Título: Baú da Dona Ivone
Artista: Vários
Gravadora: HL Records
Cotação: * * * 1/2
♪ Disco distribuído somente nas escolas, ainda à espera de edição comercial
♪ "O samba é feito da dor / Do açoite que ainda perdurar / Mas nasce e renasce na cor / Na ginga, na finta e no cantar", poetiza Bruno Castro nos versos finais de Dia do samba no Bonfim (Ivone Lara e Bruno Castro), tema que mistura a cadência do samba com o toque do ijexá. Nas emblemáticas vozes baianas de Caetano Veloso e Maria Bethânia, Dia do samba no Bonfim abre o CD Baú da Dona Ivone, produzido por Bruno Castro - parceiro mais frequente de Ivone Lara nos últimos anos - com patrocínio da Prefeitura do Rio de Janeiro para distribuição nas escolas. Ainda à espera de gravadora interessada na produção de uma edição comercial, o disco - gravado de maio a este mês de julho de 2012 - tem valor instantâneo por apresentar 12 boas músicas inéditas de Dona Ivone Lara, compositora carioca de importância fundamental e pioneira na história do samba. São sambas compostos em épocas diversas pela Rainha do Samba, artista ainda em cena do alto de seus 91 anos. Alguns estão à altura da obra da compositora - inclusive um ou outro samba finalizado pelo neto de Ivone, André Lara, caso de Luta imperiana (Ivone Lara, Bruno Castro e André Lara), defendido pelo próprio André em faixa de clima de terreiro, aberta com citação incidental de O preá (Bruno Castro). Baú da Dona Ivone guarda para a posteridade joias do cancioneiro da compositora. Dia do samba no Bonfim é o maior destaque. Mas cabe ressaltar a beleza melódica de A menina e o tempo (Ivone Lara, Bruno Castro e Zé Luiz do Império) - grande samba interpretado por Luiza Dionísio - e a parceria bissexta de Ivone com Nei Lopes, Outra vez, samba de boa cepa cantado pelo próprio Nei. Há também sobras da obra da compositora com Délcio Carvalho, seu primeiro parceiro mais frequente. São temas como o mediano Vai (Ivone Lara e Délcio Carvalho - na voz de Délcio), Vento da tarde (Ivone Lara, Délcio Carvalho e André Lara) - samba cantado por Nelson Sargento cuja primeira parte expõe beleza que soa mais rarefeita na segunda - e Não é miragem (Ivone Lara e Délcio Carvalho). Extraído do baú de Beth Carvalho, intérprete do tema, Não é miragem é samba de 1981 que se diferencia dos demais pelo tom político dos versos, escritos por Délcio quando o povo brasileiro ainda vivia sob a mordaça da ditadura. Mas a ideologia é a mesma. Afinal, os sambas de Ivone costumam versar com esperança e poesia sobre as vicissitudes da vida. E os temas do Baú da Dona Ivone vão por esse mesmo nobre caminho que exala certa melancolia tanto na melodia quanto na letra. "Vejo alegria na tristeza / Esperança na angústia / Luz em cada olhar / Eu agradeço essa riqueza", canta Luiza Dionísio no supra-citado A menina e o tempo. Com menor teor poético, Adeus ao senhor da razão (Ivone Lara e Bruno Castro) tem certo clima noturno, pontuado pelo arranjo do produtor musical Maurício Verde, que combina muito bem com a interpretação de Áurea Martins, tarimbada cantora diplomada na noite carioca. Já Não me maltrata costura o estilo mais informal de Sombrinha - intérprete do samba e parceiro de Ivone e Bruno Castro no partido alto - com o tom poético da obra da compositora. Da mesma forma, Império e Portela (Ivone Lara, Diogo Nogueira, Ciraninho e Bruno Castro) tem o azul e o branco do samba menos nobre de Diogo e Ciraninho, mas o colorido final é bonito. Na voz do portelense Monarco, a nobreza fica mais realçada em Sombras na parede (Ivone Lara, André Lara e Délcio Carvalho), outra relíquia do baú. No fim, À procura da felicidade (Ivone Lara) - samba da lavra solitária da compositora, interpretado por Juninho Thybau - reitera o alto quilate de parte dessas joias do Baú da Dona Ivone, CD que coroa o reinado da dama imperial.