Título: Não Tente Compreender
Artista: Mart'nália (em foto de Rodrigo Amaral)
Local: Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 12 de maio de 2012
Cotação: * * * *
Show em cartaz na casa HSBC Brasil, em São Paulo (SP), em 17 de maio de 2012
"Posso cantar um rock'n'roll?", perguntou Mart'nália, cheia de charme e ginga, para o público que encheu a casa carioca Vivo Rio, na noite de 12 de maio de 2012, para ver a estreia nacional de seu show Não Tente Compreender. O rock'n'roll a que a artista se referia era um rock da cepa pop de Nando Reis, Zero Muito, fornecido a Mart'nália pelo compositor para inclusão no recém-lançado sexto álbum de estúdio de Mart'nália, Não Tente Compreender. A cantora nem esperou pelo consentimento da plateia, pegou uma guitarra e mandou ver no rock de Nando, encerrando show que, embora menos radical do que o homônimo disco produzido por Djavan, expõe a multifacetada cara pop e black de Mart'nália. Sob a direção de Guilherme Leme e Marcia Alvarez, coautores do roteiro assinado também pela cantora, Mart'nália cai no samba, canta soul, entoa baladas de acento pop e, sim, canta o rock de Nando Reis, irmanando com seu jeito de moleca repertório heterogêneo e assumido que, em última instância, passa uma boa cantada na mulher cobiçada. Sem buscar o aval de público e crítica, atitude já sinalizada pelo fato de ter batizado disco e show com o nome da canção tribalista Não Tente Compreender (Marisa Monte e Dadi, 2008), Mart'nália apresenta trabalho coerente com o som adotado no CD Minha Cara (ZFM Records, 1995), gravado sete anos antes de sua projeção na mídia. Nesse disco, lançado sem repercussão, já pulsava a veia black que salta novamente em Não Tente Compreender na balada soul Namora Comigo (Moska, 2012), no samba Surpresa (Mart'nália, Arthur Maia e Ronaldo Barcellos, 2012) e na lembrança de Lábios de Mel (Cleonice Aparecida Cazalonga e Edson Trindade), lado B de álbum pouco ouvido de Tim Maia (1942 - 1998), Reencontro (Odeon, 1979). Números de alma black ressaltada pelo afinado e afiado quarteto de backing-vocals. Contudo, o show Não Tente Compreender extrapola rótulos. Com personalidade, Mart'nália já entra sedutora em cena, lembrando duas músicas de Antonio Carlos & Jocafi, dupla baiana em evidência nas paradas dos anos 70. Opus 2 (1977) - cantada por Mart'nália ainda nos bastidores, sem dar as caras - é charmosamente entrelaçada com Você Abusou (1971). Na sequência, com seu inglês praticado no bairro-berço carioca de Vila Isabel, Mart'nália traz para o seu samba um sucesso pop de Stevie Wonder, You Are the Sunshine of My Life (1973). "Quem se atreve a me dizer do que é feito o samba?", perguntaria provocante, alguns números depois, burilando seu arsenal percussivo e recorrendo a verso do sucesso do quarteto carioca Los Hermanos, Samba a Dois (Marcelo Camelo, 2003). É recado bem dado para quem anda reclamando da assinatura forte de Djavan no disco. No show, tal assinatura se faz presente de forma menos marcante porque a direção musical é do baixista Ivan Machado. Mart'nália muda de poesia e vai pro pop, mas leva tamborim e pandeiro para a cena esplendidamente iluminada por Ney Matogrosso. Contudo, o suingue de Dja - como Mart'nália chama o produtor e diretor musical de seu corajoso CD - está lá, perfeitamente detectado em Os Sinais (Junior Almeida, 2012) e no samba Avião (Djavan, 1989), da lavra do compositor-matriz. Aliás, é em Avião que o baixo largo de Ivan Machado voa mais alto, reiterando a fina sintonia entre disco e show. Mesmo assim, tal sintonia não impediu que Serei Eu? (Mart'nália, Ivan Lins e Zélia Duncan, 2012), baladona de grande requinte harmônico no disco, soasse menos classuda na