Título: Manifesto do nada na terra do nunca
Artista: Lobão
Editora: Nova Fronteira
Cotação: * * *
♪ Já na lista dos best-sellers brasileiros, o segundo livro de Lobão, Manifesto do nada na terra do nunca, existe porque sua autobiografia 50 anos a mil (Nova Fronteira, 2010) - escrita com o auxílio do jornalista Cláudio Tognolli e lançada há três anos - vendeu cerca de 150 mil exemplares, número expressivo para país habitado por povo que nem lê jornal. Logo, a editora Nova Fronteira encomendou um segundo livro ao cantor, compositor e guitarrista carioca com o mesmo tino comercial com que uma gravadora cobra um novo disco de um cantor que lançou CD de sucesso. Mesmo que o manifesto tenha surgido com claras ambições mercantilistas, há alguma lógica na tese feroz de Lobão. "Leia, antes de bater", pede o autor anônimo do defensivo texto da orelha do livro, já na abertura desse texto. Sim, tal advertência se faz necessária porque as opiniões e ataques extremados de Lobão o tornam alvo fácil dos que têm interesse na manutenção de um status quo - ainda que muitas vezes o próprio Lobão forneça munição para seus detratores por conta do tom gratuitamente agressivo de parte dessas opiniões soltas na mídia (algumas sem o menor senso de realidade). Manifesto do nada na terra do nunca atenua tal agressividade - talvez por conta do medo de processos - sem perda da contundência. Aliás, basta ler o prólogo - um longo poema intitulado Aquarela do Brasil 2.0 no qual o país é retratado com tintas fortes - para perceber que Lobão não foge à luta. Para quem se interessa pela música, o supra-sumo do livro é o primeiro capítulo do manifesto, Terra do nunca, no qual o artista defende a tese de que um nacionalismo xenófobo - gerado em 1922 pela Semana de Arte Moderna - está arraigado na produção musical desde então, guiando a partir dos anos 60 a arquitetura da música rotulada como MPB, sigla questionada pelo escritor diante da pouca penetração popular de alguns artistas associados ao gênero. Para Lobão, a imposição do rótulo de alineado cultural aos que que tentam escapar do cerco nacionalista faz com que, por exemplo, ritmos como o choro sejam - na definição do autor - línguas mortas. O argumento-base do manifesto faz sentido e é bem desenvolvido pelo artista, com perspectiva histórica, neste capítulo inicial. Mesmo assim, ataques gratuitos a compositores da MPB, como Edu Lobo e Gonzaguinha (1945 - 1991), diluem a força e a seriedade do manifesto. Lobão jamais explica porque considera Edu Lobo "insuportável". Gonzaguinha tem ignorado o (imenso) valor de seu cancioneiro, mas, ao menos, o escritor sustenta a tese de que o compositor alimentou a ideologia de uma esquerda que ditou os padrões de bom gosto ao longo dos anos 1960 e 1970. Mais adiante, no capítulo 4, Por que o rock continua errando?, Lobão volta a abordar o nacionalismo exacerbado para defender a tese de que o rock tem sido diluído na produção fonográfica brasileira ao longo de sucessivos anos e gerações, lembrando que artistas inicialmente ligados ao universo pop, como Roberto Carlos e Sérgio Reis, acabaram migrando para a MPB ou, no caso de Reis, para o sertanejo. Dentro desse contexto, o funk carioca teria valor por escapar do enquadramento nacionalista, mesmo com suas letras erotizadas e apelativas. Já o rap teria sido vampirizado pelo sistema - e lá vão críticas explícitas ao grupo Racionais MC's (Mano Brown é caracterizado como "uma caricatura de combatente urbano") e veladas ao rapper Criolo (não citado nominalmente, mas facilmente identificável no trecho em que Lobão alfineta os rappers que começaram a ouvir Chico Buarque, ícone da MPB tão combatida no livro). De todo modo, é de lamentar que o Manifesto do nada na terra do nunca seja desenvolvido com menor força ao longo das 248 páginas do livro. Há capítulos (ácidos) sobre as aventuras de Lobão como repórter do programa A liga (TV Bandeirantes) que, a pretexto de corroborar sua tese, parecem mais uma extensão da autobiografia do artista do que um desenvolvimento coerente e lógico do manifesto. Mesmo assim, somente pelo primeiro capítulo sobre a construção da identidade da MPB, o livro já merece atenção. Ah... sim, leia antes de bater em Lobão, pois em tempos politicamente corretos em que ninguém tem coragem de questionar os gigantes da MPB (apatia que já norteia até mesmo a produção de críticos musicais, alguns amestrados por assessores e/ou temerosos de perder os contatos diretos com artistas), é salutar que alguém desafine o forte coro dos contentes.
