Título: Solo Memórias
Artista: César Camargo Mariano
Editora: Leya
Cotação: * * * *
Mago dos teclados, o pianista César Camargo Mariano tem toque preciso também na escrita, provado nas 464 páginas de sua autobiografia, Solo Memórias, recém-lançada pela Leya. Dono de estupenda e intuitiva musicalidade, a ponto de ter feito seu pai enfartar quando tocou piano pela primeira vez aos 13 anos, Mariano revolve suas memórias afetivas e musicais com narrativa estilosa - de estrutura simples, mas envolvente como um bom romance - e com sensibilidade que brota em cada recordação dos fatos mais marcantes de sua vida familiar e profissional. É com ternura que Mariano lembra a criação em lar repleto de musicalidade - onde as portas estavam sempre abertas para os músicos como Johnny Alf (1929 - 2010), que lá viveu durante tempo de vacas magras - e com nostalgia que revive seu convívio na Baiuca, o bar-restaurante de São Paulo (SP) onde exercitou seu toque no piano e na vida de músico ao lado de colegas que se tornaram amigos ao longo dos anos, em especial o músico Sabá. A música conduz a narrativa, sem espaço para a exposição mais profunda de questões pessoais vividas com as mulheres - Marisa Gata Mansa (1938 - 2003), Elis Regina (1945 - 1982) e Flávia Oliveira - e filhos. Só que o som de César Camargo Mariano está em discos e movimentos emblemáticos da música brasileira desde os anos 60. O que torna seu Solo literário saboroso. Ao revirar suas memórias, Mariano abre as portas das boates que projetaram os grupos de samba-jazz dos anos 60 e desvenda bastidores de dois trabalhos importantes de Elis. A concepção teatral do show Falso Brilhante - em cartaz de 17 de dezembro de 1975 a 18 de fevereiro de 1977 com lotação sempre esgotada no Teatro Bandeirantes, em São Paulo (SP) - ocupa páginas cativantes na biografia. Assim como a idealização e gravação do disco Elis & Tom (1974), abordado em capítulo em que - sem jamais perder a ternura pelo maestro soberano Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994) - Mariano revela todo o equilíbrio delicado que viabilizou a relação com um inicialmente reticente Tom e, por tabela, possibilitou a concretização do sonho de Elis. O show Saudade do Brasil (1980) também é alvo de memórias, menos detalhistas. Mariano prefere detalhar a paixão de início platônica por Flávia, que se tornaria amor. Regente da vida do maestro, Flávia é a coprotagonista da parte final do livro, quando Mariano conta como se envolveu com os equipamentos digitais em movimento que rendeu shows elogiados como Prisma. É no fim da narrativa que Mariano expressa também o orgulho pelo fato de seus filhos Marcelo Mariano, Pedro Mariano e Maria Rita terem se encontrado no caminho da música. Caminho que o pianista vem seguindo com entrega tamanha que, em muitos momentos, acabou direcionando a vida profissional de colegas como Nana Caymmi. A cantora não teria seu contrato renovado pela gravadora Odeon quando, por sugestão de Mariano, a companhia permitiu que ele gravasse com Nana - num único fim de semana - um disco, Voz & Suor (1983), que na primeira audição faria a Odeon mudar de ideia e renovar o contrato da cantora. Como toda autobiografia, Solo Memórias expõe somente a ótica do protagonista. Pode ser que nem tudo tenha acontecido exatamente da forma como retida pela mente de Mariano. Memórias são sempre subjetivas e inexatas. Mas as de Mariano seduzem pela sensibilidade com que os fatos são narrados e pelo toque estiloso que revela que o pianista também domina a arte da escrita, caso não tenha lançado mão de um ghost writer.
