Título: Chico
Artista: Chico Buarque (em foto de divulgação de Eugênio Sávio)
Local: Palácio das Artes (Belo Horizonte, MG)
Data: 5 de novembro de 2011
Cotação: * * * * 1/2
Agenda da turnê nacional do show Chico em 2011 e 2012:
* 5 a 9 de novembro de 2011 - Palácio das Artes (Belo Horizonte, MG)
* 28 e 29 de novembro de 2011 - Teatro Sesi (Porto Alegre, RS)
* 2 de dezembro de 2011 - Teatro Feevale (Novo Hamburgo, RS)
* 15 a 17 de dezembro de 2011 - Teatro Guaíra (Curitiba, PR)
* 5 a 29 de janeiro de 2012 - Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ)
* 1 a 25 de março de 2012 - HSBC Brasil (São Paulo, SP)
Refletores acesos e tamborins apurados, Chico Buarque está de volta aos palcos - e por consequência ao samba - com a turnê do show Chico, o álbum de inéditas lançado em julho deste ano de 2011. Tal como o disco, o show Chico marcha no tempo maduro e harmonioso do artista. Aos 67 anos, o compositor revolve amores e memórias em roteiro primoroso sem a preocupação de forjar um tom efusivo no encadeamento das dez músicas novas com sucessos que jazem eternos no inconsciente coletivo do Brasil. Reminiscências expostas já na primeira sintomática música do roteiro, Velho Francisco (Chico Buarque, 1987). Em cena, o artista tem a companhia do violão, instrumento tocado em perfeita sintonia com a banda virtuosa regida pelo maestro Luiz Cláudio Ramos. Na sequência do roteiro, De Volta ao Samba (Chico Buarque, 1993) ressurge na cadência suave que dá o tom do show. Nem mesmo a tensão inerente ao versos postos pelo rapper paulista Criolo sobre a melodia de Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973) - "Afasta de mim a biqueira, pai/ Afasta de mim as biate, pai/ Afasta de mim a coqueine, pai/ Pois na quebrada escorre sangue", citados por Chico no instante surpreendente em que o cantor se afasta de seu já alicerçado universo musical para saudar Criolo com a citação e a apresentação de versos como "Evoé, jovem artista! Palmas pro refrão do rapper paulista" - altera substancialmente a pulsação serena do show. A pegada é outra. Já íntima do universo e do tempo do artista, a banda de feras - João Rebouças (piano e teclados), Wilson das Neves (bateria), Jorge Helder (baixo), Marcelo Bernardes (sax, clarinete e flautas), Chico Batera (percussão), Bia Paes Leme (teclados e vocais) e o regente Luiz Cláúdio Ramos (violão) - reproduz no palco o requinte harmônico que pauta o disco Chico, ambientando as músicas antigas nessa atmosfera refinada. O criativo arranjo de Baioque (Chico Buarque, 1972) salta especialmente aos ouvidos por embutir referências ao universo musical que gerou o rock, culminando com citação de My Mammy (Walter Donaldson, Joe Young e Sam M. Lewis), tema teatral de 1918 que o cantor e ator norte-americano Al Jolson (1886 - 1950) popularizou ao trazê-lo para o universo do blues e do rhythm and blues, duas matérias-primas da formação do rock'n'roll. Além das citações dos versos de Criolo e do sucesso de Jolson, o cantor se permite sair de sua zona de conforto autoral ao encenar com Wilson das Neves o charmoso diálogo musical travado pelos cantores Dick Farney (1921 -1987) e Lúcio Alves (1927 - 1993) em Tereza da Praia (Tom Jobim e Billy Blanco, 1954). Cheio de bossa no dueto original, o samba ganha a ginga malandra de Neves, convidado momentos antes para dividir o microfone com o anfitrião em Sou Eu (Chico Buarque e Ivan Lins), samba que também aborda com verve disputa masculina pelo amor de uma mulher. Cria desse universo masculino, a marcha ternária Rubato (Chico Buarque e Jorge Helder, 2011) põe Chico em movimento bissexto em cena como se canto do palco delimitasse o espaço de cada uma das mulheres do Don Juan barato retratado no tema. Contudo, o roteiro coeso de Chico também faz ressoar a voz feminina do compositor em bloco que - sentado ao centro do palco com seu violão, mas sem dispensar a banda - o cantor lança mão de canções escrita sob sua aguçada ótica feminina. Sucessos que são petardos certeiros no coração do público. O Meu Amor (Chico Buarque, 1977) se encadeia com Terezinha (Chico Buarque, 1977) na ópera amorosa que engalfinha corações