quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Personalidade forte de Gadú impede que show 'Doncovim' vire 'barzinho'

Resenha de show
Título: Doncovim
Artista: Maria Gadú (em foto de Rodrigo Amaral)
Local: Theatro Net Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 13 de agosto de 2013
Cotação: * * * *

De volta ao Rio de Janeiro (RJ) com Doncovim, um ano após ter estreado este ótimo show de intérprete e influências em palcos cariocas, Maria Gadú encerrou a apresentação que lotou o Theatro Net Rio em 13 de agosto de 2013 com longa jam originada da levada do arranjo de Eclipse oculto (Caetano Veloso, 1983). Foi fecho coerente para show que corria o risco de ter clima de barzinho - uma vez que o roteiro é formado por músicas geralmente conhecidas, sucessos que pavimentaram a bem-sucedida trajetória da cantora e compositora paulista - mas que escapa dessa armadilha por conta dos arranjos nada óbvios, da pegada da banda afiada e, sobretudo, por causa da personalidade forte de Gadú como intérprete. Já no primeiro dos 20 números, Meu caro barão (Sergio Bardotti e Luis Enríquez Bacalov em versão de Chico Buarque, 1981), tema do musical Os Saltimbancos revivido com apropriado espírito lúdico, foi sinalizado que Gadú jamais se portaria como cantora de covers, como cantora de barzinho disposta a entreter um público ávido por sucessos - ainda que hits da dupla Sandy & Junior e da boyband norte-americana Backstreet Boys estejam inseridos no roteiro, lembrando que, sim, há eventuais boas canções nos repertórios de artistas consumidos pela massa. Ora com a guitarra, ora com o violão, recrutado para a abordagem de O último pôr-do-sol (Lenine e Lula Queiroga, 1993), música imersa numa onda de suingue todo próprio, Gadú costura os pontos de sua afetiva memória musical sem preconceitos. Acerta o tempo da Refazenda (Gilberto Gil, 1975), põe pressão roqueira na tropicalista Maraçá (Carlinhos Brown, 1966) - música lançada por Marisa Monte em disco feito com Fernando Caneca, o guitarrista que atualmente toca com Gadú - e imprime registro cool ao samba-canção Ouça (Maysa, 1956), envolto em arranjo econômico. O progresso de Gadú em cena é nítido e, nesse sentido, é emblemática a inclusão de Iracema (Adoniran Barbosa, 1956) no roteiro de Doncovim. Em tom lamentoso, realçado pelo choro da cuíca de Doga, Gadú expõe a tristeza contida nos versos quase tragicômicos do compositor paulista Adoniran Barbosa (1910 - 1982) com interpretação que se impõe como um dos pontos altos do show e que reitera a evolução de Gadú na comparação com a abordagem mais pálida da mesma música feita pela cantora em show apresentado em 12 de abril de 2009, no mesmo Rio de Janeiro (RJ), meses antes de a artista obter sucesso nacional com o lançamento de seu primeiro belo álbum, Maria Gadú (Slap, 2009). Maturada na estrada, após quatro anos de turnês, Gadú já se mostra apta a encarar tanto um baladão classudo de Sade Adu, By your side (Sade Adu, Andrew Hale, Stuart Matthewman e Paul Spencer Denman, 2000), quanto uma música batida como Andança (Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, 1968) - renovada, aliás, por Gadú em Doncovim com interpretação seca, quase a capella, sem a euforia com que a música é cantada em barzinho. Canção enraizada no interior do Brasil, Cio da terra (Milton Nascimento e Chico Buarque, 1976) é o número em que a voz de Gadú se harmoniza com a do baixista Gastão Villeroy em interpretação que remete à gravação da saudosa dupla sertaneja Pena Branca & Xavantinho. Enfim, não fosse compositora, Gadú poderia ganhar a vida como intérprete versátil que vai do pop à MPB, passando pelo rock, tônica da vigorosa abordagem de Índios (Renato Russo, 1986). No dicionário do português informal falado no interior do Brasil, Doncovim é corruptela que significa "de onde eu vim". A julgar pelo energizante show que eletrizou o Theatro Net Rio em 13 de agosto de 2013, Maria Gadú veio - para ficar - de um rico país de musicalidade plural que abarca todo o universo pop.

