Nas lojas na segunda quinzena deste mês de junho de 2012, em edição da Sony Music, o DVD Multishow ao Vivo - Micróbio Vivo, de Adriana Calcanhotto, não se limita a exibir o show O Micróbio do Samba, captado em 15 de outubro de 2011 em apresentação realizado pela artista no Espaço Tom Jobim, no Rio de Janeiro (RJ). Todo a gestação do show- estreado em Portugal, em maio de 2011 - foi documentada pelas lentes da diretora Clara Cavour. Se o CD traz o registro do show e a inédita Maldito Rádio (composta e gravada por Calcanhotto para a trilha sonora da novela Cheias de Charme), alocada nos extras do DVD ao lado de Trobar Nova, o vídeo exibe também o documentário Micróbio Vivo na Estrada. Eis o texto escrito por Adriana Calcanhotto para explicar como o Micróbio ganhou vida e os palcos após o lançamento, em março de 2011, de O Micróbio do Samba, o primeiro álbum da artista dedicado ao samba:
"Tudo
começou com uns sambas feitos ao acaso, ao longo de quatro anos, e que foram
gravados de maneira hiperespontânea, na companhia de Domênico Lancellotti e
Alberto Continentino, no Lobo Mao, o inspirador estúdio do Dado Villa-Lobos, em
2010.
Depois
de lançado, em março de 2011, em CD e Vinil, como o Micróbio do Samba,
chegou o momento de pensar em transpor o grupo de sambas para o palco. Foi
quando tive de encarar o fato de que não poderia tocar violão, instrumento no
qual compus e gravei todo o CD. Por causa de uma lesão no punho direito. A
solução seria cantar com alguém tocando no meu lugar, e isso não parecia fazer
muito sentido, afinal tudo no disco é feito em torno do meu pobre violãozinho,
da composição aos arranjos. Paulo Jobim disse que eu e meu violão parecemos um
centauro, eu adoro isso (embora me pareça que eu e meu violão estamos mais para
sentauro); enfim, como é que justamente neste show, deste disco escrito e
gravado no violão, não vou tocar violão? Com o coração bem apertado decretei:
lamento, mas o Micróbio do Samba não fará show ou turnê. Decisão tomada,
ou forçada, como queiram.
Na
prática, quando pensei em Portugal, perdi um pouco as forças e, num ímpeto,
resolvi que faria somente uma ‘micro tour’, os três únicos shows lusos
pré-agendados. Paciência, suportaria a frustração de não poder tocar, mas não
iria deixar de fazer; não sei por quê, mas Portugal não consegui cancelar, deu
um nó na garganta.
Como
Davi Moraes havia sido o último a gravar no CD, e o som dele ainda estava fresco
nos nossos ouvidos, foi a escolha mais natural e desejada para o posto do
violão, para representar a minha batida acrescentando o próprio estilo e poder
criativo. Pedi a sua mão, ele felizmente aceitou, e a sintonia foi enorme:
fizemos somente quatro ensaios para montar o show inteiro. Davi no violão e
cavaquinho, Alberto e Domenico, exatamente como nas gravações do disco, baixo
acústico, bateria e mpc, e eu, com minha mesa de instrumentos eletrônicos e
objetos, livre para improvisar. Juntamos aos meus sambas-por-acaso alguns
outros sem os quais o micróbio jamais existiria, e resolvi, a
partir do meu figurino criado por Gilda Midani, que tocaríamos todos de preto,
obtendo com os pretos sobre pretos resultado coloridíssimo, já que não existem
sobre a face da terra dois tecidos pretos iguais ou sequer parecidos, para o bem
ou para o mal. E que nosso palco seria nu, iluminado por brancos quentes e
frios, abrindo exceção para o azul da madrugada de “beijo sem”.
