uma grande canção que ganha uma grande interpretação, exata, sem cair no melodrama. Verdade seja dita: a gravação de Cláudia supera o (bom) registro original de Adriana Calcanhotto, emoldurado em arranjo gélido e lançado em álbum (Enguiço, 1990) que escondeu a verdadeira persona artística de Calcanhotto. Verdade seja dita novamente: Senhor do tempo soa coeso, sem erros, e seria perfeito se todas as canções fossem grandiosas como o canto de Claudia. Com pouco mais de um minuto de duração, José (Caetano Veloso, 1987) faz breve e certeiro mergulho – pontuado pelo baixo acústico de Renato Loyola – no poço escuro deste tema em que Caetano expiou o luto pelo morte do pai. Com sua voz que alcança sem esforço notas inalcançáveis por boa parte das cantoras, Cláudia adensa Menino Deus (Caetano Veloso, 1982) – dando outra dimensão à música gravada de forma terna pelo grupo A Cor do Som – e acentua o refinamento de Luzes (Caetano Veloso, 1991), tema realmente raro, até então gravado somente pelo grupo paulista Nouvelle Cuisine no álbum Slow food (1991). À vontade tanto no seminal Samba em paz (Caetano Veloso, 1966) como nas indagações de Senhor do tempo (parceria de Milton Nascimento com Caetano Veloso, composta para a trilha sonora do filme O coronel e o lobisomem, de 2005), Claudia apresenta enfim um disco à altura de sua voz. Talvez canções como Duas manhãs (Caetano Veloso, 1977) é que não estejam à altura de seu canto preciso. "Eu até que estou feliz / Pelo que agora eu sou / Nesse tempo em que você / Mudou e eu mudei", diz através dos versos de Maria, Maria (Caetano Veloso e José Carlos Capinam, 1968) essa intérprete carioca tão maltratada pela indústria do disco e por suas próprias escolhas profissionais que, na verdade, se chama Maria das Graças de Oliveira Rallo, como ressalta o DJ Zé Pedro - dono da gravadora Joia Moderna - logo no início do texto escrito para o encarte de Senhor do tempo, belo disco que chega tardio, mas ainda a tempo de redimensionar a importância de Claudia – senhora cantora! – na música brasileira.
23 comentários:
É sintomático que Claudia tenha limado o y de seu nome artístico ao lançar seu primeiro álbum em 13 anos. Senhor do Tempo - Canções Raras de Caetano Veloso faz justiça ao canto apurado de Claudia e o reconecta à melhor fase da discografia da artista, a gravada na Odeon, na primeira metade dos anos 70. Até porque a intérprete acertou ao limar os floreios vocais que empanaram o brilho de seu canto nos últimos anos. Não, Claudia não precisa acentuar um rigor técnico que já aparece naturalmente nos registros destas 12 músicas da lavra de Caetano Veloso. Por canções raras, deve-se entender canções pouco ouvidas, a maioria gravadas uma única vez. Mas há, de fato, algumas raridades no disco produzido por Thiago Marques Luiz para a Joia Moderna. Uma delas é Amo-te (Mesmo?) Muito (Caetano Veloso, 1979), obscura canção lançada pela cantora Aline em 1979. Pontuada pelos violões de Rovilson Pascoal, inspirado arranjador da maioria das faixas, a gravação de Claudia evidencia a beleza da canção. Aliás, justiça seja feita, o canto de Claudia ilumina tanto As Várias Pontas de Uma Estrela (Caetano Veloso e Milton Nascimento, 1982) - tema em que as cordas do arranjo do pianista Alexandre Vianna realçam o tom épico da melodia de Milton, à moda do Clube da Esquina - como algumas canções menores do compositor, casos de Louco por Você (Caetano Veloso, 1979) e Pele (Caetano Veloso, 1980). Ofuscada pelos vários