Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Caixa mostra que canto nacionalista de Inezita extrapolou a moda caipira

Resenha de caixa de CDs
Título: O Brasil de Inezita Barroso
Artista: Inezita Barroso
Gravadora: Microservice (sob licença da EMI Music)
Cotação: * * * * 1/2

Referência de um Brasil interiorano que ainda resiste cambaleante, embora já não tão imune às padronizações e pasteurizações da cultura da globalização, o canto de Inezita Barroso começou a ecoar em 1951, ano em que a intérprete paulista gravou um disco de 78 rotações por minuto na exinta gravadora Sinter. Decorridos 60 anos, o canto de Inezita - símbolo desse seminal Brasil rural - é celebrado e embalado em primorosa caixa produzida por Rodrigo Faour para a Microservice, empresa que vem revitalizando o catálogo de extinta gravadora carioca Copacabana sob licença da EMI Music. Inezita gravou na Copacabana entre 1955 e 1980. Em vez de compilar a produção fonográfica da cantora na companhia, Faour optou acertadamente por reeditar sete álbuns lançados pela artista na Copacabana entre 1955 e 1961. Alvos de exemplar remasterização feita por Carlos Savalla e Luigi Hoffer, os títulos reeditados são Inezita Barroso (1955), Lá Vem o Brasil (1956), Vamos Falar de Brasil (1958), Inezita Apresenta (1958), Canto da Saudade (1959),  Eu me Agarro na Viola... - Inezita sua Viola e seu Violão (1960) e Inezita Barroso Interpreta Danças Gaúchas (1961). Os dois primeiros são discos de 10 polegadas, reunidos no primeiro dos seis CDs da caixa, no qual há texto biográfico de Faour sobre a trajetória musical de Inezita. Os outros cinco são LPs de doze polegadas reeditados com faixas-bônus (com exceção de Inezita Barroso Apresenta). Ao todo, a caixa embala 89 fonogramas remasterizados que montam painel abrangente do  Brasil rural através do canto grave de Inezita Barroso. Embora identificada com a genuína música sertaneja, a cantora registrou repertório que extrapola o universo das modas de viola, das toadas e das canções caipiras. Sem bairrismos ou fronteiras geográficas, Inezita deu voz a temas do folclore nacional e a músicas identificadas com culturas regionais específicas. Não por acaso, o último dos seis CDs da caixa traz o álbum Inezita Barroso Interpreta Danças Gaúchas, na versão de 1961 (a original é de 1955). Alocado no imaginário brasileiro por conta de sucessos como Marvada Pinga (ouvido na caixa na regravação do LP Vamos Falar de Brasil), o repertório nacionalista de Inezita podia abranger - na época desse discos - tanto um canto de escravos (Cantilena, tema tradicional adaptado por Sodré Viana e recolhido por Heitor Villa-Lobos) como uma peça do folclore de Minas Gerais (Minero Tá me Chamano, adaptado por Zé do Norte). Com versatilidade, a cantora pôs voz em músicas de ritmos como congada, galope e boi-bumbá. Mas é inegável que seu canto ruralista - símbolo do Brasil interiorano que ainda reside no imaginário do povo sertanejo - está identificado com a viola e, nesse sentido, o disco Eu me Agarro na Viola... - em que Inezita se acompanha sozinha, se alternando entre a viola e o violão - seja um dos mais representativos da caixa ao lado de Canto da Saudade, disco de irretocável repertório que inclui Sussuarana (Hekel Tavares e Luiz Peixoto, 1928), De Papo pro Ar (Joubert de Carvalho e Olegário Mariano, 1931), Maringá (Joubert de Carvalho, 1932) e até Meu Limão, Meu Limoeiro (em abordagem tradicional, sem o sabor pop da gravação feita por Wilson Simonal na segunda metade dos anos 60, no auge da Pilantragem). Enfim, vale mergulhar no Brasil de Inezita. Até porque a caixa foi produzida com zelo. Cada CD reproduz letras e textos dos álbuns originais, além de trazer comentários da cantora - ainda lúcida e em atividade, aos 86 anos - sobre as faixas. Por nunca ter sido propriamente a moda da vez, o canto nacionalista de Inezita Barroso nunca vai sair de moda.

