Título: Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga
Autor: Gustavo Alonso
Editora: Record
Cotação: * * * *
A capa e o título do livro Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga dão a impressão de que se trata de mais uma biografia de Wilson Simonal (1938 - 2000). Pista falsa. Ainda bem, pois a trajetória controvertida do cantor já foi alvo de biografia definitiva, Nem Vem que Não Tem - A Vida e o Veneno de Wilson Simonal (Editora Globo, 2009), escrita pelo jornalista Ricardo Alexandre. Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga é a edição em livro de tese do historiador fluminense Gustavo Alonso que, a partir de reflexão sobre a repercussão do envolvimento de Simonal com o poder do Governo Militar, questiona a memória da resistência na MPB. O livro é excelente. Sem usar linguagem acadêmica, mas com extensa pesquisa que fundamenta todos os argumentos da tese, o autor discorre sobre os paradoxos dessa memória, defendendo que Simonal foi severamente punido por não ter se comportado de acordo com os estatutos ditados por uma esquerda que, às vezes, se portou de forma tão totalitária quanto o regime direitista que combatia. Em tese, Simonal foi condenado não somente por sua suposta aliança com o poder truculento do Dops (o órgão repressor do regime ditatorial que vigorou no Brasil de 1964 a 1985), mas por pregar na sua música e na sua vida uma alegria que era inadmissível na ala da esquerda. Alonso mostra como essa patrulha ideológica era exercida com especial rigor quando se tratava de artistas negros que driblavam os obstáculos raciais e galgavam as paradas de sucessos. A estes, cabia somente o papel da militância em favor dos irmãos de cor. Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga somente não é um livro revolucionário porque a memória da resistência na MPB já foi questionada com muita propriedade por Paulo César Araújo (autor da proibida biografia de Roberto Carlos) no essencial livro Eu Não Sou Cachorro, Não (Record, 2003). Araújo - que não por acaso assina o texto da orelha do livro de Alonso - já tinha mostrado que a MPB prefere esquecer que Jorge Ben Jor compôs no auge da repressão música ufanista chamada Brasil, Eu Fico, gravada não pelo autor, mas por um inconsequente Simonal. Contudo, justiça seja feita, o foco de Araújo era outro - mostrar que os cantores e compositores ditos cafonas também foram alvos da censura - e Alonso dá todos os devidos créditos ao colega quando aborda questões semelhantes como o esquecimento da música adesista de Jorge Ben. Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga resulta verdadeiramente original quando defende os valores musicais da Pilantragem, o efêmero movimento arquitetado pelo jornalista e compositor Carlos Imperial (1935 - 1992) nos anos 60 que aglutinou músicos como o pianista César Camargo Mariano, mestres em reprocessar o suingue brasileiro com informações deglutidas no universo pop internacioanl que começava a tomar forma naquela década. Simonal deu voz à Pilantragem, movimento (pop)ular que o autor argumenta ser irmão conceitual da antropofágica Tropicália. Há certo exagero nessa comparação, (embora ela jamais seja refutada por um arquitetos da Tropicália, Caetano Veloso, em depoimento ao autor), mas, ao mostrar o envolvimento de tantos talentos na Pilantragem, Alonso demole o conceito de que a música surgida naquele movimento fosse o lixo que a elite da MPB parece querer varrer para debaixo de seu luxuoso tapete. Há também certo exagero de Alonso no questionamento da memória da resistência que glorifica Chico Buarque como combatente do regime (até porque a obra resistente do compositor fala por si só), mas Alonso tem a salutar coragem de expor o endeusamento ainda persistente de Chico na mídia e de mostrar como a imagem do artista resistente foi construída - à revelia de Chico - com boas doses de marketing na Itália, durante o autoexílio do compositor naquele país. Enfim, Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga é livro originado de uma tese acadêmica, ou seja, defende um ponto de vista específico. Mas tal defesa é feita com tamanha eloquência - embasada em dados e fatos criteriosamente expostos ao longo da tese - que a leitura de Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga se torna obrigatória por todos que se interessam pela música brasileira e pelo questionamento dos mitos alimentados pela história oficial da tal MPB.
8 comentários:
A capa e o título do livro Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga dão a impressão de que se trata de mais uma biografia de Wilson Simonal (1938 - 2000). Pista falsa. Ainda bem, pois a trajetória controvertida do cantor já foi alvo de biografia definitiva, Nem Vem que Não Tem - A Vida e o Veneno de Wilson Simonal (Editora Globo, 2009), escrita pelo jornalista Ricardo Alexandre. Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga é a edição em livro de tese do historiador fluminense Gustavo Alonso que, a partir de reflexão sobre a repercussão do envolvimento de Simonal com o poder do Governo Militar, questiona a memória da resistência na MPB. O livro é excelente. Sem usar linguagem acadêmica, mas com extensa pesquisa que fundamenta todos os argumentos da tese, o autor discorre sobre os paradoxos dessa memória, defendendo que Simonal foi severamente punido por não ter se comportado de acordo com os estatutos ditados por uma esquerda que, às vezes, se portou de forma tão totalitária quanto o regime direitista que combatia. Em tese, Simonal foi condenado não somente por sua suposta aliança com o poder truculento do Dops (o órgão repressor do regime ditatorial que vigorou no Brasil de 1964 a 1985), mas por pregar na sua música e na sua vida uma alegria que era inadmissível na ala da esquerda. Alonso mostra como essa patrulha ideológica era exercida com especial rigor quando se tratava de artistas negros que driblavam os obstáculos raciais e galgavam as paradas de sucessos. A estes, cabia somente o papel da militância em favor dos irmãos de cor.
Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga somente não é um livro revolucionário porque a memória da resistência na MPB já foi questionada com muita propriedade por Paulo César Araújo (autor da proibida biografia de Roberto Carlos) no essencial livro Eu Não Sou Cachorro, Não (Record, 2003). Araújo - que não por acaso assina o texto da orelha do livro de Alonso - já tinha mostrado que a MPB prefere esquecer que Jorge Ben Jor compôs no auge da repressão música ufanista chamada Brasil, Eu Fico, gravada não pelo autor, mas por um inconsequente Simonal. Contudo, justiça seja feita, o foco de Araújo era outro - mostrar que os cantores e compositores ditos cafonas também foram alvos da censura - e Alonso dá todos os devidos créditos ao colega quando aborda questões semelhantes como o esquecimento da música adesista de Jorge Ben. Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga resulta verdadeiramente original quando defende os valores musicais da Pilantragem, o efêmero movimento arquitetado pelo jornalista e compositor Carlos Imperial (1935 - 1992) nos anos 60 que aglutinou músicos como o pianista César Camargo Mariano, mestres em reprocessar o suingue brasileiro com informações deglutidas no universo pop internacioanl que começava a tomar forma naquela década. Simonal deu voz à Pilantragem, movimento (pop)ular que o autor argumenta ser irmão conceitual da antropofágica Tropicália. Há certo exagero nessa comparação, (embora ela jamais seja refutada por um arquitetos da Tropicália, Caetano Veloso, em depoimento ao autor), mas, ao mostrar o envolvimento de tantos talentos na Pilantragem, Alonso demole o conceito de que a música surgida naquele movimento fosse o lixo que a elite da MPB parece querer varrer para debaixo de seu luxuoso tapete. Há também certo exagero de Alonso no questionamento da memória da resistência que glorifica Chico Buarque como combatente do regime (até porque a obra resistente do compositor fala por si só), mas Alonso tem a salutar coragem de expor o endeusamento ainda persistente de Chico na mídia e de mostrar como a imagem do artista resistente foi construída - à revelia de Chico - com boas doses de marketing na Itália, durante o autoexílio do compositor naquele país. Enfim, Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga é livro originado de uma tese acadêmica, ou seja, defende um ponto de vista específico. Mas tal defesa é feita com tamanha eloquência - embasada em dados e fatos criteriosamente expostos ao longo da tese - que a leitura de Simonal Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga se torna obrigatória por todos que se interessam pela música brasileira e pelo questionamento dos mitos alimentados pela história oficial da tal MPB.
Chico é endeusado porque sua obra é divina, ora. E desculpe, querer comparar Tropicalismo com Pilantragem é falta de noção. Quem eram os compositores do Tropicalismo? Gil e Caetano. Quem era o da Pilantragem? Carlos Imperial. Isso para mim já derruba qualquer argumento.
Esse livro foi uma empolgante surpresa. Em busca de informações complementares à biografia anterior do Simonal, encontrei muito mais que isso, um livro-tese sobre as ironias e os mal entendidos que o Brasil cometeu na época da ditadura ( e ainda comete ?). Esquerda e direita muitas vezes são a mesma coisa quando o assunto é patrulhamento.
A História e as estórias existem pra isso. Acho válida a tentativa de reerguer a imagem de Simonal, mas tem umas coisas que não emplacam por mais que se tente...
O momento exigia artistas engajados politicamente; quem assim não o fez pagou o preço e assim sempre será. Os compositores lembrados serão sempre aqueles que foram representativos desde momento. Quanto às discussões de raça... acho esse discurso/argumento um tanto piegas pois tivemos muitos negros de sucesso nos anos 60 e nem todos eram politizados. Aliás, no Brasil, se sempre houve um espaço onde o negro pode apresentar um pouco mais de liberdade e ser reconhecido foi na música...
A Pilantragem que me desculpe, mas o Tropicalismo é fundamental.
Sou fã do Simonal, mas esse soerguimento de sua imagem comete muitos exageros.
Vestiram o homem de azul!
PS: Ouvindo "Defunto Caguete" do Bezerra. :>)
Caro Mauro: se não me engano, o próprio Ricardo Alexandre cita a tese em seu livro, dizendo que foi importante em "Nem vem..." e criticando o fato da tese não ter sido publicada.
Fora isso, devo repetir o que comentei no post resenhando a biografia: Simonal se meteu a besta de brincar com coisa seríssima. Ficou bem longe de ser o símbolo da "pilantragem", como Imperial preconizava. Deu uma de bobo.
Só que acho muito real e triste a conclusão a que Ricardo Alexandre chega: ver que Simona não conseguiu fazer a travessia de "cantor que servia à ditadura" para "símbolo da resistência".
Coisa que Elis (cantou nas Olimpíadas do Exército, em 1972) e Ivan Lins (o suposto ufanismo de "O amor é meu país") fizeram à perfeição.
Tanto que até hoje há aquele papo para boi dormir de que "Elis foi morta pela ditadura" e tal e coisa.
Felipe dos Santos Souza
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