terça-feira, 8 de outubro de 2013

Ator mimetiza Cazuza em ótimo musical que restaura ideologia do artista

Resenha de musical
Título: Cazuza Pro dia nascer feliz O musical
Texto: Aloisio de Abreu
Direção: João Fonseca
Direção musical: Daniel Rocha
Elenco: Emilio Dantas (Cazuza), Susana Ribeiro (Lucinha Araújo), Marcelo Varzea (João
           Araújo),
André Dias (Ezequiel Neves), Thiago Machado (Frejat), Yasmin
           Gomlevsky (Bebel Gilberto), Fabiano Medeiros (Ney Matogrosso e Guto Graça 

           Mello), Bruno Narchi (Serginho Maciel), Bruno Sigrist (Guto Goffi e Dr. Sheldon
           Wolf), Saulo Segreto (Dé Palmeira), Bruno Fraga (Maurício Barros) e outros
Foto: Leonardo Aversa
Cotação: * * * * 1/2
Espetáculo em cartaz no Theatro Net Rio, no Rio de Janeiro, de quinta-feira a domingo
Estreia em São Paulo prevista para março de 2014

Provável grande sucesso da temporada teatral carioca neste último trimestre de 2013, o musical Cazuza - Pro dia nascer feliz descende da linhagem de outro espetáculo nascido em palco do Rio de Janeiro (RJ), Tim Maia - Vale tudo, musical que levou multidões ao teatro entre 2011 e 2012. O diretor, João Fonseca, inclusive é o mesmo. E, se o vibrante musical sobre o cantor e compositor carioca Tim Maia (1942 - 1998) se sustentou na robusta atuação do ator Tiago Abravanel (impecável ao encarnar o Síndico em todas as fases da atribulada vida do artista), o espetáculo sobre Cazuza (1958 - 1990) tem como grande trunfo a interpretação perfeita de Emilio Dantas. Ator e cantor que tinha tido até então presença irrelevante na cena brasileira, Dantas mimetiza Cazuza de forma impressionante. O  jeito de corpo, a maneira de falar e o timbre da voz de Dantas em cena são incrivelmente iguais aos de Cazuza, sendo justo fazer menção honrosa ao perfeito trabalho de caracterização do ator. A mudança do visual do ator do primeiro para o segundo ato - centrado na fase em que Cazuza já tinha a saúde debilitada pela ação do vírus da Aids - é absolutamente convincente. Com atuação situada no mesmo alto nível da interpretação de Daniel Oliveira no filme Cazuza - O tempo não para (Brasil, 2004), o ator conduz o espetáculo com extrema segurança e, quando canta músicas como Down em mim (Cazuza, 1982) e Mal nenhum (Cazuza e Lobão, 1985), fica nítido que Dantas é Cazuza com toda a energia e plenitude de um artista que, em apenas oito anos de atuação no universo pop nacional, deixou seu nome cristalizado no hall da fama do rock brasileiro, embora sua obra transcenda o rock. Além da interpretação de Dantas, o musical se escora no fluente texto de Aloisio de Abreu, hábil ao restaurar a história e a ideologia de Cazuza, diluídas no filme de Sandra Werneck e Walter Carvalho. Se o filme chegou a omitir a importante presença de Ney Matogrosso na vida de Cazuza, o musical repõe Ney em cena no seu devido lugar - infelizmente em atuação pouco crível de Fabiano Medeiros tanto na questão vocal como na parte gestual, como fica claro no dueto entre Dantas e Medeiros em Pro dia nascer feliz (Frejat e Cazuza, 1983), música gravada por Ney simultaneamente com o Barão Vermelho. A homossexualidade de Cazuza - e não