Título: Milton Nascimento - Nada Será Como Antes
Direção: Charles Möeller
Direção musical e roteiro: Claudio Botelho
Elenco: Cássia Raquel, Claudio Lins, Délia Fischer, Estrela Blanco, Jonas Hammarm, Jules
Vandysstadt, Lui Coimbra, Marya Bravo, Pedro Aune, Pedro Sol, Sérgio Dalcin,
Tatih Köeller, Whatson Cardozo e Wladimir Pinheiro
Foto: Guga Melgar
Cotação: * * * *
Musical em cartaz no Theatro Net Rio, no Rio de Janeiro (RJ), de quinta-feira a domingo
É sintomático que, antes do gran finale com a música de 1972 que lhe dá título, o espetáculo Milton Nascimento - Nada Será Como Antes, junte as vozes de seu afinado elenco no tema Que Bom Amigo (Milton Nascimento, 1995). Esta música pouco ouvida da obra do compositor se irmana com a Canção Amiga (Milton Nascimento e Carlos Drummond de Andrade, 1978 / 1982), entoada pela voz imponente de Estrela Blanco na abertura do primeiro dos quatro quadros deste musical em que Charles Möeller e Claudio Botelho expõem a grandeza fraternal da obra de Milton ao teatralizar a parte mais expressiva do cancioneiro deste carioca de alma mineira. Em que pese a singularidade de sua arquitetura, o repertório autoral de Milton é movido por um espírito gregário que o espetáculo capta e repagina com o requinte habitual dos musicais da dupla Möeller & Botelho. Idealizado nos moldes de Beatles num Céu de Diamantes, musical de 2008 ainda em cena neste ano de 2012, Nada Será Como Antes abre mão de qualquer texto para que a música de Milton Nascimento fale por si só. E essa obra monumental fala alto aos corações. O espetáculo emociona sobretudo porque, acima dos recursos cênicos (simples e eficientes) e do brilho individual de algumas vozes, paira a força da música de Milton, enraizada na memória nacional. Tributo aos 50 anos de carreira do compositor, o musical ambienta as 42 canções do roteiro na casa que lhe serve de belo cenário (de Rogério Falcão) e que acentua o tom acolhedor da obra de Milton ao aclimatá-la em quatro estações. E, em qualquer estação, a música de Milton Nascimento resulta sedutora sob as orquestrações da pianista Délia Fischer. Na primeira, Primavera, o canto de Tatih Köhler faz florescer a delicadeza terna de Cigarra (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1978) enquanto Claudio Lins esboça registro viril enquanto encara Bicho Homem (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1980) no toque dos tambores de Minas. Mas o número mais inventivo é o medley que entrelaça Nos Bailes da Vida (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1978) com músicas do antológico álbum Clube da Esquina (1972) como Um Girassol da Cor do Seu Cabelo (Lô Borges e Márcio Borges), O Trem Azul (Lô Borges e Ronaldo Bastos), e Nuvem Cigana (Lô Borges e Ronaldo Bastos). Como os sonhos, as música desse álbum jamais envelhecem. E uma delas - Clube da Esquina 2 (Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges), gravada no disco duplo de 1972 e não no segundo volume de 1978, como faz supor seu título - tem sua beleza melódica e poética exposta em cena na voz de Délia Fischer. Segunda estação no tempo cênico do musical, o Verão aquecido pelo calor da percussão que não nega a raça de Raça (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1976) é o mesmo que faz brotar o suor do trabalho que escorre em Maria Maria (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1976) - no canto valente de Marya Bravo - e na saga sociológica contida nos versos de Morro Velho (Milton Nascimento, 1966) e encenada com precisão sob a condução da bela voz de Wladimir Pinheiro. Verão que pode ser também o tempo de discussões acaloradas em frente à televisão sobre os lances dos craques, paixão que move Aqui É o País do Futebol (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1970). Em qualquer estação, é tempo de amar. Na abertura do Outono, Paula e Bebeto (Milton Nascimento e Caetano Veloso, 1975) sinaliza - através dos olhares afetivos dos três casais que interpretam o tema - que qualquer maneira de amar vale a pena. Saudade dos Aviões da Panair (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974) destila a nostalgia dos tempos em que não se tinha medo deles que "nem deixam ver a moça e nem ver nascer a flor" - eles, sujeitos ocultos atrás das metáforas de Milagre dos Peixes (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1973), solo de Tatih Köeler. Se Marya Bravo se joga com toda sua força vocal em Cais (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1972), Claudio Lins enfrenta Caçador de Mim (Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá, 1980) sem expor toda a bravura do tema que o 14 Bis lançou em 1980 e que Milton Nascimentou tomou para si no ano seguinte. Da mesma forma, Ponta de Areia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974) perde um pouco da força épica na interpretação das mulheres do elenco. Melhor resultado tem Encontros e Despedidas (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1981), número em que o dueto de Délia Fischer com Jules Vandystadt se desenvolve enquanto o elenco retrata com gestos e olhares os sentimentos recorrentes nas plataformas dessa