8 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Referência de um Brasil interiorano que ainda resiste cambaleante, embora já não tão imune às padronizações e pasteurizações da cultura da globalização, o canto de Inezita Barroso começou a ecoar em 1951, ano em que a intérprete paulista gravou um disco de 78 rotações por minuto na exinta gravadora Sinter. Decorridos 60 anos, o canto de Inezita - símbolo desse seminal Brasil rural - é celebrado e embalado em primorosa caixa produzida por Rodrigo Faour para a Microservice, empresa que vem revitalizando o catálogo de extinta gravadora Copacabana sob licença da EMI Music. Inezita gravou na Copacabana entre 1955 e 1980. Em vez de compilar a produção fonográfica da cantora na companhia, Faour optou acertadamente por reeditar sete álbuns lançados pela artista na Copacabana entre 1955 e 1961. Alvos de exemplar remasterização feita por Carlos Savalla e Luigi Hoffer, os títulos reeditados são Inezita Barroso (1955), Lá Vem o Brasil (1956), Vamos Falar de Brasil (1958), Inezita Apresenta (1958), Canto da Saudade (1959), Eu me Agarro na Viola... - Inezita sua Viola e seu Violão (1960) e Inezita Barroso Interpreta Danças Gaúchas (1961). Os dois primeiros são discos de 10 polegadas, reunidos no primeiro dos seis CDs da caixa, no qual há texto biográfico de Faour sobre a trajetória musical de Inezita. Os outros cinco são LPs de doze polegadas reeditados com faixas-bônus (com exceção de Inezita Barroso Apresenta). Ao todo, a caixa embala 89 fonogramas remasterizados que montam painel abrangente do Brasil rural através do canto grave de Inezita Barroso. Embora identificada com a genuína música sertaneja, a cantora registrou repertório que extrapola o universo das modas de viola, das toadas e das canções caipiras. Sem bairrismos ou fronteiras geográficas, Inezita deu voz a temas do folclore nacional e a músicas identificadas com culturas regionais específicas. Não por acaso, o último dos seis CDs da caixa traz o álbum Inezita Barroso Interpreta Danças Gaúchas, na versão de 1961 (a original é de 1955). Alocado no imaginário brasileiro por conta de sucessos como Marvada Pinga (ouvido na caixa na regravação do LP Vamos Falar de Brasil), o repertório nacionalista de Inezita podia abranger - na época desse discos - tanto um canto de escravos (Cantilena, tema tradicional adaptado por Sodré Viana e recolhido por Heitor Villa-Lobos) como uma peça do folclore de Minas Gerais (Minero Tá me Chamano, adaptado por Zé do Norte). Com versatilidade, a cantora pôs voz em músicas de ritmos como congada, galope e boi-bumbá. Mas é inegável que seu canto ruralista - símbolo do Brasil interiorano que ainda reside no imaginário do povo sertanejo - está identificado com a viola e, nesse sentido, o disco Eu me Agarro na Viola... - em que Inezita se acompanha sozinha, se alternando entre a viola e o violão - seja um dos mais representativos da caixa ao lado de Canto da Saudade, disco de irretocável repertório que inclui Sussuarana (Hekel Tavares e Luiz Peixoto, 1928), De Papo pro Ar (Joubert de Carvalho e Olegário Mariano, 1931), Maringá (Joubert de Carvalho, 1932) e até Meu Limão, Meu Limoeiro (em abordagem tradicional, sem o sabor pop da gravação feita por Wilson Simonal na segunda metade dos anos 60, no auge da Pilantragem). Enfim, vale mergulhar no Brasil de Inezita. Até porque a caixa foi produzida com zelo. Cada CD reproduz letras e textos dos álbuns originais, além de trazer comentários da cantora - ainda lúcida e em atividade, aos 86 anos - sobre as faixas. Por nunca ter sido propriamente a moda da vez, o canto nacionalista de Inezita Barroso nunca vai sair de moda.

KL disse...

vale cada centavo!

lurian disse...

Inezita é uma lenda viva. Ela e Ely Camargo há tanto as grandes bandeirantes - pesquisadoras e cantoras do Brasil profundo que tantos desconhecem.

Luca disse...

Gosto quando relançam os álbuns inteiros, coletãneas já tem demais

Anônimo disse...

HUMMM acho que descobriram a música sertaneja de SP de verdade não é mesmo...

Luis disse...

Só quero saber se vai ter "Berceuse da onda que leva o pequenino náufrago", que foi limada do DVD "Ensaio" por causa de direitos autorais.

Se estiver inclusa, eu compro a caixa na hora. Inezita é a rainha do sertão.

EDELWEISS1948 disse...

CAIXA E INEZITA BARROSO MUITO BENVINDA. A MELHOR CANTORA REGIONAL DESSE PAIS JUNTAMENTE COM ELY CAMARGO. PARABENS AO RODRIGO FAOUR

Tombom disse...

Por falar em faixas "limadas"... diz a "Folha de S.Paulo" de hoje, 21/dezembro/2011, no caderno "Ilustrada", em texto assinado pelo jornalista Mauro Preto:
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[...] "Mais graves são casos em que faixas são extirpadas das reedições em CD como se não tivessem existido nos LPs.[...]
[...]O mesmo vai acontecer nos próximos dias, quando uma caixa com álbuns de Inezita Barroso chegar às lojas.
Ficarão de fora os clássicos "Viola Quebrada", que tem letra de Mário de Andrade, e "Azulão" e "Modinha", com versos de Manoel Bandeira.
"Os representantes de Mário de Andrade queriam R$ 4 mil para liberar essa sua parceira, e isso inviabilizaria todo o projeto", diz Rodrigo Faour, outro veterano nas reedições. "Quanto a Manuel Bandeira, ficamos três meses no encalço dos herdeiros e não tivemos resposta."
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Por sorte, tenho em vinil e (velhos) CDs as canções extirpadas. Enquanto a ganância vive, a cultura e a memória morrem à míngua...