Título: Céu e Mar
Artista: Leila Pinheiro & Nelson Faria
Gravadora: Far Out Recordings
Cotação: * * * *
Três meses após desencavar sua origem musical nortista em CD apropriadamente intitulado Raiz, Leila Pinheiro apresenta um dos títulos mais densos de sua já vasta discografia, Céu e Mar, álbum gravado pela cantora em 2010, no Rio de Janeiro (RJ), com o violonista Nelson Faria. Trata-se de disco voltado para o mercado internacional e editado pela gravadora inglês Far Out Recordings. Nas lojas da Europa a partir de abril de 2012, Céu e Mar não é CD de Bossa Nova - gênero que abriu as portas do exterior para Leila a partir da edição no Japão do álbum Benção Bossa Nova (1989) - ainda que na faixa-título de Céu e Mar, da lavra refinada de Johnny Alf (1929 - 2010), a cantora mergulhe com certa leveza na praia da obra desde sempre moderna de Alf. As águas são mais profundas no disco produzido por Marcus Fernando. Com técnica pautada por rigor estilístico, Leila une no disco sua voz à guitarra cool de Faria para interpretar com densidade tanto lado B da obra de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle - O Amor É Chama, música do álbum Viola Enluarada (1968) - quanto tema já naturalmente intenso da parceria de Dori Caymmi com Paulo César Pinheiro, Armadilhas de um Romance (2009). Os versos poéticos de Pinheiro, aliás, são recorrentes em Bolero de Satã (parceria com Guinga, de 1979) - faixa em que a interpretação de Leila atesta a soberania de Elis Regina (1945 - 1982), intérprete original do bolero - e em Dos Navegantes (parceria com Edu Lobo, gravada por Lobo em 1993 em seu álbum Corrupião). As memórias das águas expostas em Dos Navegantes e Embarcação (Chico Buarque e Francis Hime) são metáforas para reminiscências de tempestades sentimentais que agitam o mar dos afetos, revolvidos também em Dupla Traição (Djavan, 1976) e em samba-canção mais obscuro da lavra inicial do condutor de todos os barcos musicais, Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994), parceiro de Marino Pinto (1916 - 1965) em Sucedeu Assim (1957), tema que flagra poeticamente a gênese da paixão, já consolidada nos versos de Doce Presença (Ivan Lins e Vitor Martins), balada gravada tanto por Ivan quanto por Nana Caymmi em 1983. Disco sobre a natureza densa das paixões, Céu e Mar rebobina também tema pouco ouvido de Gilberto Gil, Cada Tempo em seu Lugar (1989), e clássico da parceria de João Bosco com Aldir Blanc, Bala com Bala (1972), faixa suingante em que Leila exibe bom senso rítmico sem deixar de reiterar a supremacia de Elis. Fora das águas da MPB, a cantora ainda mergulha fundo em standard imortalizado na voz da cantora norte-americana Billie Holiday (1915 - 1959) - That Old Devil Called Love (Doris Fisher e Alan Roberts, 1944) - neste CD íntimo que emerge com algum poder de sedução no mercado indie internacional pela precisão técnica da voz de Leila Pinheiro e da guitarra cool de Nelson Faria.
18 comentários:
É um absurdo e total disparate constar que nenhuma gravadora brasileira se habilitou e se interessou em lançar os discos de cantores brasileiros da Far Out Recordings por aqui. Só aqui mesmo que acontece uma coisas dessas! O que com essa atitude fica cada vez mais claro que estrangeiro da mais valor para oa nosssa música do que os próprios brasileiros.
Mauro, você não me engana: aposto que achou esse disco um porre e vem com esse papo de 'precisão técnica' pra não ofender sua amiga Leila!
Deve ser um discaço!! Leila é demais e o repertório é preciso. Ainda bem q Leila não faz parte da tal "cena indie"...;)
Linda a capa!
Só mesmo a Far Out para lançar uma capa decente como essa. Nada demais, porém um bilhão de vezes melhor do que as fotos de Facebook que a equipe da Biscoito Fino (sic) tem usado como se fosse coisa chique e, na verdade, é embalagem trivial para um som idem.