abordagem do palco. Da mesma forma, Daquele Jeito (André Carvalho, 2010) e o jongo Reverso da Vida (Martinho da Vila, 1982) perdessem parte do encanto em cena. Sem jamais renegar a herança recebida de Martinho da Vila, Mart'nália reitera o d.n.a. musical quando rebobina seu medley que junta samba do pai, Parei na Sua (1969), com uma pérola de Candeia (1935 - 1978), A Flor e o Samba, gravado por Martinho em 1971. Do pagode em que aclimata Coração em Desalinho (Mauro Diniz e Ratinho, 1986), Mart'nália migra na sequência para ambiente cool que acomoda Vai Saber (2006) - o samba que Adriana Calcanhotto fez para ela, mas que foi parar em disco de Marisa Monte - e Demorou, o samba bossa-novista fornecido por Caetano Veloso, padrinho musical da sambista pop. É cheia de bossa e charme que Mart'nália canta Alegre Menina (Dori Caymmi e Jorge Amado) - realçando pelo gestual cada imagem da letra propagada na voz de Djavan em 1975 e regravada por Mart'nália em seu anterior álbum de estúdio, Madrugada (2008) - e que cai leve em samba feito com o fiel parceiro Mombaça, Entretanto (1995). "Invento a vida quando canto", resume Mart'nália, feliz, já no bis, através de verso de Deixa Eu Cantar (Dudu Falcão, 1988), música lançada por Nana Caymmi. Embebido na felicidade da cantora, transparente desde o primeiro número do show, o bis é o veículo ideal para o encadeamento dos dois sambas noveleiros que são os maiores hits de Mart'nália, Cabide (Ana Carolina, 2005) e Ela É a Minha Cara (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, 2008). Mas o arremate vem com Mamãe Passou Açúcar em Mim (Carlos Imperial, 1966), sucesso de Wilson Simonal (1938 - 2000) que cai bem no canto sedutor de Mart'nália, intérprete de pouca voz e muita personalidade que pode, sim, cantar rock'n'roll, samba, soul, bossa, balada pop e o que mais bem entender. Compreendido?
4 comentários:
"Posso cantar um rock'n'roll?", perguntou Mart'nália, cheia de charme e ginga, para o público que encheu a casa carioca Vivo Rio, na noite de 12 de maio de 2012, para ver a estreia nacional de seu show Não Tente Compreender. O rock'n'roll a que a artista se referia era um rock da cepa pop de Nando Reis, Zero Muito, fornecido a Mart'nália pelo compositor para inclusão no recém-lançado sexto álbum de estúdio de Mart'nália, Não Tente Compreender. A cantora nem esperou pelo consentimento da plateia, pegou uma guitarra e mandou ver no rock de Nando, encerrando show que, embora menos radical do que o homônimo disco produzido por Djavan, expõe a multifacetada cara pop e black de Mart'nália. Sob a direção de Guilherme Leme e Marcia Alvarez, coautores do roteiro assinado também pela cantora, Mart'nália cai no samba, canta soul, entoa baladas de acento pop e, sim, canta o rock de Nando Reis, irmanando com seu jeito de moleca repertório heterogêneo e assumido que, em última instância, passa uma boa cantada na mulher cobiçada. Sem buscar o aval de público e crítica, atitude já sinalizada pelo fato de ter batizado disco e show com o nome da canção tribalista Não Tente Compreender (Marisa Monte e Dadi, 2008), Mart'nália apresenta trabalho coerente com o som adotado no CD Minha Cara (ZFM Records, 1995), gravado sete anos antes de sua projeção na mídia. Nesse disco, lançado sem repercussão, já pulsava a veia black que salta novamente em Não Tente Compreender na balada soul Namora Comigo (Moska, 2012), no samba Surpresa (Mart'nália, Arthur Maia e Ronaldo Barcellos, 2012) e na lembrança de Lábios de Mel (Cleonice Aparecida Cazalonga e Edson Trindade), lado B de álbum pouco ouvido de Tim Maia (1942 - 1998), Reencontro (Odeon, 1979). Números de alma black ressaltada pelo afinado e afiado quarteto de backing-vocals.
