Mauro Ferreira no G1

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domingo, 24 de junho de 2012

Conservador na forma, filme que tributa Mautner tem relevância musical

Resenha de documentário
Título: Jorge Mautner - O Filho do Holocausto
Direção e roteiro: Pedro Bial e Heitor D'Allincourt
Fotografia: Gustavo Habda
Cotação: * * *
Filme já em rotação em festivais, mas ainda sem data de estreia no circuito convencional

A vida de Jorge Mautner daria um filme tão fora do foco tradicional como O Demiurgo (1970), produção dirigida em Londres por este multimídia artista carioca que - além de cineasta bissexto - é cantor, compositor, violinista, escritor, poeta, cartunista e artista plástico. Sob a direção de Pedro Bial e Heitor D'Allincourt, a vida de Jorge Mautner deu um filme conservador que não capta toda a efervescência da alma da personagem, embora cumpra o papel de ressaltar a importância da obra do artista  na cultura nacional. Já em rotação em festivais como É Tudo É Verdade e In-Edit Brasil, mas ainda sem data para entrar em circuito tradicional, o documentário Jorge Mautner - O Filho do Holocausto alterna sempre de forma convencional números musicais, depoimentos inéditos e imagens de arquivo. O título O Filho do Holocausto se refere ao fato de Henrique George Mautner ter vindo ao mundo em 1941 como fruto da união de um judeu austríaco com uma católica iugoslava que desembacaram no Brasil para fugir do regime nazista. É por isso que o filme abre com cenas do holocausto ao som de Lágrimas Negras, um dos títulos mais conhecidos da obra musical de Mautner. Nessa primeira parte, de ritmo lento, depoimentos dão a pista da formação do artista, cujo talento para as letras se revelou precocemente na cena literária. Em 1956, aos 15 anos, Mautner começou a escrever Deus da Chuva e da Morte, livro que lhe renderia em 1962 um Prêmio Jabuti. Já a obra musical somente iria ter visibilidade na década de 70 a partir das conexões feitas com Caetano Veloso e Gilberto Gil na Inglaterra, durante o período em que Mautner - membro do Partido Comunista desde 1962 - se exilou em Londres para fugir das perseguições do regime militar que, a partir de 1964, tolheu progressivamente as liberdades democráticas no Brasil. É quando surgiu o filme O Demiurgo, que tem cenas exibidas no documentário. É quando surgiram músicas como Maracatu Atômico (Jorge Mautner e Nelson Jacobina), lançada por Gil em 1973 e revisitada pelo cantor baiano em registro feito especialmente para o filme. Musicalmente, a propósito, o documentário é relevante. Em show captado especialmente para o filme, Mautner rebobina parte expressiva de sua obra musical em números feitos com músicos como Berna Ceppas, Domenico Lancellotti, Kassin e Pedro Sá - além do parceiro e amigo Nelson Jacobina, falecido em maio deste ano de 2012. A conexão de Mautner com músicos que dão o tom da música contemporânea produzida no Brasil a partir dos anos 2000 valoriza o documentário - assim como os depoimentos de Gil e Caetano (captados na presença de Mautner) e assim como a beleza plástica das imagens. O requinte da fotografia de Gustavo Habda é perceptível em cada depoimento ou número musical. Mas paira sempre a sensação de que Bial e D'Allincourt poderiam ter ousado mais ao documentar com reverência o legado de Mautner. No confronto afetivo do homenageado com sua filha Amora Mautner (diretora de novelas da TV Globo), fica claro que, também como pai, Mautner fugiu dos padrões convencionais. Jorge Mautner - O Filho do Holocausto respeita demais os padrões  e as convenções do gênero documentário. Um pouco mais de ousadia - nem que fosse na edição - teria rendido um filme mais condizente com o espírito da vida (e da obra) de Jorge Mautner.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

A vida de Jorge Mautner daria um filme tão fora do foco tradicional como O Demiurgo (1970), produção dirigida em Londres por este multimídia artista carioca que - além de cineasta bissexto - é cantor, compositor, violinista, escritor, poeta, cartunista e artista plástico. Sob a direção de Pedro Bial e Heitor D'Allincourt, a vida de Jorge Mautner deu um filme conservador que não capta toda a efervescência da alma da personagem, embora cumpra o papel de ressaltar a importância da obra do artista na cultura nacional. Já em rotação em festivais como É Tudo É Verdade e In-Edit Brasil, mas ainda sem data para entrar em circuito convencional, o documentário Jorge Mautner - O Filho do Holocausto alterna de forma convencional números musicais, depoimentos inéditos e imagens de arquivo. O título O Filho do Holocausto se refere ao fato de Henrique George Mautner ter vindo ao mundo em 1941 como fruto da união de um judeu austríaco com uma católica iugoslava que desembacaram no Brasil para fugir do regime nazista. É por isso que o filme abre com cenas do holocausto ao som de Lágrimas Negras, um dos títulos mais conhecidos da obra musical de Mautner. Nessa primeira parte, de ritmo lento, depoimentos dão a pista da formação do artista, cujo talento para as letras se revelou precocemente na cena literária. Em 1956, aos 15 anos, Mautner começou a escrever Deus da Chuva e da Morte, livro que lhe renderia em 1962 um Prêmio Jabuti. Já a obra musical somente iria ter visibilidade na década de 70 a partir das conexões feitas com Caetano Veloso e Gilberto Gil na Inglaterra, durante o período em que Mautner - membro do Partido Comunista desde 1962 - se exilou em Londres para fugir das perseguições do regime militar que, a partir de 1964, tolheu progressivamente as liberdades democráticas no Brasil. É quando surgiu o filme O Demiurgo, que tem cenas exibidas no documentário. É quando surgiram músicas como Maracatu Atômico (Jorge Mautner e Nelson Jacobina), lançada por Gil em 1973 e revisitada pelo cantor baiano em registro feito especialmente para o filme. Musicalmente, a propósito, o documentário é relevante. Em show captado especialmente para o filme, Mautner rebobina parte expressiva de sua obra musical em números feitos com músicos como Berna Ceppas, Domenico Lancellotti, Kassin e Pedro Sá - além do parceiro e amigo Nelson Jacobina, falecido em maio deste ano de 2012. A conexão de Mautner com músicos que dão o tom da música contemporânea produzida no Brasil a partir dos anos 2000 valoriza o documentário - assim como os depoimentos de Gil e Caetano (captados na presença de Mautner) e assim como a beleza plástica das imagens. O requinte da fotografia de Gustavo Habda é perceptível em cada depoimento ou número musical. Mas paira sempre a sensação de que Bial e D'Allincourt poderiam ter ousado mais ao documentar com reverência o legado de Mautner. No confronto afetivo do homenageado com sua filha Amora Mautner (diretora de novelas da TV Globo), fica claro que, também como pai, Mautner fugiu dos padrões convencionais. Jorge Mautner - O Filho do Holocausto respeita demais os padrões e as convenções do gênero documentário. Um pouco mais de ousadia - nem que fosse na edição - teria rendido um filme mais condizente com o espírito da vida (e da obra) de Jorge Mautner.