quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Cida cai na folia em show lúdico que expõe a França pelo olhar brasileiro

Resenha de show
Título: Da fenêtre vê-se o Redentor - A MPB com sotaque francês na voz de Cida Moreira
Artista: Cida Moreira (em foto de Rodrigo Amaral)

Local: Instituto Moreira Salles (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 10 de setembro de 2013
Cotação: * * * *

Saloon singer de verve brasileiríssima, Cida Moreira sempre se ambientou num imaginário cabaré alemão ao som das canções de Bertolt Brecht (1896 - 1956) e Kurt Weill (1900 - 1950), compositores alemães recorrentes nos roteiros dos shows da digníssima dama da música teatralizada. Por isso mesmo, o show Da fenêtre vê-se o Redentor - A MPB com sotaque francês na voz de Cida Moreira - estreado no Instituto Moreira Salles na noite de ontem, 10 de setembro de 2013 - representa viagem para Cida. Não somente pelo fato de a cantora paulista - presença bissexta em palcos cariocas - ter migrado para o Rio de Janeiro (RJ) para fazer o show idealizado pelo jornalista carioca Paulo Roberto Pires para o IMS, mas sobretudo por ter se transportado para outro universo musical, de alma carioca. Escorada nessa sua verve, Cida caiu na folia entre marchas e sambas alinhados no roteiro deste show que foca a França pelo olhar lúdico das letras de canções brasileiras construídas com palavras em francês e/ou com o olhar nacional sobre o país europeu, em especial sobre a luminosa Paris. Cida entrou no espírito leve do show e deixou um gosto de quero mais ao fim, quando cantou a marchinha Can-can no Carnaval (Carlos Cruz e Haroldo Barbosa, 1965). Este sucesso da cantora carioca Emilinha Borba (1923 - 2005) no Carnaval de 1966 foi o último número do roteiro de 14 músicas que, com exceções da satírica Como diria Satie (José Miguel Wisnik, 1986) e da noturna Joana Francesa (Chico Buarque, 1973), eram todas inéditas na voz da intérprete. O que justificou a leitura de letras verborrágicas como Mise-en-scène (Guinga e Aldir Blanc, 1993), música de arquitetura intrincada que abriu o show e na qual Cida deixou transparecer certa insegurança inicial, logo dissipada. A partir do segundo número, a cantora já pareceu em casa, revivendo a paródia escrita por Wisnik na letra de Como diria Satie. No terceiro número, Cida caiu à vontade no samba Tem francesa no morro (Assis Valente, 1932), sucesso na voz da cantora carioca Aracy Cortes (1904 - 1985), revitalizado no show pelo toque do cavaquinho do violonista Omar Campos, que dividiu o palco com a cantora e o baixista (e também violonista) Izaias Amorim. Intérprete de forte personalidade, Cida brincou o Carnaval na travessia Rio-Paris à moda de seu cabaré, esboçando vocais operísticos e destilando bom humor ao cantar Paris (Alcyr Pires Vermelho e Alberto Ribeiro, 1938), marcha que celebrou - na voz icônica de Carmen Miranda (1909 - 1955) - a ida da seleção brasileira de futebol para a França com o intuito de disputar a Copa do Mundo de 1938. Recorrentes no roteiro, as letras engenhosas de Aldir Blanc - parceiro de João Bosco no samba Prêt-à-porter de tafetá (1984), de Moacyr Luz no samba Paris, de Santos Dumont aos travestis (1995) e de Guinga na já citada Mise-en-scène (1993), de cuja letra foi extraído o título Da fenêtre vê-se o Redentor - contribuíram para realçar o tom espirituoso do show. Contudo, Joujoux e balangandãs (Lamartine Babo, 1939) foi bem-vinda pausa para a exposição da ternura afetiva veiculada pelo compositor carioca Lamartine Babo (1904 - 1963) - um dos reis do Carnaval carioca na primeira metade do século XX - na letra de sua marchinha. Na sequência, Seu Libório (João de Barro e Alberto Ribeiro, 1941) retomou o espírito lúdico do show, mantido em Balzaquiana / La balzacienne (Wilson Batista e Nássara, 1950) - samba apresentado por Cida com a adição da letra em francês escrita por Michael Simon e com citação de La vie en rose (Edith Piaf, Louiguy e Marguerite Monnot, 1945) - e expandido no samba de breque A neta de Madame Roquefort (Rogério Rossini e Nei Lopes), no qual Nei Lopes narra, com sua habitual verve, a saga da francesa que ergue o nariz ao morar no morro, mas perde a pose na gafieira. O samba é prato cheio para a cantora de alma teatral. Que reiterou sua intimidade com a obra de Chico Buarque - à cuja obra já dedicou em 1993 disco elogiado pelo compositor carioca - ao interpretar Joana Francesa (1973) acompanhando-se ao piano, sentada. De pé, posição na qual permaneceu a maior parte do show, a cantora ainda deu banho de jovialidade ao se apropriar de Cher Antoine (Rodrigo Amarante, 2001), o ska de letra tristonha lançado pelo grupo carioca Los Hermanos no álbum Bloco do eu sozinho (2001). Raridade do roteiro, La mattchiche (Charlie Borel-Clerc, Paul Emile Briolet e Léo Felix Lelièvre, 1905) reavivou a tentativa patética de compositores franceses de fazer um maxixe ao criar música ritmada no tempo do pasodoble espanhol. Enfim, Cida Moreira completou a travessia Rio-Paris com graça. Da fenêtre, viu-se saloon singer capaz de animar os salões carnavalescos cariocas com alegria.