Um comentário:

  1. De volta ao Rio de Janeiro (RJ) com Doncovim, um ano após ter estreado este show de intérprete e influências em palcos cariocas, Maria Gadú encerrou a apresentação que lotou o Theatro Net Rio em 13 de agosto de 2013 com longa jam originada da levada do arranjo de Eclipse oculto (Caetano Veloso, 1983). Foi fecho coerente para show que corria o risco de ter clima de barzinho - uma vez que o roteiro é formado por músicas geralmente conhecidas, sucessos que pavimentaram a bem-sucedida trajetória da cantora e compositora paulista - mas que escapa dessa armadilha por conta dos arranjos nada óbvios, da pegada da banda afiada e, sobretudo, por causa da personalidade forte de Gadú como intérprete. Já no primeiro dos 20 números, Meu caro barão (Sergio Bardotti e Luis Enríquez Bacalov em versão de Chico Buarque, 1981), tema do musical Os Saltimbancos revivido com apropriado espírito lúdico, foi sinalizado que Gadú jamais se portaria como cantora de covers, como cantora de barzinho disposta a entreter um público ávido por sucessos - ainda que hits da dupla Sandy & Junior e da boyband norte-americana Backstreet Boys estejam inseridos no roteiro, lembrando que, sim, há eventuais boas canções nos repertórios de artistas consumidos pela massa. Ora com a guitarra, ora com o violão, recrutado para a abordagem de O último pôr-do-sol (Lenine e Lula Queiroga, 1993), música imersa numa onda de suingue todo próprio, Gadú costura os pontos de sua afetiva memória musical sem preconceitos. Acerta o tempo da Refazenda (Gilberto Gil, 1975), põe pressão roqueira na tropicalista Maraçá (Carlinhos Brown, 1966) - música lançada por Marisa Monte em disco feito com Fernando Caneca, o guitarrista que atualmente toca com Gadú - e imprime registro cool ao samba-canção Ouça (Maysa, 1956), envolto em arranjo econômico. O progresso de Gadú em cena é nítido e, nesse sentido, é emblemática a inclusão de Iracema (Adoniran Barbosa, 1956) no roteiro de Doncovim. Em tom lamentoso, realçado pelo choro da cuíca de Doga, Gadú expõe a tristeza contida nos versos quase tragicômicos do compositor paulista Adoniran Barbosa (1910 - 1982) com interpretação que se impõe como um dos pontos altos do show e que reitera a evolução de Gadú na comparação com a abordagem mais pálida da mesma música feita pela cantora em show apresentado em 12 de abril de 2009, no mesmo Rio de Janeiro (RJ), meses antes de a artista obter sucesso nacional com o lançamento de seu primeiro álbum, Maria Gadú (Slap, 2009). Maturada na estrada, após quatro anos de turnês, Gadú já se mostra apta a encarar tanto um baladão classudo de Sade Adu, By your side (Sade Adu, Andrew Hale, Stuart Matthewman e Paul Spencer Denman, 2000), quanto uma música batida como Andança (Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós, 1968) - renovada, aliás, por Gadú em Doncovim com interpretação seca, quase a capella, sem a euforia com que a música é cantada em barzinho. Canção enraizada no interior do Brasil, Cio da terra (Milton Nascimento e Chico Buarque, 1976) é o número em que a voz de Gadú se harmoniza com a do baixista Gastão Villeroy em interpretação que remete à gravação da saudosa dupla sertaneja Pena Branca & Xavantinho. Enfim, não fosse compositora, Gadú poderia ganhar a vida como intérprete versátil que vai do pop à MPB, passando pelo rock, tônica da vigorosa abordagem de Índios (Renato Russo, 1986). No dicionário do português informal falado no interior do Brasil, Doncovim é corruptela que significa "de onde eu vim". A julgar pelo energizante show que eletrizou o Theatro Net Rio em 13 de agosto de 2013, Maria Gadú veio - para ficar - de um rico país de musicalidade plural que abarca todo o universo pop.

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