Título: De Pés no Chão
Artista: Marcia Castro
Gravadora: Deck
Cotação: * * *
Piada interna nos bastidores musicais dizia que, ao ser lançado pela gravadora Deck neste mês de março de 2012, o segundo álbum de Marcia Castro, De Pés no Chão, corria o risco de ser eleito o melhor disco de 2010. A piada - embebida na ironia que pauta as interpretações da (ótima) cantora baiana para músicas como Vergonha (Luciano Salvador Bahia), uma das poucas inéditas do sucessor de Pecadinho (2007) - se referia ao fato de o disco ter demorado dois anos para chegar ao mercado. Preterido pela Warner Music em 2011, em favor do primeiro álbum da banda Ava, De Pés no Chão confirma o talento e a verve de Marcia Castro, embora seja menos sedutor do que Pecadinho e tenha sido formatado sem a pressão dos shows da artista, vocacionada para os palcos. Em De Pés no Chão, Castro se excede na produção, capitaneada pelo baterista Guilherme Kastrup e pelo guitarrista Rovilson Pascoal em parceria com a cantora. Os arranjos detalhistas - todos criativos e repletos de referências como a evocação do tango pelo acordeom de Ricardo Prato em História de Fogo (Otto e Alessandra Negrini, 2003) - por vezes põem em segundo plano a interpretação de Castro, tornando seu canto menos fervido. O tema de Otto, por exemplo, é aquecido em fogo brando. Pena, pois quem já viu Marcia Castro em cena sabe que suas interpretações cheias de nuances e ironias é que a fizeram se destacar de imediato na cena contemporânea nacional. O toque nordestino da faixa-título, De Pés no Chão, ameniza a pegada do rock lançado por Rita Lee em 1974. "Lacinhos cor-de-rosa ficam bem / Num sapatão / Eu nasci descalça / Pra que tanta pergunta?", questiona Castro ao calçar, livre e assumida, os versos da Ovelha Negra, ouvidos também entre ruídos e loops do remix que encerra o CD De Pés no Chão. Quando a alentada produção do disco peca, é sempre por excesso. As cordas arranjadas por Luiz Brasil em Logradouro, por exemplo, parecem estar sobrando nessa canção da lavra de Kleber Albuquerque com Rafael Altério. Em contrapartida, os sopros orquestrados por Letieres Leite para Preta Pretinha (Moraes Moreira e Luiz Galvão, 1972) estão no lugar certo. Introduzida por inusitada citação de Gererê (Valfredo Reluzente), sucesso do grupo baiano Gera Samba, a serelepe Pretinha entra com propriedade na roda do samba baiano com toques de afrobeats. Também do repertório do grupo Novos Baianos, a pouco ouvida 29 Beijos (Moraes Moreira e Luiz Galvão, 1971) - música lançada pelo coletivo tropicalista em raro compacto e revivida por Castro em dueto com Hélio Flanders - expõe com clareza a atmosfera indie-contemporânea em que Castro ambienta De Pés no Chão. 29 Beijos e Crazy Pop Rock (Gilberto Gil e Jorge Mautner, 1971) - faixa orquestrada com frescor por Letieres Leite, arranjador dos sopros - destacam as presenças definidoras do guitarrista Rovilson Pascoal (antenadíssimo e habilidoso no manejo de múltiplas cordas) e do baterista Guilheme Kastrup, cujo MPC cria a moldura eletrônica de temas como o samba Catedral do Inferno (Cartola e Hermínio Bello de Carvalho, 1974), repaginado por Castro com a mesma aura indie com que envolve outro samba, Nó Molhado (Monsueto Menezes e José Batista). Um terceiro (ótimo) samba - Pois É, Seu Zé (Gonzaguinha, 1973) - se destaca mais ao fim do disco ao equacionar de forma bem mais equilibrada arranjo e interpretação. Equilíbrio também perceptível em Você Gosta (Tom Zé e Hermes Aquino) - faixa sensual em que o disco expõe a malícia presente no canto de Castro - mas nem sempre detectado neste CD que certamente vai ter suas qualidades evidenciadas com mais clareza na pressão do show. É quando põe os pés no chão do palco que Marcia Castro se mostra por inteiro com a força e a pegada nem sempre aparentes neste coerente segundo CD.