bissexualidade, como quis fazer crer o filme - está exposta em cena sem maquiagem, com ênfase no caso de amor do Exagerado com Serginho Maciel, ilustrado no início ao som de Vem comigo (Guto Goffi, Dé Palmeira e Cazuza, 1983) e no fim ao som da bossa Faz parte do meu show (Renato Ladeira e Cazuza, 1988). A propósito, outro grande trunfo do espetáculo é o encaixe perfeito das 29 músicas do roteiro na narrativa em contextos inusitados. Exagerado (Leoni, Cazuza e Ezequiel Neves, 1985), por exemplo, pontua o amor incondicional de Lucinha Araújo - Susana Ribeiro, ótima, sobretudo nas cenas de maior voltagem emocional - por seu filho único. Eu queria ter uma bomba (Cazuza, 1985) é disparada no momento da primeira ruptura séria entre Cazuza e Frejat. Já Cobaias de Deus (Angela Ro Ro e Cazuza, 1989) sonoriza a entrada da Aids em cena. Musicalmente, o único nome do elenco de Cazuza que impressiona como cantor é mesmo Emilio Dantas. Se falta voz a alguns atores, falta também pressão aos arranjos dos rocks cantados pelo Barão Vermelho, casos de Maior abandonado (Frejat e Cazuza, 1984) - número valorizado pela projeção de animações que ilustram a conquista do Brasil pela banda - e de Rock'n geral, parceria de Cazuza com Frejat (cujos créditos na música são atribuídos a Guto Goffi no programa da peça) lançada em 1982 no seminal primeiro álbum do grupo. Outro problema é o tom equivocado de algumas interpretações. Yasmin Gomlevski compõe uma Bebel Gilberto no limite da caricatura. Fiel escudeiro de Cazuza e do Barão, o produtor e jornalista mineiro Ezequiel Neves (1935 - 2010) também é retratado em tom de galhofa pelo (habitualmente excelente) André Dias. Contudo, esses pequenos defeitos somem no conjunto grandioso da obra posta em cena. Até porque a história da vida de Cazuza é tão boa que resistiria em cena até sem o auxílio da música. Da mesma forma, a música é tão poderosa - com sua poesia mezzo beatnik, mezzo dor-de-cotovelo à moda de Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974) e Maysa (1936 - 1977) - que paira acima de qualquer direção musical e legitima toda a história (bem) contada por Aloísio de Abreu. Com brilho, o dramaturgo sintetiza no ágil texto todas as passagens realmente importantes da vida e obra de Cazuza. Já o diretor João Fonseca arma algumas cenas criativas, como o balé de médicos e enfermeiros do hospital de Boston (EUA) que abre o sucinto segundo ato ao som de Ideologia (Frejat e Cazuza, 1988). Em contrapartida, resultou gratuita e sem sentido a cena em que os atores se desnudam ao som do Blues da piedade (Frejat e Cazuza, 1988). De todo modo, cabe ressaltar -mais uma vez - que a força do espetáculo encampa eventuais deslizes ou exageros. Quando cai o pano, ao som da anticlimática Sorte e azar (Cazuza e Frejat, 1982 / 2012), o espectador nem sente que transcorreram mais de duas horas. Aliada ao poder de sedução da música de Cazuza, a interpretação de Emilio Dantas - arrebatadora do primeiro ao último minuto do espetáculo - deixa a certeza de que o poeta (re)vive no palco do Theatro Net Rio neste musical fiel à ideologia do heroico personagem real que lhe dá título. Cazuza - Pro dia nascer feliz é ótimo.

