Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Literalmente lúcidas, 12 cantoras repaginam a modernidade de Marina Lima

Resenha de CD
Título: Literalmente loucas - As Canções de Marina Lima
Artista: Vários
Gravadora: Joia Moderna
Cotação: * * * 

 O cancioneiro de Marina Lima tem assinatura tão pessoal e intransferível que é preciso boa dose de loucura e coragem para arriscar releitura das músicas dessa compositora de origem piauiense, mas alma carioca. Daí o acerto de Literalmente loucas - As canções de Marina Lima, projeto lançado pela gravadora Joia Moderna neste mês de agosto de 2011. Idealizado pelo DJ Zé Pedro e concretizado por Patricia Palumbo, o disco apresenta regravações de 12 músicas pouco ouvidas de Marina Lima nas vozes de 12 cantoras da nova geração indie do pop nacional. A unidade estética do disco surpreende, já que cada intérprete teve autonomia para fazer sua gravação como (e com quem) bem entendesse. Literalmente lúcidas, elas reprocessam a modernidade da obra de Marina em tom contemporâneo. A rigor, as canções reunidas em Literalmente loucas não são as mais inspiradas da artista. Mas muito do charme do disco vem dessa opção pelo lado B - o que evita comparações, já que os registros originais de Marina não estão vivos na memória. Aliás, Memória fora de hora (Marina Lima e Antonio Cícero, 1979) é a música que abre o disco na voz de Tulipa Ruiz. Em sintonia com a letra que cita o Rio de Janeiro ("Cidade entre morro e mar" na definição de um dos versos de Cícero), a cantora-sensação de 2010 envolve o tema em atmosfera que remete ao batidão do funk carioca sem exalar o frescor do canto de Tulipa. Na sequência, Andreia Dias aborda Quem é esse rapaz (Marina Lima e Antonio Cícero, 1981) em registro pontuado por guitarras que evocam o som kitsch cunhado por Fernando Catatau em vários discos dos anos 2000. Esse som é, de certa forma, o elo entre algumas faixas, aparecendo também na guitarra posta por Junior Boca em Por querer (Todas) (Marina Lima, Nico Rezende e Antonio Cícero, 1975). Música entregue a Bárbara Eugenia, Por querer (Todas) resultou em faixa de tom explicitamente pop que evoca o som sintetizado dos anos 80, uma das marcas da música de Marina Lima a partir do álbum Fullgás (1984). Meu doce amor (Marina Lima e Duda Machado, 1977) - a primeira música de Marina gravada em disco, no caso por Gal Costa no álbum Caras e bocas (1977) - sangra no canto passional de Márcia Castro. Confessional (Marina Lima, 1987) se destaca no disco mais pela textura impressa no disco pelo grupo Tono na faixa do que pela interpretação em si de Karina Zeviani. Já Bobagens, meu filho, bobagens (Marina Lima e Antonio Cícero, 1983) - música que chegou a ser gravada por Thalma de Freitas para o projeto, mas que acabou sendo incluída no CD no registro feito na última hora por Graziela Medori - passa batido porque, a rigor, a música é das mais fracas da lavra de Marina, a ponto de nunca ter sido gravada pela autora. À meia voz (Marina Lima e Antonio Cícero,  1996) se revela mais sedutora no tributo por conta das estranhezas da gravação de Anelis Assumpção. Já O meu sim (Marina Lima e Antonio Cícero, 1991) cai bem no tom suave de Nina Becker enquanto Tão fácil (Marina Lima e Antonio Cícero, 1979) faz pulsar a veia roqueira que move parte da obra de Marina. A gravação - uma das melhores do disco - é de Karina Buhr, integrante do atual time de parceiros da compositora carioca. Já Iara Rennó reaviva Alma caiada (Marina Lima e Antonio Cícero, 1979) - música lançada por Zizi Possi, mas originalmente dada a Maria Bethânia, impedida pela censura de a registrar no álbum Pássaro proibido (1976) - sem jamais evocar o espírito de Marina Lima. Espírito que reaparece nítido no registro de Seu nome (Marina Lima e Antonio Cícero, 1981), feito por Joana Flor em ritmo de samba, mas no tom contemporâneo do projeto. Por fim, Claudia Dorei radicaliza ao refazer O solo da paixão (Marina Lima e Antonio Cícero, 1996) em clima eletrônico de trip-hop. No todo, Literalmente loucas - As canções de Marina Lima se revela coeso e dilui a impressão de que a gravadora Joia Moderna é casa que abriga somente grandes cantoras veteranas já sem teto em um mercado fonográfico literalmente louco. Devidamente repaginado, mesmo que de modo eventualmente irregular, o lado B (de inspiração também irregular...) de Marina Lima reitera a modernidade atemporal da artista.

