Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Safra autoral de Lenine impede renovador 'Chão' de chegar perto do céu

Resenha de CD
Título: Chão
Artista: Lenine
Gravadora: Casa 9 / Universal Music
Cotação: * * * 1/2

Guiado pela disposição de incorporar sons da intimidade cotidiana em sua música, Lenine dá passo adiante em sua obra com Chão, quinto álbum de inéditas de discografia solo iniciada em 1997. A arquitetura sonora do disco impressiona pelo acabamento perfeito. Os sons da vida caseira do artista se harmonizam com timbres e  instrumentos mais usuais - como a guitarra, o baixo e o violão - em arranjos que resultam renovadores. A batida da máquina de lavar inserida em Seres Estranhos parece pulsar no ritmo da parceria de Lenine com Ivan Santos. Assim como o coração de Bruno Giorgi - produtor do álbum ao lado de Jr. Tostoi e Lenine - bate na frequência exata de Se Não For Amor, Eu Cegue. Tudo soa natural como o canto do canário belga - Frederico XI, da sogra do cantor - que pontua a bela balada Amor É pra Quem Ama (Lenine e Ivan Santos), cuja letra incorpora versos ("Qualquer amor já é / Um pouquinho de saúde / Um descanso na loucura") ditos por Riobaldo no livro Grandes Sertões: Veredas, a obra-prima de João Guimarães Rosa (1908 - 1967). Os passos que adornam Chão - a parceria de Lenine com Lula Queiroga que abre o disco - indicam que o cantor, compositor e músico segue o caminho salutar da experimentação, sem procurar repetir fórmulas e sons já testados. O que impede Chão de chegar perto do céu - para citar o verso inicial da faixa-título - é o caráter mediano da safra de dez inéditas apresentadas pelo artista neste álbum íntimo, gravado sem bateria e com as guitarras marcantes de Tostoi. São músicas compostas com ousadia, sem refrãos e repetição de versos, distantes da fórmula pop. A questão é que - com exceção da balada Amor É pra Quem Ama, estrategicamente escolhida para promover o disco - nenhuma música parece à altura do histórico do compositor. E o fato é que a balada Uma Canção e Só (Lenine) impressiona mais pela pressão da chaleira na arquitetura do arranjo. Assim como a motoserra utilizada em Envergo Mas Não Quebro (Lenine e Carlos Rennó) chama mais atenção do que a música em si. Na sequência, Malvadeza (Lenine) harmoniza o canto de cigarras com a voz e os vocais curtidos do intérprete. Se Tudo que me Falta, Nada que me Sobra (Lenine e Lucky Luciano) evoca  fraseados melódicos típicos do compositor, em arranjo de ritmo ditado pela pulsação do vigoroso bandolim tocado por Bruno Giorgi, De Onde Vem a Canção (Lenine) questiona as origens e os limites da canção na batida de uma máquina de escrever. No fim, Isso É Só o Começo (Lenine e Carlos Rennó) costura todos os atípicos sons íntimos usados ao longo do disco, se conectando ao início de Chão como se os dez temas do álbum formassem uma única suíte. No todo, por mais que seu repertório não ofereça o melhor do artista, Chão sustenta seu conceito e mostra que Lenine está em movimento, seguindo a trilha consagradora dos que nunca se deixam paralisar no caminho viciante da repetição. Bravo!

16 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Guiado pela disposição de incorporar sons da intimidade cotidiana em sua música, Lenine dá passo adiante em sua obra com Chão, quinto álbum de inéditas de discografia solo iniciada em 1997. A arquitetura sonora do CD impressiona pelo acabamento perfeito. Os sons da vida caseira do artista se harmonizam com timbres e instrumentos mais usuais - como a guitarra, o baixo e o violão - em arranjos que resultam renovadores. A batida da máquina de lavar inserida em Seres Estranhos parece pulsar no ritmo da parceria de Lenine com Ivan Santos. Assim como o coração de Bruno Giorgi - produtor do álbum ao lado de Jr. Tostoi e Lenine - bate na frequência exata de Se Não For Amor, Eu Cegue. Tudo soa natural como o canto do canário belga - Frederico XI, da sogra do cantor - que pontua a bela balada Amor É pra Quem Ama (Lenine e Ivan Santos), cuja letra incorpora versos ("Qualquer amor já é / Um pouquinho de saúde / Um descanso na loucura") ditos por Riobaldo no livro Grandes Sertões: Veredas, a obra-prima de João Guimarães Rosa (1908 - 1967). Os passos que adornam Chão - a parceria de Lenine com Lula Queiroga que abre o disco - indicam que o cantor, compositor e músico segue o caminho salutar da experimentação, sem procurar repetir fórmulas e sons já testados. O que impede Chão de chegar perto do céu - para citar o verso inicial da faixa-título - é o caráter mediano da safra de dez inéditas apresentadas pelo artista neste álbum íntimo, gravado sem bateria e com as guitarras marcantes de Tostoi. São músicas compostas sem refrãos e sem repetição de versos, distantes da fórmula pop. A questão é que - com exceção da balada Amor É pra Quem Ama, estrategicamente escolhida para promover o disco - nenhuma música parece à altura do histórico do compositor. E o fato é que a balada Uma Canção e Só (Lenine) impressiona mais pela pressão da chaleira na arquitetura do arranjo. Assim como a motoserra utilizada em Envergo Mas Não Quebro (Lenine e Carlos Rennó) chama mais atenção do que a música em si. Na sequência, Malvadeza (Lenine) harmoniza o canto de cigarras com a voz e os vocais curtidos do intérprete. Se Tudo que me Falta, Nada que me Sobra (Lenine e Lucky Luciano) evoca fraseados melódicos típicos do compositor, em arranjo de ritmo ditado pela pulsação do vigoroso bandolim tocado por Bruno Giorgi, De Onde Vem a Canção (Lenine) questiona as origens e os limites da canção na batida de uma máquina de escrever. No fim, Isso É Só o Começo (Lenine e Carlos Rennó) costura todos os atípicos sons íntimos usados ao longo do disco, se conectando ao início de Chão como se os dez temas do álbum formassem uma única suíte. No todo, por mais que seu repertório não ofereça o melhor do artista, Chão sustenta seu conceito e mostra que Lenine está em movimento, seguindo a trilha consagradora dos que nunca se deixam paralisar no caminho viciante da repetição. Bravo!

