Resenha de show
Evento: Noite Jazzmania
Título: Guinga & Francis Hime
Artistas: Francis Hime e Guinga (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Studio RJ (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 23 de outubro de 2012
Cotação: * * * * 1/2
♪ "Tarja preta...". Feito em voz alta, logo que Francis Hime e Guinga acabaram de apresentar ao público do Studio RJ a primeira parceria dos compositores, A ver navios, o comentário espirituoso sobre a canção, letrada com lirismo por Olivia Hime, aludiu à densidade poética do tema, que já nasceu com cara de obra-prima. Compositores de alto nível, da turma que cria melodias requintadas e jamais abre mão da poesia, Francis e Guinga irmanaram suas obras em belo show que deu prévia do (possivelmente grande) disco que vai ser lançado no primeiro semestre de 2013 pela gravadora Biscoito Fino. Embora vá apresentar parcerias inéditas dos compositores, como Doentia, em que Thiago Amud perfila na letra o caráter escorregadio de mulher que "tem a lábia de uma atriz", o álbum vai estar centrado - tal como o show feito em 23 de outubro de 2012 - no entrelaçamento dos cancioneiros de Francis e Guinga. A exposição das afinidades entre as obras saltou aos ouvidos em medleys temáticos que costuraram canções de um e de outro com perfeita harmonia. Se Nem mais um pio (Guinga e Sérgio Natureza, 2001) se irmana com Passaredo (Francis Hime e Chico Buarque, 1975) no retrato bucólico da fauna brasileira, Saci (Guinga e Paulo César Pinheiro, 1993) pula vivaz - em dueto dos compositores transformados em cantores por força do ofício (embora Guinga tenha se revelado grande intérprete ao longo dos anos) - em medley que o conecta com a brasilidade de Parintintin (Francis Hime e Olivia Hime, 1980). Se o ainda inédito Cambono (Guinga e Thiago Amud, 2012) cai no samba com a ambiência afro que aclimata Anoiteceu (Francis Hime e Vinicius de Moraes, 1968), Porto de Araújo (Guinga e Paulo César Pinheiro, 1989) transporta a carga pesada que embala os versos desassossegados escritos por Olivia Hime para Desacalanto, parceria com Francis, lançada pelo compositor no álbum Arquitetura da flor (2006). Com Francis ao piano e Guinga ao violão, os compositores alternam vocais ao revisitar o próprio cancioneiro e ao abordar a obra alheia. Fã das canções de amor, Guinga conduz Minha (Francis Hime e Ruy Guerra, 1966) momentos após Francis iluminar Noturna (Guinga e Paulo César Pinheiro, 1991). É fato que o canto de Francis não traduz toda a carga emocional dessas canções de amor (às vezes dilacerado) - como fica evidente no bis quando o compositor sola Atrás da porta (Francis Hime e Chico Buarque, 1972). Contudo, essa falta de vocação para interpretações intensas jamais embaça o brilho de show que evoca os climas das modinhas imperiais no medley que agrega Senhorinha (Guinga e Paulo César Pinheiro, 1983) - tema que Francis solou sem o rigor estilístico das interpretações de Mônica Salmaso e Nana Caymmi - e A noiva da cidade (Francis Hime e Chico Buarque), canção de beleza inebriante que Guinga não conseguiu cantar até o final, vencido pela emoção traduzida pelo choro incontido no meio do tema, cuja origem remete à música Amor a esmo, lançada por Francis em LP de 1964 quando ainda integrava o conjunto Os Seis em Ponto (a letra de Chico Buarque foi feita nos anos 1970 para a trilha sonora do filme A noiva da cidade). Cariocas, Francis e Guinga fizeram a bola rolar redonda no medley que uniu Mar de Maracanã (Guinga e Edu Kneip, 2007) - tema cantado por Francis com Guinga ao violão - e Maracanã (Francis Hime e Paulo César Pinheiro, 1997), samba de arquitetura menos empolgante no qual os artistas fizeram tabelinha vocal. E tudo acabou - antes do bis - em samba, E se, parceria menos ouvida de Francis e Chico Buarque. Em sintonia, harmonizados pela sofisticação dos respectivos cancioneiros, Francis Hime e Guinga protagonizaram show que, por analogia, ressaltou os parentescos de obras grandes e afins que, irmanadas em cena, dão a impressão de serem ainda maiores do que já são.