15 comentários:

Mauro Ferreira disse...

O cancioneiro de Marina Lima tem assinatura tão pessoal e intransferível que é preciso boa dose de loucura para arriscar releitura das músicas da compositora carioca. Daí o acerto de Literalmente Loucas - As Canções de Marina Lima, projeto lançado pela gravadora Joia Moderna neste mês de agosto de 2011. Idealizado pelo DJ Zé Pedro e concretizado por Patricia Palumbo, o disco apresenta regravações de 12 músicas pouco ouvidas de Marina Lima nas vozes de 12 cantoras da nova geração indie do pop nacional. A unidade estética do disco surpreende, já que cada intérprete teve autonomia para fazer sua gravação como (e com quem) bem entendesse. Literalmente lúcidas, elas reprocessam a modernidade da obra de Marina em tom contemporâneo. A rigor, as canções reunidas em Literalmente Loucas não são as mais inspiradas da artista. Mas muito do charme do disco vem dessa opção pelo lado B - o que evita comparações, já que os registros originais de Marina não estão vivos na memória. Aliás, Memória Fora de Hora (Marina Lima e Antonio Cícero, 1979) é a música que abre o disco na voz de Tulipa Ruiz. Em sintonia com a letra que cita o Rio de Janeiro ("Cidade entre morro e mar" na definição de um dos versos de Cícero), a cantora-sensação de 2010 envolve o tema em atmosfera que remete ao batidão do funk carioca sem exalar o frescor do canto de Tulipa. Na sequência, Andreia Dias aborda Quem É Esse Rapaz (Marina Lima e Antonio Cícero, 1981) em registro pontuado por guitarras que evocam o som kitsch cunhado por Fernando Catatau em vários discos dos anos 2000. Esse som é, de certa forma, o elo entre algumas faixas, aparecendo também na guitarra posta por Junior Boca em Por Querer (Todas) (Marina Lima, Nico Rezende e Antonio Cícero, 1975). Música entregue a Barbara Eugênia, Por Querer (Todas) resultou em faixa de tom explicitamente pop que evoca o som sintetizado dos anos 80, uma das marcas da música de Marina Lima a partir do álbum Fullgás (1984). Meu Doce Amor (Marina Lima e Duda Machado, 1977) - a primeira música de Marina gravada em disco, no caso por Gal Costa no álbum Caras e Bocas (1977) - sangra no canto passional de Márcia Castro. Confessional (Marina Lima, 1987) se destaca no disco mais pela textura impressa no disco pelo grupo Tono na faixa do que pela interpretação em si de Karina Zeviani. Já Bobagens, Meu Filho, Bobagens (Marina Lima e Antonio Cícero, 1983) - música que chegou a ser gravada por Thalma de Freitas para o projeto, mas que acabou sendo incluída no CD no registro feito na última hora por Graziela Medori - passa batido porque, a rigor, a música é das mais fracas da lavra de Marina, a ponto de nunca ter sido gravada pela autora. À Meia Voz (Marina Lima e Antonio Cícero, 1996) se revela mais sedutora no tributo por conta das estranhezas da gravação de Anelis Assumpção. Já O Meu Sim (Marina Lima e Antonio Cícero, 1991) cai bem no tom suave de Nina Becker enquanto Tão Fácil (Marina Lima e Antonio Cícero, 1979) faz pulsar a veia roqueira que move parte da obra de Marina. A gravação - uma das melhores do disco - é de Karina Buhr, integrante do atual time de parceiros da compositora carioca. Já Iara Rennó reaviva Alma Caiada (Marina Lima e Antonio Cícero, 1979) - música lançada por Zizi Possi, mas originalmente dada a Maria Bethânia, impedida pela censura de a registrar no álbum Pássaro Proibido (1976) - sem evocar o espírito de Marina Lima. Espírito que reaparece nítido no registro de Seu Nome (Marina Lima e Antonio Cícero, 1981), feito por Joana Flor em ritmo de samba, mas no tom contemporâneo do projeto. Por fim, Claudia Dorei radicaliza ao refazer O Solo da Paixão (Marina Lima e Antonio Cícero, 1996) em clima eletrônico de trip-hop. No todo, Literalmente Loucas - As Canções de Marina Lima se revela coeso e dilui a impressão de que a gravadora Joia Moderna é casa que abriga somente grandes cantoras veteranas sem teto no mercado fonográfico, este, sim, literalmente louco. Devidamente repaginado, o lado B de Marina Lima reitera a modernidade atemporal da artista.

