Título: Do Lado do Avesso
Artista: Cássia Eller
Gravadora: Universal Music
Cotação: * * * * 1/2
Em março de 2001, quando Cássia Eller (1962 - 2001) subiu ao palco da casa do Rio de Janeiro (RJ) hoje denominada Citibank Hall para fazer show da série A luz do solo, a sós com três tipos de violões (de nylon, de aço e de 12 cordas), a cantora já tinha sido enquadrada na moldura pop do mercado fonográfico. Vinha de um disco mais suave em que assumiu já na capa imagem mais feminina, Com você... Meu mundo ficaria completo (1999), e tinha acabado de gravar o Acústico MTV que a consagraria naquele ano que seria o último de sua vida. Contudo, no palco, Cássia jamais se deixou enquadrar. É essa Cássia indomada que se ilumina na - até então inédita - gravação de sua apresentação no projeto A luz do solo. Editada em dezembro de 2012 em CD (com 16 músicas) e em DVD (com 12 números vistos em imagens cruas, extraídas das câmeras usadas para captar imagens para os telões da casa de shows) intitulados Do lado do avesso, a gravação do show ganhou nome adequado. Do lado do avesso é o tema do blues instrumental, de autoria da própria Cássia Eller, alocado no roteiro. Mas tal título também serve para caracterizar um show em que Cássia virou e revirou do avesso todas as expectativas depositadas nela. Ali, no palco, vê-se e ouve-se um diamante verdadeiro em estado bruto. Uma Cássia espontânea, honesta no trato com o público, uma intérprete que não faz pose - transparência perceptível, aliás, quando ela erra sucessivas vezes a letra do choro Diamante verdadeiro (Caetano Veloso) na tentativa de imitar Maria Bethânia. Acima de tudo, uma grande intérprete. Capaz de destilar com delicadeza o sentimento de perda exposto em Espaço (Vítor Ramil) - canção nunca gravada por Cássia - e de imprimir sotaque rasta em Eleanor Rigby (John Lennon e Paul McCartney) com a mesma naturalidade com que aveluda seus graves ao cantar Cherokee Louise (Joni Mitchell), com que encara um blues (I ain't got nothing but the blues, de Duke Ellington e Don George) e com que apresenta com orgulho All star, a canção então inédita que Nando Reis havia feito para ela (de Nando, compositor então predominante no repertório mais pop de Cássia, a cantora ainda entoa Relicário e Luz dos olhos). Sem fazer gênero, Cássia insere um "aquela gostosa que não que me quer" em meio aos versos de Gatas extraordinárias (Caetano Veloso) e irmana Luiz Capucho (Maluca) e Zé Ramalho (Vila do sossego) em roteiro que jamais se atola na lama do ecletismo. Roteiro que inclui primorosa interpretação de 1º de julho (Renato Russo) e que abre espaço para a entrada do saxofonista Fábio Meneghesso em You've changed (Bill Carey e Carl Fischer), o standard norte-americano de 1941 que já foi gravado por todas as grandes cantoras de jazz e que ganha com Cássia um registro intenso, mas ao mesmo tempo íntimo e pessoal. Enfim, a edição do CD e DVD Do lado do avesso pode até ter natureza puramente mercadológica - e não é de hoje que a gravadora Universal Music vem revirando o baú de Cássia Eller, com o aval da família da artista - mas se trata do melhor produto póstumo de uma artista que deixou saudade e lacuna ainda não preenchida no vasto universo pop brasileiro.