Depois
dos quatro ensaios embarcamos para a Itália, para literalmente azeitarmos a
banda, e lá fomos muito felizes. Nossa pré-estreia foi numa sala mítica, num
lindo teatro antigo de Florença, o Odeon, com muitos jornalistas, gente que veio
de Roma, de Londres, de outras cidades da Itália, da Espanha, foi muito legal.
Mas, neste mesmo dia, no Rio De Janeiro, morreu Luciana Moraes, e essa não foi
uma notícia fácil de assimilar; foi um baque, na verdade, horas antes do show. E
conto isso apenas para dizer que começamos de maneira incomum. Um dia de
pré-estreia sempre é marcante, ainda mais longe de casa, e eu, naquele mix de
sentimentos, recebi tanto carinho por parte da banda, um carinho que não
esperava, e que não sei explicar direito, que só posso dizer que contribuiu
muito para a minha decisão de manter o show na estrada. O que acontece ali no
nosso palco, é das experiências humanas mais ricas que tenho o privilégio de
viver, toda vez que nos apresentamos com este micróbio. Lá em Florença, a
largada foi dura, mas talvez por isso mesmo o show tenha nascido mais forte e
amoroso.
Depois
da ‘mini mini tour’ de pré-estreia por Itália, Suíça e Eslovênia, seguimos para
Portugal, para fazer então a menor turnê do mundo, dois shows em Lisboa, um no
Porto e pronto, acabou. E a estreia foi incrível mesmo, inesquecível. E de
madrugada no quarto, que não costumo dormir quando estou em hotéis de Lisboa,
leio com espanto o email do amigo Zé Mário comentando a primeira noite do
concerto: “querida, não parecias triste”. E pensei, é mesmo, que danado, ele
viu. Quer dizer, estava triste, sim, e compreensivelmente, mas não pelo show,
pelo violão, pela mão impossibilitada. Não pelo que determinei que ficaria
triste, por não poder tocar no show, porque não toco violão neste show, mas toco
secador de cabelo, toco xícaras de chá, mpc, bagulhinhos eletrônicos de nomes
estranhos tipo thingamagoop, caixa de fósforo, canto, danço, me divirto
pra caramba. Ou seja, não parecia triste porque não estava triste, a verdade é
essa. Estava era amando fazer o show. E assim, deixando minhas determinações em
algum lugar daquela viagem, a turnê rumou para o Brasil, começando pelo teatro
Castro Alves, em Salvador e seguindo estrada afora, onde permanecemos até hoje,
que "não há caminho, senão o caminhar". Outro amigo português, comemorando a
notícia arriscou: não há de acabar mal uma aventura que começa em Portugal e
segue para a Bahia...
Tudo
isso, ou quase tudo, sempre sendo capturado pelas lentes da talentosa jovem
diretora Clara Cavour, que acompanhou nosso processo, registrando desde o
primeiro ensaio, lá no estúdio do Dado, até o Japão, onde ela deixou a estrada
para se enfiar numa sala escura pra montar o filme. Ela está atrás da câmera
durante quase todo o tempo e, quando por acaso não está, é um micróbio como nós,
ajudando a carregar tralhas, chorando de rir, bebendo cachaça, champanhe,
comendo comida de avião, tomando chá de aeroporto. No final ela nos mostra dois
dos lados do micróbio:
o
micróbio vivo na estrada que
é a gente estrada afora, e o micróbio vivo no rio, o show na íntegra,
gravado no espaço Tom Jobim, em 15 de outubro de 2011, já depois de bastante
estrada, mas ainda antes de muita água rolar. Registro de uma noite mágica, numa
sala inacreditável, de plateia bacanérrima, em pleno Jardim Botânico. o
micróbio tocando em casa. Noite que eu e todos os micróbios envolvidos
estamos felicíssimos em poder partilhar.
Os
Extras
Trobar
Nova
Trobar
Nova é uma canção minha da safra pré-Micróbio do Samba, que deu nome ao
show solo com que rodei a Europa em 2009, inspirado na arte e no ofício dos
trovadores, desde Provença.