malandros e despudorados como o da personagem de Sob Medida (Chico Buarque, 1979). Mesmo que o cantor seja falso no teatro do amor, como avisam sete números antes os versos de Choro Bandido (Edu Lobo e Chico Buarque, 1983), são tão bonitas as canções que o show alcança um de seus maiores picos de sedução nesse bloco. Mas, não, o cantor não é falso. Está ali no palco verdadeiro, inteiro em suas limitações vocais, para reiterar a grandeza de obra genial que transita por sambas (Injuriado, Chico Buarque, 1998), boleros (Anos Dourados, Tom Jobim e Chico Buarque, 1986), pseudoblues (Essa Pequena, Chico Buarque 2011), valsas (Nina e Se Eu Soubesse, ambas da safra revelada neste ano de 2011) e toadas (Querido Diário, mais redonda no disco Chico do que no show). Diante dessa grandeza se apequena o erro na letra de Sob Medida, único momento em que o cantor se dirigiu ao público que lotou o mineiro Palácio das Artes na noite de 5 de novembro para ver a estreia nacional do show iluminado por Maneco Quinderé com o habitual bom gosto. Se Ana de Amsterdam (Chico Buarque e Ruy Guerra, 1973) perde certa força teatral, Geni e o Zepelin (Chico Buarque, 1977) paira soberana na cena como um dos grandes momentos do show. Que jamais abre espaço no roteiro para demonstrações individuais de virtuosismo dos músicos e, na sequência, enfileira as lembranças desconexas do samba Barafunda (Chico Buarque, 2011) antes de pegar a estrada do sertão nordestino com A Violeira (Tom Jobim e Chico Buarque, 1983). Ao fim, tal caminho vai dar na África ancestral evocada por Sinhá (Chico Buarque e João Bosco, 2011), fecho para o conto do cantor, arremate grandioso de show que, no bis, entrelaça Sonho de um Carnaval (Chico Buarque, 1965) com A Felicidade (Tom Jobim e Vinicius de Moraes, 1959) antes de sair de cena na batida veloz da já previsível Na Carreira (Chico Buarque e Edu Lobo, 1982). No todo, Chico é (mais um) grande show de Chico Buarque. Em cena, o tempo tem feito bem ao artista.
10 comentários:
Refletores acesos e tamborins apurados, Chico Buarque está de volta aos palcos - e por consequência ao samba - com a turnê do show Chico, o álbum de inéditas lançado em julho deste ano de 2011. Tal como o disco, o show Chico marcha no tempo maduro e harmonioso do artista. Aos 67 anos, o compositor revolve amores e memórias em roteiro primoroso sem a preocupação de forjar um tom efusivo no encadeamento das dez músicas novas com sucessos que jazem eternos no inconsciente coletivo do Brasil. Reminiscências expostas já na primeira sintomática música do roteiro, Velho Francisco (Chico Buarque, 1987). Em cena, o artista tem a companhia do violão, instrumento tocado em perfeita sintonia com a banda virtuosa regida pelo maestro Luiz Cláudio Ramos. Na sequência do roteiro, De Volta ao Samba (Chico Buarque, 1993) ressurge na cadência suave que dá o tom do show. Nem mesmo a tensão inerente ao versos postos pelo rapper paulista Criolo sobre a melodia de Cálice (Chico Buarque e Gilberto Gil, 1973) - "Afasta de mim a biqueira, pai/ Afasta de mim as biate, pai/ Afasta de mim a coqueine, pai/ Pois na quebrada escorre sangue", citados por Chico no instante surpreendente em que o cantor se afasta de seu já alicerçado universo musical - altera substancialmente a pulsação serena do show. Já íntima do universo e do tempo do artista, a banda de feras - João Rebouças (piano e teclados), Wilson das Neves (bateria), Jorge Helder (baixo), Marcelo Bernardes (sax, clarinete e flautas), Chico Batera (percussão), Bia Paes Leme (teclados e vocais) e o regente Luiz Cláúdio Ramos (violão) - reproduz no palco o requinte harmônico que pauta o disco Chico, ambientando as músicas antigas nessa atmosfera refinada. O criativo arranjo de Baioque (Chico Buarque, 1972) salta especialmente aos ouvidos por embutir referências ao universo musical que gerou o rock, culminando com citação de My Mammy (Walter Donaldson, Joe Young e Sam M. Lewis), tema teatral de 1918 que o cantor e ator norte-americano Al Jolson (1886 - 1950) popularizou ao trazê-lo para o universo do blues e do rhythm and blues, duas matérias-primas da formação do rock'n'roll.