KL disse...

nunca um título foi tão feliz no sentido de definir, em duas palavras, essas cantoras da Geração Photoshop: muita pose, carinhas blasé, muito delay, muito reverber, trabalhos "autorais", u certo visual meio hippie programado por computador, muita "ousadia" poética nas "letras", muita "despretensão" nos (des)arranjos e muita, muita desafinação regada a Sound Forge.
Marina, mesmo já sem nenhuma voz, consegue colocar todas essas no bolso em 5 segundos.

Antonio Gauderio disse...

Esse projeto deixa claro a quantidade de novas cantoras que esse país tem e poderia apresentar, sem pensar que muitas ficaram de fora. Melhores ou piores que Marina Lima, elas vieram para fazer diferença e fazem. Que venham muitas mais para tentar acabar com o monopólio das três ou quatro de sempre.

Marcelo Barbosa disse...

Típico de disco dispensável para mim. Gosto da Marina, mas esse elenco eu passo sem pestanejar.

lurian disse...

Tem um punhado de cantoras interessantes e projetos autorais idem KL, a música popular brasileira anda... Acho um Projeto digno, mas só comentarei a posteriori, após ouvir o disco!

KL disse...

Iurian,

Aponte-me, pelo menos, um projeto autoral interessante entre essas da Geração Photoshop, e eu peço sinceras desculpas em público. Sim, concordo em parte com você: "A música popular brasileira anda"...bem devagar.

Marcelo disse...

O problema desse projeto não é ser Lado B, e sim a escolha do repertório. Escolheram a dedo as menos expressivas e as menos inspiradas. É muito além de lado B. Marina tem lados B maravilhosos, mas não essas que escolheram!!

Luca disse...

Fui na Cultura esta semana e não encontrei o disco, também não achei o Feiticeira.

mesmo sem ter ouvido, entendo que essa mania de querer botar músicas desconhecidas em excesso atrapalham mesmo o disco. Já pensou uma delas cantando Criança? Grávida?

Pedro Progresso disse...

Estou curioso pra ouvir. Adoro todas essas canções (até "Bobagens, meu filho..." que é um primor na voz de Caetano - imitando Marina na gravação!).

Mas se a melhor gravação é de Karina Buhr, é pq tem coisa errada aí. Ainda não superei o Eu Menti pra você" que é um dos discos mais chatos que ouvi na vida.

lurian disse...

O Disco da Bárbara Eugênia é muito bom, por exemplo...repertório, letras e interpretação. Agora se sua mpb é aquela tradicionalíssima esqueça. Há coisas novas em escala mundial acontecendo e influenciando nossa música como sempre fora. Bárbara, por exemplo, tem gosto de Sèrge Gainsboug, de chanson francesa, e de outras vibes pop's reprocessadas. Ouvidos abertos aos novos sons ou virarão Tinhorão!!!

KL disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
KL disse...

Iurian,

Por sua sugestão, ouvi há pouco Bárbara, e com toda a certeza não tem nada a ver com o grande Serge Gainsbourg, um dos meus artistas prediletos, muito menos com Françoise Hardy ou Brigitte Bardot, milhões de quilômetros à frente.
Além daquele mesmo sonzinho furreca da geração Photoshop Blasé, sem arranjo, o que você chamou de letra na verdade segue a tendência atual de não escrever coisa-com-coisa, ou seja, tem a mesma complexidade do diário de uma adolescente alienada, movida a McDonalds.


Abraço!

lurian disse...

Bom KL discordo de vc, e acho que boa parte dos criticos do cd tbm discordarão. Todos viram um "Q" de chanson francesa no disco dela. Não se trata de uma cópia... mas uma influência presente.

[ ]'s

KL disse...

Iurian,

Com ou sem influência da chansong, a "música" que ela faz é muito ruim. Primária em todos os sentidos.

Abraço!

Santana Filho disse...

Concordo com muita coisa do KL. A celebração da mediocridade nunca foi tão evidente. Tem muito REI NU sendo aplaudido pela excelência do figurino.

Quanto ao CD, vou conferir; não resisto `a Marina Lima (mesmo q por vias tortas).