Mauro Ferreira no G1

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domingo, 25 de março de 2012

Com estilo, documentário substancial investiga mito do ator-cantor Raul

Resenha de documentário
Título: Raul - O Início, o Fim e o Meio
Direção: Walter Carvalho
Cotação: * * * * 1/2
Documentário em cartaz nos cinemas do Brasil desde sexta-feira, 23 de março de 2012

Dentre os fartos e substanciosos depoimentos colhidos pelo cineasta Walter Carvalho para seu documentário sobre Raul Seixas (1945 - 1989), o do guitarrista Jay Vaquer, que conviveu com o cantor e compositor baiano nos Estados Unidos dos anos 70, talvez seja a chave para decifrar (um pouco) o mito que Carvalho investiga com precisão e estilo no documentário Raul - O Início, o Fim e o Meio, em cartaz nos cinemas brasileiros desde 23 de março de 2012. Após revelar que Raul chegava a tomar tranquilizantes para lidar com os executivos da CBS no período em que trabalhou como produtor musical na gravadora, Vaquer ressalta a habilidade do Maluco Beleza para manter em cena a personagem que lhe deu fama a partir de 1972. Ao argumentar que às vezes Raul Seixas fingia que era Raul Seixas, Vaquer dá pista certeira para se entender a alma de um artista que, sim, virou personagem alimentada por aura lendária. O filme jamais nega a lenda. Só que procura oferecer subsídios para que se desvende o ator-cantor que se escondia atrás de sua personagem. A precisão do filme reside no mérito de ouvir pessoas que habitavam o universo ao redor do artista. Falam no filme a mãe, (todas) as ex-mulheres, os amigos da infância vivida na Bahia e Paulo Coelho, o parceiro de Raul na composição de boa parte do repertório dos quatro álbuns fundamentais do artista, lançados entre 1973 e 1976. O estilo reside na inclusão de cenas do filme Easy Rider - o clássico road-movie norte-americano de 1969 - ao som de gravações de Elvis Presley (1935 - 1977) e Luiz Gonzaga (1912 - 1989), dois ídolos que ajudaram Raul a moldar um rock de sotaque brasileiro que flertava com o baião e com o cancioneiro sentimental. "Ele ouvia Luiz Gonzaga e bolero", revela a mãe, Maria Eugênia, testemunha da decisão de Raul de se filiar ao Elvis Rock Club, fã-clube do qual foi o sócio de número nove. Contudo, se as ex-mulheres expõem a dor e a delícia de amar um artista que se envolveu de forma autodestrutiva com o álcool, o depoimento mais contundente é mesmo o de Paulo Coelho, ouvido em Genebra, na Suíça. Às voltas com inquietante mosca, Coelho confirma que havia competição entre ele e Raul e admite que apresentou todas as drogas ao parceiro (e que não se culpa por isso). Mais adiante, o filme foca outra rivalidade, a que ainda existe entre Coelho e Claudio Roberto, o parceiro mais frequente de Raul após o rompimento entre os autores de sucessos como Gita. A propósito, ao abordar o misticismo de Raul, o diretor do filme poderia ter sido um pouco mais rigoroso no burilamento de seu estilo. O filme teria roçado a perfeição se os depoimentos de remanescentes da Sociedade Alternativa tivessem sido tratados com a precisão com que Walter Carvalho edita o número em que Caetano Veloso canta ao violão Ouro de Tolo (Raul Seixas), música do primeiro álbum de Raul Seixas, Krig-Ha-Bandolo (1973). Nada que tire o mérito do documentário, contudo. Até porque, ao remexer no baú do Raul, o cineasta apresenta fartas imagens do cantor, visto em foto como integrante de sua primeira banda (a efêmera Relâmpagos do Rock), em vídeo com Zé Ramalho e em cena, ao vivo, cantando em shows como o feito em 1979 em embrionária edição do festival Hollywood Rock e em 1988, no Teatro Castro Alves, em Salvador (BA), onde Raul dividiu pela primeira vez o palco com seu conterrâneo Marcelo Nova, mentor da banda baiana Camisa de Vênus. Aliás, o documentário não se exime de pôr em discussão de forma direta a natureza da relação de Raul com Marcelo Nova, com quem Raul fez 50 shows entre 1988 e 1989, ano de sua morte. Para alguns um oportunista que se aproveitou da fama de Raul, Nova ajudou seu ídolo, pagando inclusive a feira do colega quando este já vivia com dificuldades e doenças derivadas do alcoolismo. "Fiz por um sentimento de débito com um cara que me apontou um caminho", alega Nova em sua defesa. À medida em que se aproxima do fim, o documentário atinge seu pico de emoção. Fica impressa na tela a grandeza do mito. A força da lenda. "Lenda não tem história. Raul é lenda. Então pra que contar a história?", provoca Paulo Coelho no início de seu depoimento.  Pois Walter Carvalho conta essa história e - apesar de uma ou outra gordurinha (como o depoimento do ator Daniel Oliveira sobre a pronúncia do nome de seu filho) - o faz com tanta propriedade e estilo que o documentário se revela imperdível para quem se interessa pelo mito de Raul Seixas, esse cantor que, como bem ressalta Jay Vaquer, foi também um pouco ator...  

