Resenha de CD
Título: Tudo Esclarecido - Zélia Duncan Canta Itamar Assumpção
Artista: Zélia Duncan
Gravadora: Duncan Discos / Warner Music
Cotação: * * * * *
Em 1996, ao gravar seu terceiro álbum, Intimidade, Zélia Duncan registrou pela primeira vez em sua discografia uma música de Itamar Assumpção (1949 -2003), Vou Tirar Você do Dicionário, parceria do compositor paulista com Alice Ruiz. Nascia ali relação de progressiva intimidade da cantora e compositora fluminense com o cancioneiro deste artista que renovou a linguagem da música brasileira nos anos 80 ao lado de Arrigo Barnabé e Luiz Tatit (então à frente do Grupo Rumo), entre outros nomes associados à Vanguarda Paulista. Dezesseis anos e nove CDs depois, Zélia tira definitivamente a palavra difícil do dicionário de Itamar Assumpção com o lançamento de seu 12º álbum, Tudo Esclarecido, inteiramente dedicado à obra do Nego Dito. Sob a produção de Kassin, feita na dose certa entre o pop e o indie, a cantora - habilidosa intérprete de músicas alheias - põe suas impressões digitais no cancioneiro de Itamar sem diluição das angústias e da contundência da obra do compositor. Dentro da poética do desassossego, mote do cancioneiro do artista, Zélia se impõe definitivamente como a mais perfeita tradução pop do repertório de Itamar neste disco que apresenta seis músicas inéditas garimpadas no baú do compositor. Faixa já propagada como single promocional do álbum distribuído pela Warner Music, Tua Boca (Itamar Assumpção, 1993) encontra de cara o fio da meada ao dialogar com a sonoridade da discografia de Zélia na fase pop folk do álbum Intimidade. Com suingue de samba-rock, Cabelo Duro (Itamar Assumpção, 2004) espicha o orgulho afro-brasileiro com citação de Justo Você Berenice, outra música gravada por Itamar em Isso Vai Dar Repercussão, disco dividido com Naná Vasconcelos. Já Isso Não Vai Ficar Assim (Itamar Assumpção, 1986) - faixa cantada por Zélia com Ney Matogrosso, no toque da sanfona de Marcelo Jeneci - eriça no compasso do xote a urgência latente no cancioneiro de Itamar. E quem é capaz de rotular cancioneiro e compositor como malditos após ouvir uma linda balada como Mal Menor (Itamar Assumpção, 1988), inteligível e inteligente em sua arquitetura pop? Talvez somente quem se incomodasse com o fato de o Nego Dito jamais ter se rendido ao jogo da indústria da música e ao toma lá dá cá das relações cotidianas. "Prefiro morrer de medo, viver pra sempre em degredo / Do que ter que te dar minha mão", avisa, incisivo, em versos da inédita A Gruta da Solidão (Itamar Assumpção), faixa de suingue funkeado. Outro título inédito de cancioneiro febril, a balada Quem Mandou (Itamar Assumpção e Alice Ruiz) parece ter jogado fora a bula das arrependidas canções de amor ao jogar luz sobre a poética contemporânea de Alice Ruiz, parceira mais frequente de Itamar, coautora também da inédita faixa-título Tudo Esclarecido, introduzida pelo baixo acústico de Kassin, produtor hábil ao construir sonoridade moderna para o disco sem inventar moda que deixasse o cancioneiro de Itamar em segundo plano. "Entre as coisas perdidas / Estão os melhores achados", ressalta Zélia em Tudo Esclarecido. Tema ambientado em apropriado clima letárgico, Noite Torta (Itamar Assumpção, 1993) é um desses achados, encontrado - a bem da verdade - dois anos antes por Silvia Machete ao reunir o repertório de seu álbum Extravaganza (2010). Enquanto Penso Nela (Itamar Assumpção, 1993) é viagem interior que delineia bem a assinatura de Kassin, piloto que arregimentou tripulantes como Pedro Sá (na guitarra), Marcelo Jeneci (nos teclados e nas sanfonas), Christiaan Oyens (músico de presença determinante na fase inicial da discografia de Zélia, mais voltada para o pop folk), Thiago Silva (na bateria) e Stephane Sanjuan (na percussão). Com essa banda, acrescida do próprio Kassin no baixo e eventualmente no sintetizador, Zélia entra no clima forrozeiro de Vê se me