Creio que deva ser um bom disco, há um rigor estilístico pautado na escolha do supra-sumo dos compositores da nossa MPB.
A questão é que tem 3 músicas do repertório da Nana Caymmi ai: "O amor é chama","Dupla traição" com a qual Nana revelou Djavan, e "Doce presença" (com Nana no melhor de seu canto na época agudo). Quer saber? Duvido que qualquer cantora atual ofereça melhor interpretação do que Nana para cada uma delas. Nesse caso espero apenas que as novas intérpretes façam leituras possíveis e revelem talvez outros lados que o canto intenso de Nana possam não ter dado.
Iurian,
É difícil superar Nana Caymmi em praticamente tudo o que ela lançou ou gravou de segunda (como "O Amor É Chama", cuja versão de Marcos Valle supera tudo porque ele é o autor e porque faz parte de um dos álbuns mais bombásticos já gravados, "Viola Enluarada"). Então, nem cabe compará-la com Leila, muito menos com quem quer que seja - salvo raras exceções, claro. E só de olhar essa capa já se sente firmeza no conceito.
Abç!
Concordo KL...Tudo q Nana grava fica definitivo em sua voz. Assim como Elis também!!! Deveria ser proibido alguém regravar Atrás da Porta ou Mudança dos Ventos!!! Não dá!!!!
Também acho covardia ficar querendo comparar Nana com outras grandes cantoras da música brasileira... Cada uma é cada uma, com seu estilo próprio... É bobagem ficar comparando grandes cantoras, e desfavorendo uma em benefício de outra... É como se pegassem Maysa e Elis, e colocassem uma, lado a lado, e dissessem qual das duas canta mais e melhor. Não acho que isso deva acontecer quando existem 2 grandes cantoras em jogo...
A propósito: apesar de simples, achei a capa bonita, dando a impressão de que fosse um desenho feito à mão... Bem melhor do que algumas capas vexaminosas da Biscoito Fino, como a do tal disco ao vivo recente do Emílio Santiago... Nunca fui grande fã de Leila Pinheiro, mas de qualquer forma a admiro como intérprete, e pela técnica e afinação vocal impecável.
Acho definitivo uma palavra tão inapropriada para a arte.
Abx Mauro!
Sim,e como penso... No jazz todas as cantoras gravaram as mesmas musicas sem problemas. Há sempre outras formas possíveis de interpretação, de arranjos etc. Ao final cada um escolhe com quem ouvir ou como eu, escuta as diferenças e até consegue gostar de algumas.
É tão engraçada essa questão de superar, como se as intérpretes gastassem seu tempo querendo superar umas as outras. Quando um cantor resolve gravar uma canção é porque ele gosta da música, da letra e ele acha que pode fazer aquilo bem, às vezes até para citar ou homenagear outros cantores. Não tem nada a ver com superar, agregar, disputar... Boabagens criadas pelos resenhitas que os comentarias ajudam a popularizar.
Há um certo rigor e uma tensão no canto de Leila que não me agradam. Não consigo me emocionar com o que ela interpreta. Respeito o seu bom gosto musical e a seriedade com que ela realiza o seu trabalho mas, pra mim, não vai além disso.
A capa realmente está bem bonita. Bem acima da média do que andam fazendo por aí.
só pra deixar mais clara minha opinião sobre esse trabalho: a capa (chique/minimalista), de imediato, já estimula a audição. O selo Fat Out também antecipa alguma coisa mais vigorosa, e é bacana pensar em Leila voz e violão. Seria mais interessante ainda se fosse voz e guitarra como Julie London e Barney Kessel. Enfim, quem quiser me contratar para fazer direção artística estou disponível.
KL, mas o texto informa que é voz e guitarra.
Leandro,
É que a resenha, antes, informava ser voz e violão por isso sugeri voz e guitarra (tocada como violão, óbvio porque guitarra de rock - convenhamos - ninguém mais aguenta)
Então está tudo ok, vamos ouvir para crer.
Abraço!
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