4 comentários:

  1. Saloon singer de verve brasileiríssima, Cida Moreira sempre se ambientou num imaginário cabaré alemão ao som das canções de Bertolt Brecht (1896 - 1956) e Kurt Weill (1900 - 1950), compositores alemães recorrentes nos roteiros dos shows da digníssima dama da música teatralizada. Por isso mesmo, o show Da fenêtre vê-se o Redentor - A MPB com sotaque francês na voz de Cida Moreira - estreado no Instituto Moreira Salles na noite de ontem, 10 de setembro de 2013 - representa viagem para Cida. Não somente pelo fato de a cantora paulista - presença bissexta em palcos cariocas - ter migrado para o Rio de Janeiro (RJ) para fazer o show idealizado pelo jornalista carioca Paulo Roberto Pires para o IMS, mas sobretudo por ter se transportado para outro universo musical, de alma carioca. Escorada nessa sua verve, Cida caiu na folia entre marchas e sambas alinhados no roteiro deste show que foca a França pelo olhar lúdico das letras de canções brasileiras construídas com palavras em francês e/ou com o olhar nacional sobre o país europeu, em especial sobre a luminosa Paris. Cida entrou no espírito leve do show e deixou um gosto de quero mais ao fim, quando cantou a marchinha Can-can no Carnaval (Carlos Cruz e Haroldo Barbosa, 1965). Este sucesso da cantora carioca Emilinha Borba (1923 - 2005) no Carnaval de 1966 foi o último número do roteiro de 14 músicas que, com exceções da satírica Como diria Satie (José Miguel Wisnik, 1986) e da noturna Joana Francesa (Chico Buarque, 1973), eram todas inéditas na voz da intérprete. O que justificou a leitura de letras verborrágicas como Mise-en-scène (Guinga e Aldir Blanc, 1993), música de arquitetura intrincada que abriu o show e na qual Cida deixou transparecer certa insegurança inicial, logo dissipada. A partir do segundo número, a cantora já pareceu em casa, revivendo a paródia escrita por Wisnik na letra de Como diria Satie. No terceiro número, Cida caiu à vontade no samba Tem francesa no morro (Assis Valente, 1932), sucesso na voz da cantora carioca Aracy Cortes (1904 - 1985), revitalizado no show pelo toque do cavaquinho do violonista Omar Campos, que dividiu o palco com a cantora e o baixista (e também violonista) Izaias Amorim. Intérprete de forte personalidade, Cida brincou o Carnaval na travessia Rio-Paris à moda de seu cabaré, esboçando vocais operísticos e destilando bom humor ao cantar Paris (Alcyr Pires Vermelho e Alberto Ribeiro, 1938), marcha que celebrou - na voz icônica de Carmen Miranda (1909 - 1955) - a ida da seleção brasileira de futebol para a França com o intuito de disputar a Copa do Mundo de 1938. Recorrentes no roteiro, as letras engenhosas de Aldir Blanc - parceiro de João Bosco no samba Prêt-à-porter de tafetá (1984), de Moacyr Luz no samba Paris, de Santos Dumont aos travestis (1995) e de Guinga na já citada Mise-en-scène (1993), de cuja letra foi extraído o título Da fenêtre vê-se o Redentor - contribuíram para realçar o tom espirituoso do show.

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  2. Contudo, Joujoux e balangandãs (Lamartine Babo, 1939) foi bem-vinda pausa para a exposição da ternura afetiva veiculada pelo compositor carioca Lamartine Babo (1904 - 1963) - um dos reis do Carnaval carioca na primeira metade do século XX - na letra de sua marchinha. Na sequência, Seu Libório (João de Barro e Alberto Ribeiro, 1941) retomou o espírito lúdico do show, mantido em Balzaquiana / La balzacienne (Wilson Batista e Nássara, 1950) - samba apresentado por Cida com a adição da letra em francês escrita por Michael Simon e com citação de La vie en rose (Edith Piaf, Louiguy e Marguerite Monnot, 1945) - e expandido no samba de breque A neta de Madame Roquefort (Rogério Rossini e Nei Lopes), no qual Nei Lopes narra, com sua habitual verve, a saga da francesa que ergue o nariz ao morar no morro, mas perde a pose na gafieira. O samba é prato cheio para a cantora de alma teatral. Que reiterou sua intimidade com a obra de Chico Buarque - à cuja obra já dedicou em 1993 disco elogiado pelo compositor carioca - ao interpretar Joana Francesa (1973) acompanhando-se ao piano, sentada. De pé, posição na qual permanece a maior parte do show, a cantora ainda deu banho de jovialidade ao se apropriar de Cher Antoine (Rodrigo Amarante, 2001), o ska de letra tristonha lançado pelo grupo carioca Los Hermanos no álbum Bloco do eu sozinho (2001). Raridade do roteiro, La mattchiche (Charlie Borel-Clerc, Paul Emile Briolet e Léo Felix Lelièvre, 1905) reavivou a tentativa patética de compositores franceses de fazer um maxixe ao criar música ritmada no tempo do pasodoble espanhol. Enfim, Cida Moreira completou a travessia Rio-Paris com graça. Da fenêtre, viu-se saloon singer capaz de animar os salões carnavalescos cariocas com alegria.

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