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Dentre os fartos e substanciosos depoimentos colhidos pelo cineasta Walter Carvalho para seu documentário sobre Raul Seixas (1945 - 1989), o do guitarrista Jay Vaquer, que conviveu com o cantor e compositor baiano nos Estados Unidos dos anos 70, talvez seja a chave para decifrar (um pouco) o mito que Carvalho investiga com precisão e estilo no documentário Raul - O Início, o Fim e o Meio, em cartaz nos cinemas brasileiros desde 23 de março de 2012. Após revelar que Raul chegava a tomar tranquilizantes para lidar com os executivos da CBS no período em que trabalhou como produtor musical na gravadora, Vaquer ressalta a habilidade do Maluco Beleza para manter em cena a personagem que lhe deu fama a partir de 1972. Ao argumentar que às vezes Raul Seixas fingia que era Raul Seixas, Vaquer dá pista certeira para se entender a alma de um artista que, sim, virou personagem alimentada por aura lendária. O filme jamais nega a lenda. Só que procura oferecer subsídios para que se desvende o ator-cantor que se escondia atrás de sua personagem. A precisão do filme reside no mérito de ouvir pessoas que habitavam o universo ao redor do artista. Falam no filme a mãe, (todas) as ex-mulheres, os amigos da infância vivida na Bahia e Paulo Coelho, o parceiro de Raul na composição de boa parte do repertório dos quatro álbuns fundamentais do artista, lançados entre 1973 e 1976. O estilo reside na inclusão de cenas do filme Easy Rider - o clássico road-movie norte-americano de 1969 - ao som de gravações de Elvis Presley (1935 - 1977) e Luiz Gonzaga (1912 - 1989), dois ídolos que ajudaram Raul a moldar um rock de sotaque brasileiro que flertava com o baião e com o cancioneiro sentimental. "Ele ouvia Luiz Gonzaga e bolero", revela a mãe, Maria Eugênia, testemunha da decisão de Raul de se filiar ao Elvis Rock Club, fã-clube do qual foi o sócio de número nove. Contudo, se as ex-mulheres expõem a dor e a delícia de amar um artista que se envolveu de forma autodestrutiva com o álcool, o depoimento mais contundente é mesmo o de Paulo Coelho, ouvido em Genebra, na Suíça. Às voltas com inquietante mosca, Coelho confirma que havia competição entre ele e Raul e admite que apresentou todas as drogas ao parceiro (e que não se culpa por isso). Mais adiante, o filme foca outra rivalidade, a que ainda existe entre Coelho e Claudio Roberto, o parceiro mais frequente de Raul após o rompimento entre os autores de sucessos como Gita. A propósito, ao abordar o misticismo de Raul, o diretor do filme poderia ter sido um pouco mais rigoroso no burilamento de seu estilo.

Mauro Ferreira disse...

O filme teria roçado a perfeição se os depoimentos de remanescentes da Sociedade Alternativa tivessem sido tratados com a precisão com que Walter Carvalho edita o número em que Caetano Veloso canta ao violão Ouro de Tolo (Raul Seixas), música do primeiro álbum de Raul Seixas, Krig-Ha-Bandolo (1973). Nada que tire o mérito do documentário, contudo. Até porque, ao remexer no baú do Raul, o cineasta apresenta fartas imagens do cantor, visto em foto como integrante de sua primeira banda (a efêmera Relâmpagos do Rock), em vídeo com Zé Ramalho e em cena, ao vivo, cantando em shows como o feito em 1979 em embrionária edição do festival Hollywood Rock e em 1988, no Teatro Castro Alves, em Salvador (BA), onde Raul dividiu pela primeira vez o palco com seu conterrâneo Marcelo Nova, mentor da banda baiana Camisa de Vênus. Aliás, o documentário não se exime de pôr em discussão de forma direta a natureza da relação de Raul com Marcelo Nova, com quem Raul fez 50 shows entre 1988 e 1989, ano de sua morte. Para alguns um oportunista que se aproveitou da fama de Raul, Nova ajudou seu ídolo, pagando inclusive a feira do colega quando este já vivia com dificuldades e doenças derivadas do alcoolismo. "Fiz por um sentimento de débito com um cara que me apontou um caminho", alega Nova em sua defesa. À medida em que se aproxima do fim, o documentário atinge seu pico de emoção. Fica impressa na tela a grandeza do mito. A força da lenda. "Lenda não tem história. Raul é lenda. Então pra que contar a história?", provoca Paulo Coelho no início de seu depoimento. Pois Walter Carvalho conta essa história e - apesar de uma ou outra gordurinha (como o depoimento do ator Daniel Oliveira sobre a pronúncia do nome de seu filho) - o faz com tanta propriedade e estilo que o documentário se revela imperdível para quem se interessa pelo mito de Raul Seixas, esse cantor que, como bem ressalta Jay Vaquer, foi também um pouco ator...

Anônimo disse...

O próprio Raul se definia ora como ator, ora como escritor.
O ator aí, obviamente, não é no sentido de charlatanismo. E sim no sentido de interpretar suas idéias.
Penso eu.
Quanto ao Marcelo Nova, incrível como nêgo gosta de meter o pau em todo mundo. Seja por fazer ou por não fazer.
O cara pegou o Raul pelo braço pra tirar do chão em um momento que todos os "amigos" deram as costas.
- Até o próprio Raul parecia ter dado as costas para si nesse período -
Oportunismo é fazer homenagens pós morte.
Verei sem falta o documentário essa semana.
Sou MUITO fã.
Artista como o Raul - contestador, sarcástico e debochado. Porém ser perder a doçura - é coisa rara.
Valeu a lucidez, Maluco Beleza!

O Neto do Herculano disse...

PIOR PARTICIPAÇÃO NO FILME

( ) Pedro Bial
( ) Caetano Veloso
( ) Nelson, arroz de festa, Mota
( ) Tom Zé
( ) Daniel Oliveira
( ) Zé Ramalho