12 comentários:
Dentro desse contexto, o funk carioca teria valor por escapar do enquadramento nacionalista, mesmo com suas letras erotizadas e apelativas. Já o rap teria sido vampirizado pelo sistema - e lá vão críticas explícitas ao grupo Racionais MC's (Mano Brown é caracterizado como "uma caricatura de combatente urbano") e veladas ao rapper Criolo (não citado nominalmente, mas facilmente identificável no trecho em que Lobão alfineta os rappers que começaram a ouvir Chico Buarque, ícone da MPB tão combatida no livro). De todo modo, é de lamentar que o Manifesto do nada na terra do nunca seja desenvolvido com menor força ao longo das 248 páginas do livro. Há capítulos (ácidos) sobre as aventuras de Lobão como repórter do programa A liga (TV Bandeirantes) que, a pretexto de corroborar sua tese, parecem mais uma extensão da autobiografia do artista do que um desenvolvimento coerente e lógico do manifesto. Mesmo assim, somente pelo primeiro capítulo sobre a construção da identidade da MPB, o livro já merece atenção. Ah... sim, leia antes de bater em Lobão, pois em tempos politicamente corretos em que ninguém tem coragem de questionar os gigantes da MPB (apatia que abate até mesmo a produção de críticos musicais, alguns amestrados por assessores e/ou temerosos de perder seus contatos), é salutar que alguém desafine o forte coro dos contentes.
Não leio auto-ajuda.
Li rapidamente a critica,confesso. Lobão não me interessa,mas parece que ele tenta combater aquilo que críticos musicais tem corroborado.a atitude iconoclasta dele golpeia ídolos sedimentados por quem os ajudou a construir - os críticos. Então....??
Mauro, acho esquizofrênico alguém dizer que brasileiro é xenófobo. Somos um dos povos mais ignorantes em relação à própria cultura e mais reverentes à cultura americana e europeia no mundo. Nossa música só chegou viva até hoje porque é boa paca. Senão já teria sucumbido à cultura de massa americana, representada pelas multinacionais de gravação (Victor, Odeon, Columbia, Brunswick etc) que se instalaram aqui desde as priscas eras e pelos jabás em rádio. Traçar um panorama da evolução da MPB ignorando o massacre diário de cultura estrangeira (boa e má) de que somos vítimas é incrível. Sou super a favor de debates, notas dissonantes e opiniões expostas com a contundência necessária, mas o manifesto do Lobão (li o livro dele outro dia na Livraria Cultura) me soou como chororô de roqueiro que perdeu espaço na mídia - e, pior, uma deturpação bizarra da realidade. Com todo o respeito,
Abs
Rodrigo, grato por sua opinião. Eu não assino embaixo da tese do Lobão, ok? Apenas sustento que o argumento dele tem sua lógica, não foi criado do nada. Abs, MauroF
Mauro, faltou dizer que sou leitor assíduo do seu blog! Você é um guerreiro por mantê-lo há tanto tempo, diariamente, com tanta informação e qualidade. Parabéns!
Para quer ler Lobão quando podemos vê-lo e ouvi-lo com qualidade artística espetacular no DVD "Lino, sexy e brutal"? Confirmando as palavras do jornalista Jamari França, trata-se, sem favor, do DVD de rock brasileiro de maior qualidade sonora jamais lançado. E a qualidade das músicas e interpretações está altíssima também. Lobão escrevendo e falando? Passo. Lobão tocando e cantando? Sempre!
O Lobão me lembra o Diogo mainardi,criticam tudo e todos (Que tem prestígio ,é claro),mas não apresenta argumentação convincente.
Não leio antes de bater. Há tempos Lobão não me interessa musicalmente, muito menos como analista “onisciente e onipresente” da cultura e da sociedade brasileira. Parece desesperado para garantir espaço na mídia e sai falando coisas inconsistentes, mas que calcula que irão chamar a atenção. Como faz quando detona Chico Buarque e minimiza a tortura praticada na Ditadura Militar. Parece Caetano, com opiniões sobre tudo e todos. Só que Caetano tem um pouco de bom senso e, principalmente, uma produção musical que nos leva a aturar seu lado “analista social”.
Se ele disse alguma besteira, pelo menos teve coragem de falar a (sua) verdade.
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