Esquece (Itamar Assumpção e Alice Ruiz, 1993), apresenta a inédita balada Não É por Aí (Itamar Assumpção e Alice Ruiz) - na qual sobressai a guitarra bluesy de Pedro Sá - e cai no samba com Martinho da Vila em É de Estarrecer (Itamar Assumpção e Alice Ruiz). No inédito samba, anfitriã e convidado esboçam descontraídas reflexões sobre a vida a partir da percepção de que, na língua inglesa, um único verbo (To Be) significa tanto estar como ser. Curiosamente, é na sequência do samba, ao fim do disco, que vem a faixa capaz de estarrecer quem enquadra a cantora na moldura da doçura. Zélia Mãe Joana (Itamar Assumpção) - cuja letra foi entregue à artista pelo próprio Itamar na folha de um calendário - sussurra ameaças e mostra que, para cantar Itamar Assumpção e tirar o nome do compositor do dicionário dos malditos, Zélia Duncan mudou seu vocabulário e inventou outra gramática sem desviar de seu trilho pop.
Em 1996, ao gravar seu terceiro álbum, Intimidade, Zélia Duncan registrou pela primeira vez em sua discografia uma música de Itamar Assumpção (1949 -2003), Vou Tirar Você do Dicionário, parceria do compositor paulista com Alice Ruiz. Nascia ali relação de progressiva intimidade da cantora e compositora fluminense com o cancioneiro deste artista que renovou a linguagem da música brasileira nos anos 80 ao lado de Arrigo Barnabé e Luiz Tatit (então à frente do Grupo Rumo), entre outros nomes associados à Vanguarda Paulista. Dezesseis anos e nove CDs depois, Zélia tira definitivamente a palavra difícil do dicionário de Itamar Assumpção com o lançamento de seu 12º álbum, Tudo Esclarecido, inteiramente dedicado à obra do Nego Dito. Sob a produção de Kassin, feita na dose certa entre o pop e o indie, a cantora - habilidosa intérprete de músicas alheias - põe suas impressões digitais no cancioneiro de Itamar sem diluição das angústias e da contundência da obra do compositor. Dentro da poética do desassossego, mote do cancioneiro do artista, Zélia se impõe definitivamente como a mais perfeita tradução pop do repertório de Itamar neste disco que apresenta seis músicas inéditas garimpadas no baú do compositor. Faixa já propagada como single promocional do álbum distribuído pela Warner Music, Tua Boca (Itamar Assumpção, 1993) encontra de cara o fio da meada ao dialogar com a sonoridade da discografia de Zélia na fase pop folk do álbum Intimidade. Com suingue de samba-rock, Cabelo Duro (Itamar Assumpção, 2004) espicha o orgulho afro-brasileiro com citação de Justo Você Berenice, outra música gravada por Itamar em Isso Vai Dar Repercussão, disco dividido com Naná Vasconcelos. Já Isso Não Vai Ficar Assim (Itamar Assumpção, 1986) - faixa cantada por Zélia com Ney Matogrosso, no toque da sanfona de Marcelo Jeneci - eriça no compasso do xote a urgência latente no cancioneiro de Itamar. E quem é capaz de rotular cancioneiro e compositor como malditos após ouvir uma linda balada como Mal Menor (Itamar Assumpção, 1988), inteligível e inteligente em sua arquitetura pop? Talvez somente quem se incomodasse com o fato de o Nego Dito jamais ter se rendido ao jogo da indústria da música e ao toma lá dá cá das relações cotidianas. "Prefiro morrer de medo, viver pra sempre em degredo / Do que ter que te dar minha mão", avisa, incisivo, em versos da inédita A Gruta da Solidão (Itamar Assumpção), faixa de suingue funkeado. Outro título inédito de cancioneiro febril, a balada Quem Mandou (Itamar Assumpção e Alice Ruiz) parece ter jogado fora a bula das arrependidas canções de amor ao jogar luz sobre a poética contemporânea de Alice Ruiz, parceira mais frequente de Itamar, coautora também da inédita faixa-título Tudo Esclarecido, introduzida pelo baixo acústico de Kassin, produtor hábil ao construir sonoridade moderna para o disco sem inventar moda que deixasse o cancioneiro de Itamar em segundo plano. "Entre as coisas perdidas / Estão os melhores achados", ressalta Zélia em Tudo Esclarecido.