Contudo, o show Não Tente Compreender extrapola rótulos. Com personalidade, Mart'nália já entra sedutora em cena, lembrando duas músicas de Antonio Carlos & Jocafi, dupla baiana em evidência nas paradas dos anos 70. Opus 2 (1977) - cantada por Mart'nália ainda nos bastidores, sem dar as caras - é charmosamente entrelaçada com Você Abusou (1971). Na sequência, com seu inglês praticado no bairro-berço carioca de Vila Isabel, Mart'nália traz para o seu samba um sucesso pop de Stevie Wonder, You Are the Sunshine of My Life (1973). "Quem se atreve a me dizer do que é feito o samba?", perguntaria provocante, alguns números depois, burilando seu arsenal percussivo e recorrendo a verso do sucesso do quarteto carioca Los Hermanos, Samba a Dois (Marcelo Camelo, 2003). É recado bem dado para quem anda reclamando da assinatura forte de Djavan no disco. No show, tal assinatura se faz presente de forma menos marcante porque a direção musical é do baixista Ivan Machado. Mart'nália muda de poesia e vai pro pop, mas leva tamborim e pandeiro para a cena esplendidamente iluminada por Ney Matogrosso. Contudo, o suingue de Dja - como Mart'nália chama o produtor e diretor musical de seu corajoso CD - está lá, perfeitamente detectado em Os Sinais (Junior Almeida, 2012) e no samba Avião (Djavan, 1989), da lavra do compositor-matriz. Aliás, é em Avião que o baixo largo de Ivan Machado voa mais alto, reiterando a fina sintonia entre disco e show. Mesmo assim, tal sintonia não impediu que Daquele Jeito (André Carvalho, 2010) e o jongo Reverso da Vida (Martinho da Vila, 1982) perdessem parte do encanto em cena. Sem jamais renegar a herança recebida de Martinho da Vila, Mart'nália reitera o d.n.a. musical quando apresenta medley que junta samba do pai, Parei na Sua (1969), com tema de Candeia (1935 - 1978), A Flor e o Samba, gravado por Martinho em 1971. Do pagode em que aclimata Coração em Desalinho (Mauro Diniz e Ratinho, 1986), Mart'nália migra na sequência para ambiente cool que acomoda Vai Saber (2006) - o samba que Adriana Calcanhotto fez para ela, mas que foi parar em disco de Marisa Monte - e Demorou, o samba bossa-novista fornecido por Caetano Veloso, padrinho musical da sambista pop. É cheia de bossa e charme que Mart'nália canta Alegre Menina (Dori Caymmi e Jorge Amado) - realçando pelo gestual cada imagem da letra propagada na voz de Djavan em 1975 e regravada por Mart'nália em seu anterior álbum de estúdio, Madrugada (2008) - e que cai leve em samba feito com o fiel parceiro Mombaça, Entretanto (1995). "Invento a vida quando canto", resume Mart'nália, feliz, já no bis, através de verso de Deixa Eu Cantar (Dudu Falcão, 1989), música lançada por Nana Caymmi. Embebido na felicidade da cantora, transparente desde o primeiro número do show, o bis é o veículo ideal para o encadeamento dos dois sambas noveleiros que são os maiores hits de Mart'nália, Cabide (Ana Carolina, 2005) e Ela É a Minha Cara (Celso Fonseca e Ronaldo Bastos, 2008). Mas o arremate vem com Mamãe Passou Açúcar em Mim (Carlos Imperial, 1966), sucesso de Wilson Simonal (1938 - 2000) que cai bem no canto sedutor de Mart'nália, intérprete de pouca voz e muita personalidade que pode, sim, cantar rock'n'roll, samba, soul, bossa, balada pop e o que mais bem entender. Compreendido?
Importante lembrar que a união entre 'Opus 2' e 'Você Abusou' já foi feita antes por Angela Ro Ro no álbum 'A Vida é Mesmo Assim', de 1984.
Não gosto da voz dela.
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