Start disse...

eu li REFRÃOS?

Guilherme disse...

Pois é. A experimentação, nesse caso, por mais interessante que seja, não foi tão musicalmente arrebatadora quanto o trabalho que Lenine fez em "Breu", trilha sonora do Grupo Corpo de 2007. Lá a experimentação e a estranheza andaram juntinhas com a inspiração melódica.

Felipe Grilo disse...

Start, o plural de refrão é refrãos ou refrães, o mais usado popularmente é refrões, que é o único modo não aceito pelos dicionários. Deixando a aula de português de lado, quero ouvir o disco, Lenine é muito bem vindo.

Anônimo disse...

Nossa, discordo totalmente que a safra de inéditas seja mediana - Envergo, mas não quebro é ótima.
Aliás, todas são boas.
Música sem refrão e sem repetição de verso é defeito?!
É cada uma que a gente ouve/lê.
Recomendo fortemente a todos.

Mauro Ferreira disse...

Não, Zé, não é defeito fazer música sem refrão e sem repetição de versos. A questão é que, na minha opinião, a inspiração melódica é mais rala nessa safra. De todo modo, acho que o texto dava mesmo margem a essa interpretação. Por isso, fiz leve alteração para explicitar que o defeito não está aí, na minha opinião. Grato pela participação. Abs, MauroF

Anônimo disse...

Ahh, tá, Mauro.
Tinha ficado meio pasmo.
Não achei as composições medianas, pelo contrário, achei-as de ótimo nível.
Falo mais das letras.

Abraço.

Anônimo disse...

Para os que não ouviram e têm interesse aí vai um link, foi postado pelo próprio filho dele.
Não precisa baixar nada, é só dá o play.

http://soundcloud.com/bruno-giorgi/lenine-ch-o

PS: Ah, Mauro, o lance da melodia, acho que a idéia era justamente o disco ter, basicamente, uma melodia só.
Um som único - em todos os sentidos.
Daí ser curtinho - 28 minutos.

Luca disse...

Lenine tem músicas excelentes naquele disco o dia em que faremos contato, mas vem caindo disco a disco, só não vê quem não quer ou é fã

leitordomauro disse...

Como é importante a presença do marketing e do "hype" na vida de um artista. Lenine não é melhor nem maior que muitos de sua geração como Moska e Chico César, mas soube se vender como imagem e se tornar um produto comentado nas rodas que interessam, virando lugar comum quando a frase é "grande compositor". Me desculpe, tenho preguiça e não acho essa coisa toda.

Vitor disse...

Tb acho q tem muito marketing, ainda mais depois daquela declaração Blasé no Programa do Jô. "Onde eu poderia falar de johnny cash sem ser pedante?"

Anônimo disse...

Engraçado, Luca, dos primeiros discos do Lenine eu gosto de canções pinçadas.
Passei a ser fã do cara com o Labiata e com esse.

PS: Se aferrar a uma declaração feliz ou infeliz de um artista, ou de qualquer pessoa, é uma baboseira sem igual, Vitor.
Faça isso não, cara.
Olhe o todo.

Vitor disse...

No todo, até hoje nenhum trabalho dele me conquistou, acho tudo muito desinteressante. Não ouvi o cd novo, mas a música q tocou no Jô foi bem chatinha

Start disse...

Resumindo, achei o álbum formidavel, os versos maravilhosos... E obrigado pelo esclarecimento sobre o plural de REFRÃO

KL disse...

um amigo musicista o definiu como "falso cult". É isso aí.

Gustavo :: ovatsuG disse...

Compra quem quer, ouve quem quer. Não acho que seja o melhor trabalho de Lenine, mas se ele tá satisfeito com o resultado, ótimo!
PS: Adoro Lenine, mas Lula Queiroga é muito melhor!!