3 comentários:

  1. Provável grande sucesso da temporada teatral carioca neste último trimestre de 2013, o musical Cazuza - Pro dia nascer feliz descende da linhagem de outro espetáculo nascido em palco do Rio de Janeiro (RJ), Tim Maia - Vale tudo, musical que levou multidões ao teatro entre 2011 e 2012. O diretor, João Fonseca, inclusive é o mesmo. E, se o vibrante musical sobre o cantor e compositor carioca Tim Maia (1942 - 1998) se sustentou na robusta atuação do ator Tiago Abravanel (impecável ao encarnar o Síndico em todas as fases da atribulada vida do artista), o espetáculo sobre Cazuza (1958 - 1990) tem como grande trunfo a interpretação perfeita de Emilio Dantas. Ator e cantor que tinha tido até então presença irrelevante na cena brasileira, Dantas mimetiza Cazuza de forma impressionante. O jeito de corpo, a maneira de falar e o timbre da voz de Dantas em cena são incrivelmente iguais aos de Cazuza, sendo justo fazer menção honrosa ao perfeito trabalho de caracterização do ator. A mudança do visual do ator do primeiro para o segundo ato - centrado na fase em que Cazuza já tinha a saúde debilitada pela ação do vírus da Aids - é absolutamente convincente. Com atuação situada no mesmo alto nível da interpretação de Daniel Oliveira no filme Cazuza - O tempo não para (Brasil, 2004), o ator conduz o espetáculo com extrema segurança e, quando canta músicas como Down em mim (Cazuza, 1982) e Mal nenhum (Cazuza e Lobão, 1985), fica nítido que Dantas é Cazuza com toda a energia e plenitude de um artista que, em apenas oito anos de atuação no universo pop nacional, deixou seu nome cristalizado no hall da fama do rock brasileiro, embora sua obra transcenda o rock. Além da interpretação de Dantas, o musical se escora no fluente texto de Aloisio de Abreu, hábil ao restaurar a história e a ideologia de Cazuza, diluídas no filme de Sandra Werneck e Walter Carvalho. Se o filme chegou a omitir a importante presença de Ney Matogrosso na vida de Cazuza, o musical repõe Ney em cena no seu devido lugar - infelizmente em atuação pouco crível de Fabiano Medeiros tanto na questão vocal como na parte gestual, como fica claro no dueto entre Dantas e Medeiros em Pro dia nascer feliz (Frejat e Cazuza, 1983), música gravada por Ney simultaneamente com o Barão Vermelho. A homossexualidade de Cazuza - e não bissexualidade, como quis fazer crer o filme - está exposta em cena sem maquiagem, com ênfase no caso de amor do Exagerado com Serginho Maciel, ilustrado no início ao som de Vem comigo (Guto Goffi, Dé Palmeira e Cazuza, 1983) e no fim ao som da bossa Faz parte do meu show (Renato Ladeira e Cazuza, 1988). A propósito, outro grande trunfo do espetáculo é o encaixe perfeito das 29 músicas do roteiro na narrativa em contextos inusitados. Exagerado (Leoni, Cazuza e Ezequiel Neves, 1985), por exemplo, pontua o amor incondicional de Lucinha Araújo - Susana Ribeiro, ótima, sobretudo nas cenas de maior voltagem emocional - por seu filho único. Eu queria ter uma bomba (Cazuza, 1985) é disparada no momento da primeira ruptura séria entre Cazuza e Frejat. Já Cobaias de Deus (Angela Ro Ro e Cazuza, 1989) sonoriza a entrada da Aids em cena. Musicalmente, o único nome do elenco de Cazuza que impressiona como cantor é mesmo Emilio Dantas. Se falta voz a alguns atores, falta também pressão aos arranjos dos rocks cantados pelo Barão Vermelho, casos de Maior abandonado (Frejat e Cazuza, 1984) - número valorizado pela projeção de animações que ilustram a conquista do Brasil pela banda - e de Rock'n geral, parceria de Cazuza com Frejat (cujos créditos na música são atribuídos a Guto Goffi no programa da peça) lançada em 1982 no seminal primeiro álbum do grupo. Outro problema é o tom equivocado de algumas interpretações. Yasmin Gomlevski compõe uma Bebel Gilberto no limite da caricatura. Fiel escudeiro de Cazuza e do Barão, o produtor e jornalista mineiro Ezequiel Neves (1935 - 2010) também é retratado em tom de galhofa pelo (habitualmente excelente) André Dias.

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  2. Contudo, esses pequenos defeitos somem no conjunto grandioso da obra posta em cena. Até porque a história da vida de Cazuza é tão boa que resistiria em cena até sem o auxílio da música. Da mesma forma, a música é tão poderosa - com sua poesia mezzo beatnik, mezzo dor-de-cotovelo à moda de Lupicínio Rodrigues (1914 - 1974) e Maysa (1936 - 1977) - que paira acima de qualquer direção musical e legitima toda a história (bem) contada por Aloísio de Abreu. Com brilho, o dramaturgo sintetiza no ágil texto todas as passagens realmente importantes da vida e obra de Cazuza. Já o diretor João Fonseca arma algumas cenas criativas, como o balé de médicos e enfermeiros do hospital de Boston (EUA) que abre o sucinto segundo ato ao som de Ideologia (Frejat e Cazuza, 1988). Em contrapartida, resultou gratuita e sem sentido a cena em que os atores se desnudam ao som do Blues da piedade (Frejat e Cazuza, 1988). De todo modo, cabe ressaltar -mais uma vez - que a força do espetáculo encampa eventuais deslizes ou exageros. Quando cai o pano, ao som da anticlimática Sorte e azar (Cazuza e Frejat, 1982 / 2012), o espectador nem sente que transcorreram mais de duas horas. Aliada ao poder de sedução da música de Cazuza, a interpretação de Emilio Dantas - arrebatadora do primeiro ao último minuto do espetáculo - deixa a certeza de que o poeta (re)vive no palco do Theatro Net Rio neste musical fiel à ideologia do heroico personagem real que lhe dá título. Cazuza - Pro dia nascer feliz é ótimo.

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