Trobar
vem
do provençal e que quer dizer 'achar' ou 'encontrar, e que tem também o sentido
literal de compor, ou inventar, uma canção. Trobar deu origem à palavra
trovador, o compositor ou cantautor, que se desloca com seu instrumento,
cantando suas obras. Exatamente como fazem os artistas de música em tempos em
que não se vendem mais discos.
O
verbo trobar é muito provável que derive de tropo, uma expressão grega que
significava, já no século V, canto destinado aos leigos, ou seja, canto
destinado ao povo. Gosto muito de pensar que se trovar é encontrar, o trovador
seria então uma espécie de "achador".
Trobar
Nova é um samba (!) que lista diferentes tipos de trobar utilizados entre os
séculos XII e XIII. O trobar clus, um trobar hermético, rarefeito, muito
apreciado por uma pequena elite cultíssima, mas que de tão codificado acabou não
sobrevivendo. Foi muito usado por Marcabru, e a única mulher a se aventurar a
usá-lo com sucesso foi Lombarda. O trobar leu, ou trobar leve, o mais
popular, que se tornou bem mais conhecido do que os outros e foi utilizado por
muitos trovadores de diferentes estilos, apesar de considerado pela elite
apreciadora do trobar clus uma forma menor. O trobar ric também
exigia grande maestria e artesanato de seu autor, mas não chegou a desaparecer
como o trobar clus, e teve como grande nome o também inventor da sestina,
"o melhor artesão da língua materna" segundo Dante Alighieri, Arnaut
Daniel.
As
trobairitz, as mulheres trovadoras eram nobres, muito cultas e
importantes na sociedade da época. São consideradas na história da música
ocidental como as primeiras compositoras; todas as mulheres até então haviam
escrito tão somente música sacra.
Nas
iluminuras antigas representando as figuras dos trovadores provençais, cada
ângulo da mão e do punho retratado, cada quebrada de pulso e angulação com o
cotovelo, tem significado. No caso de Arnaut Daniel, por seus gestos e ângulos,
ele está com a linguagem do corpo sempre a nos dizer: veja como sou refinado,
repare como sou rarefeito, e coisas assim. É muito interessante a leitura desses
códigos, e há estudos incríveis sobre isso, pelos quais passei os olhos. Quando
canto o refrão, trobar nova /trobar nova, cito alguns desses gestos,
refazendo-os como se eles tivessem vindo através do tempo desaguar em Rita Lee e
Caetano desmunhecando como Carmen Miranda, e além. Como ecos da tradição
trovadoresca no Brasil, que se instalou, se transformou e segue se reinventando,
fazendo-se sempre nova. “Trobar Nova” é invencionice minha, o trobar de uma
compositora, do Brasil, que está na estrada hoje, pós-bossa nova,
pós-paradona-da-mangueira, cruzando continentes e hemisférios para levar sua
música ao público, onde ele estiver. Trobar de hoje, trobar agoral, trobar
nova, trobanana.
Maldito
Rádio
Escrevi
por encomenda de Denise Saraceni para Cheias de Charme, novela que ela se
preparava para dirigir, naquele momento, ainda sem nome. Compus na cabeça porque
ainda não podia tocar violão; mas já tinha mais ou menos a ideia, e mostrei pra
Denise, que gostou, e a partir daí escrevi, propriamente, a canção. Em dezembro
de 2011, logo depois da cirurgia na mão consegui fazer uma gravação bem tosca de
violão e voz, só pra sugerir harmonia e acordes (na verdade para me certificar
que conseguiria tocar de novo) e a ideia nos picou a todos, gravar comigo
tocando. Então Davi Moraes, que vinha sendo meu violão até então, e Pedro Sá,
seu substituto nos shows do Micróbio, quando da sagrada
davilicença pra tocar no carnaval da Bahia, os dois juntos, gravaram
comigo, com microfones vazando uns nos outros, ao vivo no estúdio, uma delícia.