hits radiofônicos do álbum Cinema Transcendental (1979), Louco por Você ganha como adorno um violão de clima bossa-novista. Em tom meio jazzy, Pele - música lançada por Maria Bethânia no álbum Talismã (1980) - reitera que, nesta composição, o poeta se revelou mais afiado do que o melodista. A ironia de Senhor do Tempo é que a música que menos se ajusta ao conceito do disco - Naquela Estação (Caetano Veloso, João Donato e Ronaldo Bastos, 1990) - é a que mais seduz porque é uma grande canção que ganha uma grande interpretação, exata, sem cair no melodrama. Verdade seja dita: a gravação de Cláudia supera o (bom) registro original de Adriana Calcanhotto, emoldurado em arranjo gélido e lançado em álbum (Enguiço, 1990) que escondeu a verdadeira persona artística de Calcanhotto. Verdade seja dita novamente: Senhor do Tempo soa coeso, sem erros, e seria perfeito se todas as canções fossem grandiosas como o canto de Claudia. Com pouco mais de um minuto de duração, José (Caetano Veloso, 1987) faz breve e certeiro mergulho - pontuado pelo baixo acústico de Renato Loyola - no poço escuro deste tema em que Caetano expiou o luto pelo morte do pai. Com sua voz que alcança sem esforço notas inalcançáveis por boa parte das cantoras, Cláudia adensa Menino Deus (Caetano Veloso, 1982) - dando outra dimensão à música gravada de forma terna pelo grupo A Cor do Som - e acentua o refinamento de Luzes (Caetano Veloso, 1991), tema realmente raro, até então gravado somente pelo grupo paulista Nouvelle Cuisine no álbum Snow Food (1991). À vontade tanto no seminal Samba em Paz (Caetano Veloso, 1966) como nas indagações de Senhor do Tempo (parceria de Milton Nascimento com Caetano Veloso, composta para a trilha sonora do filme O Coronel e o Lobisomem, de 2005), Claudia apresenta enfim um disco à altura de sua voz. Talvez canções como Duas Manhãs (Caetano Veloso, 1977) é que não estejam à altura de seu canto preciso. "Eu até que estou feliz / Pelo que agora eu sou / Nesse tempo em que você / Mudou e eu mudei", diz através dos versos de Maria, Maria (Caetano Veloso e José Carlos Capinam, 1968) essa intérprete carioca tão maltratada pela indústria do disco e por suas próprias escolhas profissionais que, na verdade, se chama Maria das Graças de Oliveira Rallo, como ressalta o DJ Zé Pedro - dono da gravadora Joia Moderna - logo no início do texto escrito para o encarte de Senhor do Tempo, belo disco que chega tardio, mas ainda a tempo de redimensionar a importância de Claudia - senhora cantora! - na música brasileira.
Já disse e repito: no Brasil só redimensionam o valor de um artista injustiçado quando ele já está morto, vide o que aconteceu com o Simonal. Não sei se houve injustiça com Cláudia.
Mauro, fico sinceramente feliz em ler sua resenha. Já trabalhei com a Claudia e sei do seu enorme potencial. Ninguém nunca será uma Evita melhor que ela. Vou ouvir o disco, mas parabenizo o Thiago Marques , que insistiu num projeto com ela e, ao que parece, acertou, e ao Zé Pedro. É muito bom quando um colega prospera. Estou curioso pra ouvir o canto limpo e límpido dessa grande voz, que, se Deus quiser, retomará um caminho coerente e, ao mesmo tempo, intuitivo, com suporte de um repertório à altura. Parabéns, Claudia e a todos os envolvidos (músicos e arranjadores), que venham novos vôos. Carlos Navas
Ola Mauro, Anteriormnte voce falou que o propio Caetano teria uma participacao nesse disco da Claudia. Pode confirmar sim ele participa ou nao? Obrigado.