estação, a vida. No Inverno, aparece a fé cega de Milton em Deus, na música, na vida e num mundo melhor. É a voz divina do cantor que abre o quadro recitando versos de Oração (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1976). Com guitarra e boné que evoca a figura guerrilheira do cubano Che Guevara (1928 - 1967), Pedro Sol ilumina Para Lennon & McCartney (Lô Borges, Márcio Borges e Fernando Brant, 1970), música que lembra que as esquinas mineiras sempre desembocaram nas ruas de Liverpool. Mas o número de maior impacto do Inverno - e do próprio espetáculo como um todo - é o medley de tom sacro em que as vozes de Cássia Raquel e Wladimir Pinheiro ritualizam a morte ao entrelaçar Canto Latino (Milton Nascimento e Ruy Guerra, 1970), Sentinela (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1969) e Menino (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1976). Cássia, a propósito, já mostrara a potência de sua linda voz ao fim do Verão, quando entoa a folclórica Cantiga (Caiacó) (Heitor Villa-Lobos, Teca Calazans e Milton Nascimento, 1980) com o reforço do coro do elenco. No fim, findas as quatro estações, Pedro Sol e Estrela Blanco encarnam com desenvoltura o casal paz & amor de Amor de Índio (1978) - parceria de Beto Guedes com Ronaldo Bastos, e não de Milton com Bastos, como creditado erroneamente no programa do espetáculo - e Claudio Lins solta a voz em Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1967), marco inicial da estrada já cinquentenária, pavimentada por Milton Nascimento com uma das músicas mais ricas e belas do mundo. Obra que mistura a dor e a alegria e que - ora revisitada no seu período áureo por Möeller & Botelho em musical emocionante - explode em som, cor e suor na cena fraterna deste espetáculo para se guardar no lado esquerdo do peito.
10 comentários:
É sintomático que, antes do gran finale com a música de 1972 que lhe dá título, o espetáculo Milton Nascimento - Nada Será Como Antes, junte as vozes de seu afinado elenco no tema Que Bom Amigo (Milton Nascimento, 1995). Esta música pouco ouvida da obra do compositor se irmana com a Canção Amiga (Milton Nascimento e Carlos Drummond de Andrade, 1978 / 1982), entoada pela voz imponente de Estrela Blanco na abertura do primeiro dos quatro quadros deste musical em que Charles Möeller e Claudio Botelho expõem a grandeza fraternal da obra de Milton ao teatralizar a parte mais expressiva do cancioneiro deste carioca de alma mineira. Em que pese a singularidade de sua arquitetura, o repertório autoral de Milton é movido por um espírito gregário que o espetáculo capta e repagina com o requinte habitual dos musicais da dupla Möeller & Botelho. Idealizado nos moldes de Beatles num Céu de Diamantes, musical de 2008 ainda em cena neste ano de 2012, Nada Será Como Antes abre mão de qualquer texto para que a música de Milton Nascimento fale por si só. E essa obra monumental fala alto aos corações. O espetáculo emociona sobretudo porque, acima dos recursos cênicos (simples e eficientes) e do brilho individual de algumas vozes, paira a força da música de Milton, enraizada na memória nacional. Tributo aos 50 anos de carreira do compositor, o musical ambienta as 42 canções do roteiro na casa que lhe serve de belo cenário (de Rogério Falcão) e que acentua o tom acolhedor da obra de Milton ao aclimatá-la em quatro estações. E, em qualquer estação, a música de Milton Nascimento resulta sedutora sob as orquestrações da pianista Délia Fischer. Na primeira, Primavera, o canto de Tatih Köhler faz florescer a delicadeza terna de Cigarra (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1978) enquanto Claudio Lins esboça registro viril enquanto encara Bicho Homem (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1980) no toque dos tambores de Minas. Mas o número mais inventivo é o medley que entrelaça Nos Bailes da Vida (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1978) com músicas do antológico álbum Clube da Esquina (1972) como Um Girassol da Cor do Seu Cabelo (Lô Borges e Márcio Borges), O Trem Azul (Lô Borges e Ronaldo Bastos), e Nuvem Cigana (Lô Borges e Ronaldo Bastos). Como os sonhos, as música desse álbum jamais envelhecem. E uma delas - Clube da Esquina 2 (Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges), gravada no disco duplo de 1972 e não no segundo volume de 1978, como faz supor seu título - tem sua beleza melódica e poética exposta em cena na voz de Délia Fischer. Segunda estação no tempo cênico do musical, o Verão aquecido pelo calor da percussão que não nega a raça de Raça (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1976) é o mesmo que faz brotar o suor do trabalho que escorre em Maria Maria (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1976) - no canto valente de Marya Bravo - e na saga sociológica contida nos versos de Morro Velho (Milton Nascimento, 1966) e encenada com precisão sob a condução da bela voz de Wladimir Pinheiro. Verão que pode ser também o tempo de discussões acaloradas em frente à televisão sobre os lances dos craques, paixão que move Aqui É o País do Futebol (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1970).