Além das citações dos versos de Criolo e do sucesso de Jolson, o cantor se permite sair de sua zona de conforto autoral ao encenar com Wilson das Neves o charmoso diálogo musical travado pelos cantores Dick Farney (1921 -1987) e Lúcio Alves (1927 - 1993) em Tereza da Praia (Tom Jobim e Billy Blanco, 1954). Cheio de bossa no dueto original, o samba ganha a ginga malandra de Neves, convidado momentos antes para dividir o microfone com o anfitrião em Sou Eu (Chico Buarque e Ivan Lins), samba que também aborda com verve disputa masculina pelo amor de uma mulher. Cria desse universo masculino, a marcha ternária Rubato (Chico Buarque e Jorge Helder, 2011) põe Chico em movimento bissexto em cena como se canto do palco delimitasse o espaço de cada uma das mulheres do Don Juan barato retratado no tema. Contudo, o roteiro de Chico também faz ressoar a voz feminina do compositor em bloco que - sentado ao centro do palco com seu violão, mas sem dispensar a banda - o cantor lança mão de canções escrita sob sua aguçada ótica feminina. Sucessos que são petardos certeiros no coração do público. O Meu Amor (Chico Buarque, 1977) se encadeia com Terezinha (Chico Buarque, 1977) na ópera amorosa que engalfinha corações malandros e despudorados como o da personagem de Sob Medida (Chico Buarque, 1979). Mesmo que o cantor seja falso no teatro do amor, como avisam sete números antes os versos de Choro Bandido (Edu Lobo e Chico Buarque, 1983), são tão bonitas as canções que o show alcança um de seus picos de sedução nesse bloco. Mas, não, o cantor não é falso. Está ali no palco verdadeiro, inteiro em suas limitações vocais, para reiterar a grandeza de obra genial que transita por sambas (Injuriado, Chico Buarque, 1998), boleros (Anos Dourados, Tom Jobim e Chico Buarque, 1986), pseudoblues (Essa Pequena, Chico Buarque 2011), valsas (Nina e Se Eu Soubesse, ambas da safra revelada neste ano de 2011) e toadas (Querido Diário, mais redonda no disco Chico do que no show). Diante dessa grandeza se apequena o erro na letra de Sob Medida, único momento em que o cantor se dirigiu ao público que lotou o mineiro Palácio das Artes na noite de 5 de novembro para ver a estreia nacional do show iluminado por Maneco Quinderé com o habitual bom gosto. Se Ana de Amsterdam (Chico Buarque e Ruy Guerra, 1973) perde certa força teatral, Geni e o Zepelin (Chico Buarque, 1977) paira soberana na cena como um dos grandes momentos do show. Que jamais abre espaço para demonstrações individuais de virtuosismo dos músicos e, na sequência, enfileira as lembranças desconexas do samba Barafunda (Chico Buarque, 2011) antes de pegar a estrada do sertão nordestino com A Violeira (Tom Jobim e Chico Buarque, 1983). Ao fim, tal caminho vai dar na África ancestral evocada por Sinhá (Chico Buarque e João Bosco, 2011), fecho para o conto do cantor, arremate grandioso de show que, no bis, entrelaça Sonho de um Carnaval (Chico Buarque, 1965) com A Felicidade (Tom Jobim e Vinicius de Moraes, 1959) antes de sair de cena na pegada veloz da já previsível Na Carreira (Chico Buarque e Edu Lobo, 1982). No todo, Chico é grande show de Chico.
A cobertura deste blog é mesmo irretocável. Obrigado por dividir este show conosco, era realmente algo que eu (e certamente tantos outros brasileiros) queria muito saber. Abraços.
Boa sacada do seu Francisco. Mostra que ele está antenado.
Bom, de qualquer modo, a turnê vai chamar gente às mancheias.
Parafraseando "Febril", de Gil: virá gente aplaudir, e não virá gente vaiar. Capaz até de ter gente subindo nas cadeiras. (risos)
Felipe dos Santos Souza
Mauro, se o show retrata a suavidade e maestria do cd, então é um passeio pelo universo "celestial" da boa música brasileira. Digo isso porque não paro de ouvir o cd que, na minha opinião, é o melhor do CHICO.
Andava meio assim assim com o Chico, mas depois de ler a ÓTIMA entrevista que ele deu na Rolling Stone desse mês eu fiquei de bem do gênio.
A cutucada - bem humorada e aparentemente ingênua, porém ferina - que ele dá em Mano Caetano na penúltima reposta é impagável.
PS: Esse Criolo não é mole, não!
Louca pra que chegue março. Estarei lá com certeza! Valeu pela resenha Mauro, como sempre...
Chico tá cantando coisas que ele não cantava há muitos anos, isso eu acho legal, se não fica tudo sempre igual
Ansiedade incontrolável pra ver o show. Espero que surja Brasília na agenda da turnê.
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Criolo recebeu uma graduação de vida, hein! Não é todo mundo que tem essa moral com Deus (ou Chico, como preferirem), não!
Fiquei até sem ar de ansiedade. Irei no mínimo em 3 shows de SP em março.
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