Me senti feliz tendo esses dois monstros da guitarra como amorosos escudeiros;
foi luxo só a volta ao instrumento.
Para
o videoclipe convidei Michel Groisman, para fazermos finalmente o registro de
nossa parceria no palco. Sou fã do Michel, ele é um grande artista, um
companheiro de cena maravilhoso, que instiga e dá muito. Adoro o nosso pas de
deux, finalmente aqui registrado, e acho linda a coreografia que ele criou
para essa canção.
A
canção é dedicada a Angela Maria, como representante dessas vozes que amamos
escutar no rádio, mas que às vezes podem machucar.
É
isso. O micróbio vivo. E se alastrando. Desejando que vocês se divirtam
tanto quanto nós..."
Adriana Calcanhotto
10 comentários:
Nas lojas na segunda quinzena deste mês de junho de 2012, em edição da Sony Music, o DVD Multishow ao Vivo - Micróbio Vivo, de Adriana Calcanhotto, não se limita a exibir o show O Micróbio do Samba, captado em 15 de outubro de 2011 em apresentação realizado pela artista no Espaço Tom Jobim, no Rio de Janeiro (RJ). Todo a gestação do show- estreado em Portugal, em maio de 2011 - foi documentada pelas lentes da diretora Clara Cavour. Se o CD traz o registro do show e a inédita Maldito Rádio (composta e gravada por Calcanhotto para a trilha sonora da novela Cheias de Charme), alocada nos extras do DVD ao lado de Trobar Nova, o vídeo exibe também o documentário Micróbio Vivo na Estrada.
Putz, pensei que era o capítulo de um livro. Não tive vontade/coragem de ler nada. Na verdade, tudo muito explicadinho é bem chatinho.
Mata-se a fantasia.
E, todos sabem, fantasia é bom em qualquer lugar. Ainda mais no samba.
Augusto Flávio, Disse:
Depois de Marítimo de 1998, essa mulher ainda faz alguma coisa que preste? a fase inicial dela com os discos de 1990, 1992, 1994 e 1998, são inquestionáveis. Depois... só besteiras na descografia de Adriana, uma pena!
gostei do texto. devo ir à estréia do dvd do show aqui em SP. não assisti ao vivo ainda, então irei por 2 motivos: tentar comprar o vinil no Micróbio e ver se o show compensa o cd, que achei morno em estúdio.
Calcanhotto além de ótima compositora, é dona do seu próprio nariz mas também achei cansativo de ler hehehe
Este DVD está maravilhoso e tô ansioso, pois pelos videos do Multishow tá bacana pra caramba. Confesso que não curti muito o CD, mas o ao vivo tem a "alma" do micróbio. Li tudo o texto e valeu a intenção da Adriana em explicar o seu trabalho, apenas consideração com os ouvintes do trabalho!
Deve está lindo esse DVD AO VIVO...
ps: ela aprendeu com a Marisa explicar tudo nos mínimos detalhes...
Aff. Que preguiça de ler. Adoro ler, mas arte não carece de explicação, só de apresentação, entende quem pode ou quer.
Nossa, gente. Essa preguiça e má vontade em ler o texto da Adriana não dá autoridade pra ninguém criticá-la.
Nesse caso, o preguiçoso da leitura não pode agir contra terremotos, que por sua vez não comportam argumentos.
Concordo - como foi dito em um comentário aqui - que a Arte é observada e sentida mas ela pode muito bem ser explicada,as coisas não nascem sem um estímulo, um trabalho e isso é relevante ao se mostrar relevante dentro do processo.
Discordo,de um "comentário" em que coloca o trabalho de Calcanhoto em cheque após Marítimo.Acho que ela cresceu muito como intérprete, deixou os clichês de lado o que não a impediu de ainda se comunicar com público via novelinhas da globo mas destaco dois grandes trabalhos da carreira dela, assim como o já citado Marítimo : Maré e o próprio Microbio.
Postar um comentário