ResponderExcluirTema ambientado em apropriado clima letárgico, Noite Torta (Itamar Assumpção, 1993) é um desses achados, encontrado - a bem da verdade - dois anos antes por Silvia Machete ao reunir o repertório de seu álbum Extravaganza (2010). Enquanto Penso Nela (Itamar Assumpção, 1993) é viagem interior que delineia bem a assinatura de Kassin, piloto que arregimentou tripulantes como Pedro Sá (na guitarra), Marcelo Jeneci (nos teclados e nas sanfonas), Christiaan Oyens (músico de presença determinante na fase inicial da discografia de Zélia, mais voltada para o pop folk), Thiago Silva (na bateria) e Stephane Sanjuan (na percussão). Com essa banda, acrescida do próprio Kassin no baixo e eventualmente no sintetizador, Zélia entra no clima forrozeiro de Vê se me Esquece (Itamar Assumpção e Alice Ruiz, 1993), apresenta a inédita balada Não É por Aí (Itamar Assumpção e Alice Ruiz) - na qual sobressai a guitarra bluesy de Pedro Sá - e cai no samba com Martinho da Vila em É de Estarrecer (Itamar Assumpção e Alice Ruiz). No inédito samba, anfitriã e convidado esboçam descontraídas reflexões sobre a vida a partir da percepção de que, na língua inglesa, um único verbo (To Be) significa tanto estar como ser. Curiosamente, é na sequência do samba, ao fim do disco, que vem a faixa capaz de estarrecer quem enquadra a cantora na moldura da doçura. Zélia Mãe Joana (Itamar Assumpção) - cuja letra foi entregue à artista pelo próprio Itamar na folha de um calendário - sussurra ameaças e mostra que, para cantar Itamar Assumpção e tirar o nome do compositor do dicionário dos malditos, Zélia Duncan mudou seu vocabulário e inventou outra gramática sem desviar de seu trilho pop.
ResponderExcluirExcelente disco da Zélia! Uma bela homenagem dela ao grande Itamar Assumpção.
ResponderExcluirApenas para esclarecimento: sou o assíduo e antigo visitante do blog. Modifiquei meu nick para evitar de que os demais visitantes do blog associem opiniões minhas as dos demais Rafaéis que tem aparecido no blog.
ResponderExcluirMauro surtou ao dar cinco estrelas pra esse disco, se ele for como Tua boca, merece três e olhe lá, Zélia reduziu a música do Itamar a uma canção como tantas que ela mesma Zélia já gravou, ouçam a Caixa preta do Itamar que vão me dar razão
ResponderExcluirValeu Luca pelo comentário e pela lucidez, fecho contigo
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirTambém achei o disco bem mediano, morno, com pouquissima vibração mais apimentada. Parece que faltou um pouco de 'pegada'. A meu ver Zélia vinha de discos bem acima desse.
ResponderExcluiramei a leitura de Zélia para a obrta de Itamar. ficou diferente do que ela já fez antes como em "Pré pós tudo bossa band", ficou um disco com unidade e ainda diversificado.
ResponderExcluirPerfeito! Uma benção esse disco!
ResponderExcluirNão preciso de mais nada este ano. "Tudo Esclarecido" e "Abraçaço" bastaram! :))
Rapaz... que disco lindo... Já conhecia a obra de Itamar, por ele mesmo, mas o que Zélia consegue é transformá-la em absoluta obra de arte. Impressionante! Vale nota máxima! Só faltou dizer que o disco é lançado em três versões, CD simples, com caixa de acrílico, CD em digipack, e outra versão em digipack mais encarte de 40 páginas, que está custando mais de R$ 100,00 nas lojas virtuais.
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