Em qualquer estação, é tempo de amar. Na abertura do Outono, Paula e Bebeto (Milton Nascimento e Caetano Veloso, 1975) sinaliza - através dos olhares afetivos dos três casais que interpretam o tema - que qualquer maneira de amar vale a pena. Saudade dos Aviões da Panair (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974) destila a nostalgia dos tempos em que não se tinha medo deles que "nem deixam ver a moça e nem ver nascer a flor" - eles, sujeitos ocultos atrás das metáforas de Milagre dos Peixes (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1973), solo de Tatih Köeler. Se Marya Bravo se joga com toda sua força vocal em Cais (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1972), Claudio Lins enfrenta Caçador de Mim (Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá, 1980) sem expor toda a bravura do tema que o 14 Bis lançou em 1980 e que Milton Nascimentou tomou para si no ano seguinte. Da mesma forma, Ponta de Areia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974) perde um pouco da força épica na interpretação das mulheres do elenco. Melhor resultado tem Encontros e Despedidas (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1981), número em que o dueto de Délia Fischer com Jules Vandystadt se desenvolve enquanto o elenco retrata com gestos e olhares os sentimentos recorrentes nas plataformas dessa estação, a vida. No Inverno, aparece a fé cega de Milton em Deus, na música, na vida e num mundo melhor. É a voz divina do cantor que abre o quadro recitando versos de Oração (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1976). Com guitarra e boné que evoca a figura guerrilheira do cubano Che Guevara (1928 - 1967), Pedro Sol ilumina Para Lennon & McCartney (Lô Borges, Márcio Borges e Fernando Brant, 1970), música que lembra que as esquinas mineiras sempre desembocaram nas ruas de Liverpool. Mas o número de maior impacto do Inverno - e do próprio espetáculo como um todo - é o medley de tom sacro em que as vozes de Cássia Raquel e Wladimir Pinheiro ritualizam a morte ao entrelaçar Canto Latino (Milton Nascimento e Ruy Guerra, 1970), Sentinela (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1969) e Menino (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1976). Cássia, a propósito, já mostrara a potência de sua linda voz ao fim do Verão, quando entoa a folclórica Cantiga (Caiacó) (Heitor Villa-Lobos, Teca Calazans e Milton Nascimento, 1980) com o reforço do coro do elenco. No fim, findas as quatro estações, Pedro Sol e Estrela Blanco encarnam com desenvoltura o casal paz & amor de Amor de Índio (1978) - parceria de Beto Guedes com Ronaldo Bastos, e não de Milton com Bastos, como creditado erroneamente no programa do espetáculo - e Claudio Lins solta a voz em Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1977), marco inicial da estrada já cinquentenária, pavimentada por Milton Nascimento com uma das músicas mais ricas e belas do mundo. Obra que mistura a dor e a alegria e que - ora revisitada no seu período áureo por Möeller & Botelho em musical emocionante - explode em som, cor e suor na cena fraterna deste espetáculo para se guardar no lado esquerdo do peito.
O musical é imperdível!! Cenarios, figurinos e vozes espetaculares!!! Imperdível!!
Não dá pra confiar, Marcelo,o Mauro fala bem de todos os musicais dessa dupla
Como pode uma produção desse porte errar dando a autoria da música do beto guedes para o milton?
Lamentável o descuido...
Abs, denilson
Eu assisti Luca. Na minha opinião , é fabuloso. Mas gosto é completamente relativo. Dessa vez eu concordo com o Mauro, e olha q não é sempre que isso acontece...
'Travessia' é de 1967, e não como constou no texto.
Fábio, grato por me alertar para o erro (de digitação), já corrigido. Abs, MauroF
Também assisti o musical e corroboro aqui a crítica de Mauro e a opinião de Marcelo acima: "Milton Nascimento - Nada Será Como Antes - O Musical" é um ES-PE-TÁ-CU-LO!!! Vão ver e se emocionar!
só a intenção de fazer esse musical já valeria o aplauso; o resto é lucro.
Postar um comentário