Rodolfo
Tem razão, Rodolfo. Caetano tinha ficado de participar do disco de Claudia, sim, como noticiei, mas essa participação não se concretizou. Acredito que pelo fato de Caetano estar dedicando todo seu tempo extra à produção do disco de Gal. De todo modo, recomendo a você - um especialista em Caetano - a compra deste disco de Claudia.
abs, MauroF
Claudia é uma extraordinária cantora e seu público estava sentindo falta de um disco novo. Não vejo a hora de comprar o meu.
Acabei de comprar esse novo disco da Claudia aqui em São Paulo e estou maravilhado. ela devia um disco assim para seus ouvintes e adoradores. Não paro de ouvir as faixas "Naquela Estação" e "As Várias Pontas de Uma Estrela". Parabéns a todos os envolvidos.
Mauro,
O nome correto do disco do Nouvelle Cuisine é "Slow Food", não? Aliás, esse é outro exemplo de artista (grupo) pouco reconhecido na sua merecida grandeza.
Parabéns, pela bela resenha.
abração,
Denilson
Sim, Denilson, tem razão. Grato por me alertar para o erro. Abs, MauroF
Enfim um cd a altura de uma grande estrela, como é a nossa querida Cláudia
Obrigado Mauro. Vou comprar, claro! Comprarei porque, alem do CD ter varias musicas que eu nao conheco, sempre confio nas suas dicas.
Um abraco.
Rodolfo
Caro Mauro, foi maravilhoso poder produzir esse disco da Claudia. Ela está cantando muito e está feliz com esta nova fase.
Mauro, poxa...
Louco por você é uma das minhas favoritas de Caetano. É um primor. Vânia Bastos gravou em seu disco cantando Caetano tb, mas difícil superar a gravação do próprio (que foi alterada na caixa Todo Caetano, infelizmente).
Maravilha, Cláudia!!! E já, já, tem o da Gal!!!!
Bela resenha, Mauro, um disco que, juntamente com o de Gal, causa um frisson nos fãs do maravilhoso poeta baiano. Não concordo qdo vc diz que "Pele" é uma canção "menor", mas de fato a lindíssima poesia ( coisa para se colocar num quadro, que, por sinal,é o que ainda farei) supera a música. E "Luzes" é uma beleza, conheço com o Nouvelle, Caetano fez uma canção para o grupo que parece ter sido feita pelo grupo, de tão parecida com o próprio, tem a "cara" do Nouvelle. Caetano é show, Cláudia deu show, nesta semana que já encomendo o disco.
Excelente notícia, Mauro!
Gostaria de acrescentar que esse é o seu primeiro álbum em 13 anos aqui no Brasil. Pois em 2003 ela lancou na Europa o CD "A Lua Luará", com músicas do compositor finlandês Heikki Sarmanto letradas por Fernando Brant, e assinando como Claudya de Oliveira.
Felicidade tamanha esse CD da Cláudia.
E o trabalho do Thiago vai virar grife, hein!
O cara tá certando todas!
Curiosíssimo por esse disco! Parabéns mais uma vez ao Thiago e ao Zé Pedro!
O Zé Pedro tem acertado em cheio nos lançamentos dele, quero ouvir esse.
E Mauro, vai rolar resenha do CD da Marya Bravo cantando Zé Rodrix? Ouvi o disco na página dela no facebook e tá fantástico!
Vai sim, Felipe. Mas somente semana que vem. Abs, MauroF
Mauro, que disco é esse?, que arranjos são aqueles?, que músicas, que maravilha!!! Parabéns a todos os envolvidos, à Tratore e à Cláudia por um disco soberbo e praticamente perfeito. Desde já é um candidato a um dos melhores do ano...
Achei o disco excessivamente sóbrio... Claudia bem podia ter dado uma leveza maior.
Comprei o CD hj e babei. Finalmente um trabalho `a altura da voz de Cláudia. Desde Evita não a via tão bem. E vc tem razão: com menos 'floreios' a cantora alcançou registro mais substantivo, agradável e arejado - sem perder a verve. Como os grandes intérpretes.
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