11 comentários:
Em março de 2001, quando Cássia Eller (1962 - 2001) subiu ao palco da casa do Rio de Janeiro (RJ) hoje denominada Citibank Hall para fazer show da série A Luz do Solo, a sós com três tipos de violões (de nylon, de aço e de 12 cordas), a cantora já tinha sido enquadrada na moldura pop do mercado fonográfico. Vinha de um disco mais suave em que assumiu já na capa imagem mais feminina, Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo (1999), e tinha acabado de gravar o Acústico MTV que a consagraria naquele ano que seria o último de sua vida. Contudo, no palco, Cássia jamais se deixou enquadrar. É essa Cássia indomada que se ilumina na - até então inédita - gravação de sua apresentação no projeto A Luz do Solo. Editada em dezembro de 2012 em CD (com 16 músicas) e em DVD (com 12 números vistos em imagens cruas, extraídas das câmeras usadas para captar imagens para os telões da casa de shows) intitulados Do Lado do Avesso, a gravação do show ganhou nome adequado. Do Lado do Avesso é o tema do blues instrumental, de autoria da própria Cássia Eller, alocado no roteiro. Mas tal título também serve para caracterizar um show em que Cássia virou e revirou do avesso todas as expectativas depositadas nela. Ali, no palco, vê-se e ouve-se um diamante verdadeiro em estado bruto. Uma Cássia espontânea, honesta no trato com o público, uma intérprete que não faz pose - transparência perceptível, aliás, quando ela erra sucessivas vezes a letra do choro Diamante Verdadeiro (Caetano Veloso) na tentativa de imitar Maria Bethânia. Acima de tudo, uma grande intérprete. Capaz de destilar com delicadeza o sentimento de perda exposto em Espaço (Vítor Ramil) - canção nunca gravada por Cássia - e de imprimir sotaque rasta em Eleanor Rigby (John Lennon e Paul McCartney) com a mesma naturalidade com que aveluda seus graves ao cantar Cherokee Louise (Joni Mitchell), com que encara um blues (I Ain't Got Nothing But The Blues, de Duke Ellington e Don George) e com que apresenta com orgulho All Star, a canção então inédita que Nando Reis havia feito para ela (de Nando, compositor então predominante no repertório mais pop de Cássia, a cantora ainda entoa Relicário e Luz dos Olhos). Sem fazer gênero, Cássia insere um "aquela gostosa que não que me quer" em meio aos versos de Gatas Extraordinárias (Caetano Veloso) e irmana Luiz Capucho (Maluca) e Zé Ramalho (Vila do Sossego) em roteiro que jamais se atola na lama do ecletismo. Roteiro que inclui primorosa interpretação de 1º de Julho (Renato Russo) e que abre espaço para a entrada do saxofonista Fábio Meneghesso em You've Changed (Bill Carey e Carl Fischer), o standard norte-americano de 1941 que já foi gravado por todas as grandes cantoras de jazz e que ganha com Cássia um registro intenso, mas ao mesmo tempo íntimo e pessoal. Enfim, a edição do CD e DVD Do Lado do Avesso pode até ter natureza puramente mercadológica - e não é de hoje que a gravadora Universal Music vem revirando o baú de Cássia Eller, com o aval da família da artista - mas se trata do melhor produto póstumo de uma artista que deixou saudade e lacuna ainda não preenchida no vasto universo pop brasileiro.
Desde que foi noticiado sobre esse disco que estou curioso para saber o resultado final dele. Não deixa de ser um produto puramente comercial, apesar de que ainda há um sopro de novidade nele, por conter canções inéditas em sua voz.
Desde que foi noticiado sobre esse disco que estou curioso para saber o resultado final dele. Não deixa de ser um produto puramente comercial, apesar de que ainda há um sopro de novidade nele, por conter canções inéditas em sua voz.
Foi lançada também uma edição "deluxe" desse disco, com a capa levemente diferenciada da edição comum.
Eu gostei bastante da música que foi lançada no iTunes Flor do Sol.
Vem aí também um documentário sobre a vida de Cássia.
Melhor até mesmo do que o bom "Dez de dezembro" e o registro do show "Violões", Mauro? Então terei de ouvir...
Felipe dos Santos Souza
Acho Com você... Meu Mundo Ficaria Completo e o Acústico os dois melhores trabalhos fonográficos dela.
Quase sempre quando a indústria suaviza a fúria de um artistas ele sai perdendo muito.
Mas acho que com a Cássia deu-se o contrário.
PS: O DVD do show da turnê de Meu Mundo Ficaria Completo pra mim é um retrato perfeito da diversidade maravilhosa que a Cássia tinha em seu repertório.
Tem Beatles, Chico Science, Tim Maia, Melodia, Chico Buarque, Nirvana...
Quem não tem vale MUITO a pena ir atrás.
Saudades eternas de Cássia...
Acabei de comprar e ouvir... O cd é espetacular. Cássia ao vivo é fantástico.
Na minha opinião, é o melhor cd de 2012.
Abração,
Denilson
Não acredito que supere o show "violões" em repertório e técnica, mas acredito que sirva pra amenizar a saudade. Agora, não entendi o porque de não ter 5 estrelas.
Sim, por que nao ter as cinco estrelinhas? O álbum é lindo, puro e ate despretensioso, a meu ver. Definitivamente a intensáo nao me pareceu puramente mercadologica, ao contrário. Agora, a consequencia comercial de um álbum tão importante e desconhecido até agora do público, agravado por essa medida de grandeza (e beleza), me parece certa!
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