7 comentários:
Mago dos teclados, o pianista César Camargo Mariano tem toque preciso também na escrita, provado nas 464 páginas de sua autobiografia, Solo Memórias, recém-lançada pela Leya. Dono de estupenda e intuitiva musicalidade, a ponto de ter feito seu pai enfartar quando tocou piano pela primeira vez aos 13 anos, Mariano revolve suas memórias afetivas e musicais com narrativa estilosa - de estrutura simples, mas envolvente como um bom romance - e com sensibilidade que brota em cada recordação dos fatos mais marcantes de sua vida familiar e profissional. É com ternura que Mariano lembra a criação em lar repleto de musicalidade - onde as portas estavam sempre abertas para os músicos como Johnny Alf (1929 - 2010), que lá viveu durante tempo de vacas magras - e com nostalgia que revive seu convívio na Baiuca, o bar-restaurante de São Paulo (SP) onde exercitou seu toque no piano e na vida de músico ao lado de colegas que se tornaram amigos ao longo dos anos, em especial o músico Sabá. A música conduz a narrativa, sem espaço para a exposição mais profunda de questões pessoais vividas com as mulheres - Marisa Gata Mansa (1938 - 2003), Elis Regina (1945 - 1982) e Flávia Oliveira - e filhos. Só que o som de César Camargo Mariano está em discos e movimentos emblemáticos da música brasileira desde os anos 60. O que torna seu Solo literário saboroso. Ao revirar suas memórias, Mariano abre as portas das boates que projetaram os grupos de samba-jazz dos anos 60 e desvenda bastidores de dois trabalhos importantes de Elis. A concepção teatral do show Falso Brilhante - em cartaz de 17 de dezembro de 1975 a 18 de fevereiro de 1977 com lotação sempre esgotada no Teatro Bandeirantes, em São Paulo (SP) - ocupa páginas cativantes na biografia. Assim como a idealização e gravação do disco Elis & Tom (1974), abordado em capítulo em que - sem jamais perder a ternura pelo maestro soberano Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994) - Mariano revela todo o equilíbrio delicado que viabilizou a relação com um inicialmente reticente Tom e, por tabela, possibilitou a concretização do sonho de Elis. O show Saudade do Brasil (1980) também é alvo de memórias, menos detalhistas. Mariano prefere detalhar a paixão de início platônica por Flávia, que se tornaria amor. Regente da vida do maestro, Flávia é a coprotagonista da parte final do livro, quando Mariano conta como se envolveu com os equipamentos digitais em movimento que rendeu shows elogiados como Prisma. É no fim da narrativa que Mariano expressa também o orgulho pelo fato de seus filhos Marcelo Mariano, Pedro Mariano e Maria Rita terem se encontrado no caminho da música. Caminho que o pianista vem seguindo com entrega tamanha que, em muitos momentos, acabou direcionando a vida profissional de colegas como Nana Caymmi. A cantora não teria seu contrato renovado pela gravadora Odeon quando, por sugestão de Mariano, a companhia permitiu que ele gravasse com Nana - num único fim de semana - um disco, Voz & Suor (1983), que na primeira audição faria a Odeon mudar de ideia e renovar o contrato da cantora. Como toda autobiografia, Solo Memórias expõe somente a ótica do protagonista. Pode ser que nem tudo tenha acontecido exatamente da forma como retida pela mente de Mariano. Memórias são sempre subjetivas e inexatas. Mas as de Mariano seduzem pela sensibilidade com que os fatos são narrados e pelo toque estiloso que revela que o pianista também domina a arte da escrita, caso não tenha lançado mão de um ghost writer.
Voz e suor é o maior disco da carreira brilhante de Nana Caymmi, e não apenas, talvez o de maior sucesso do César também. Disco premiado no exterior, sobretudo os franceses ficaram apaixonados. É uma obra prima dos dois.
a obra-prima de Nana (que inclusive declarou ser o seu predileto) é o álbum lançado pela CID em 1976, capa com fotos dela na praia. A de Mariano talvez seja aquele da RGE, intitulado "Octeto de César Camargo Mariano", lançado em 1966, ou então todos os que ele gravou com o grupo Som 3.
De qualquer forma, essa autobiografia - em se tratando de um gênio - é leitura obrigatória.
Ave, César!
Uma semana apenas para fazer o supremo "Voz e Suor"?E ainda tem uns loucos q questionam a competência de Nana.Estes dois gênios deveriam repetir essa dobradinha urgentemente.
Errei!Não foi nem numa semana,mas um FIM DE SEMANA.Poxa!Gênio tem que trabalhar e com gênio mesmo."Samambaia"com Hélio Delmiro também é uma obra prima.Discaço!
Há alguns erros no livro. Por exemplo, mesmo que tenha sido escrito que o casamento tenha terminado ali pelo fim de 1980, Cesar ainda continuou trabalhando com Elis por mais seis meses - fora eventuais reconciliações nesse tempo.
Participou, inclusive, do dueto Elis-Gal no conhecido especial da série "Grandes Nomes", além de programas de TV. E, como ele próprio conta, mesmo já separado em definitivo de Elis, foi convocado por Fernando Faro a voar para São Paulo e dar pitacos na montagem dos arranjos de "Trem Azul", o show.
Cesar também escreve que Max Pierre, que produziria o álbum pretendido por Elis para aquele 1982, o convidou para ser o diretor musical do trabalho e fazer alguns arranjos. Cesar, aliás, soube da morte de Elis exatamente quando ia viajar com Max para encontrar-se com ela.
Bem, mas já falei demais. Importa elogiar este livro que transborda sensibilidade. Comum em se tratando de Antônio Cesar Camargo Mariano.
Ah, sim: salvo engano, ele conta que "Samambaia" também saiu num só final de semana, assim como "Voz e suor". Falando neste: há no YouTube um vídeo de Nana e Cesar tocando "Se queres saber", na época de lançamento do álbum. Obrigatório. Só vendo.
Felipe dos Santos Souza
Nana já revelou em entrevista que gravaram Não diga não (Tito Madi) 'no susto', sem ensaios...Quem sabe faz...
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