Título: É melhor ser
Artista: Simone (em foto de Rodrigo Amaral)
Local: Teatro Oi Casa Grande (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 25 de outubro de 2013
Cotação: * * * 1/2
Agenda da turnê nacional do show É melhor ser:
* 25 e 26 de outubro de 2013 - Teatro Oi Casa Grande - Rio de Janeiro (RJ)
* 31 de outubro de 2013 - Teatro da Unip - Brasília (DF)
* 1º de novembro de 2013 - Teatro Rio Vermelho - Goiânia (GO)
* 8 e 9 de novembro de 2013 - Teatro do Complexo Cultural Ohtake - São Paulo (SP)
* 13 de novembro de 2013 - Bourbon Country - Porto Alegre (RS)
* 6 de dezembro de 2013 - Teatro Castro Alves - Salvador (BA)
* 8 de dezembro de 2013 - Palácio das Artes - Belo Horizonte (MG)
No fundo sempre sozinha, Simone vai seguindo seu caminho em É melhor ser, show que teve sua estreia nacional no Rio de Janeiro (RJ) na noite de ontem, 25 de outubro de 2013, na sequência imediata da edição do homônimo 41º disco da Cigarra. Já são 40 anos de carreira e - tal como o disco recém-lançado pela gravadora Biscoito Fino - o show segue rota coerente com a trajetória da cantora baiana. Sem desvios, Simone faz o show que seu público espera dela. A força de sua personalidade é perceptível não somente no canto de firmeza e elegância que desafiam os 64 anos a serem completados daqui a dois meses, mas também nos figurinos brancos de Guilherme Guimarães, nos tons predominantemente azuis da luz clara de Rogério Wiltigen, no coração rosa alocado ao centro do móbile criado pelo cenógrafo Hélio Eichbauer e no roteiro fiel ao conceito feminino do disco É melhor ser, centrado em composições assinadas por mulheres (ainda que com eventuais parceiros do sexo masculino). Diante da manifestação cênica dessa personalidade forte, a contribuição da direção da atriz Christiane Torloni resulta imperceptível aos olhos do espectador - e provavelmente resida aí o maior mérito da diretora debutante: entender e aceitar que é melhor deixar Simone ser Simone no palco. Sob a direção musical do pianista Leandro Braga, autor dos arranjos, a cantora dá voz a 21 músicas que, em essência, expressam amor e doçura. Nesse sentido, a lembrança no bis de A noite do meu bem (1959), a bela e poética canção da imortal compositora carioca Dolores Duran, faz todo o sentido. É melhor ser é show terno. Quando canta Descaminhos (Joanna e Sarah Benchimol, 1979) ou O tom do amor (Moska e Zélia Duncan, 2010), por exemplo, Simone tem no olhar e na voz toda a ternura que quer dar ao seu público ávido de seu canto, dessa sua voz que - justiça seja feita - repete em cena sem nenhum esforço todos os tons alcançados no estúdio na gravação do CD É melhor ser. Proeza já perceptível quando - após a abertura das cortinas ao som em off de A propósito (Simone e Fernanda Montenegro, 2013), com Simone de braços abertos no centro do palco - a cantora solta a voz em Mulher o suficiente (Alzira Espíndola e Vera Lúcia Motta, 1995), instante pop do disco e do show. "Rock'n'roll, bebê!", brada Simone ao som do solo da guitarra de João Gaspar, em alusão à famosa frase ("Hoje é dia de rock, bebê") dita há dois anos por sua diretora Christiane Torloni ao ser entrevistada na área vip do Rock in Rio 2011. Nos sete primeiros números do roteiro, o show É melhor ser reproduz com fidelidade o disco homônimo, sem surpresas, ainda que dê para detectar um dengo adicional na interpretação do samba Trégua suspensa (Teresa Cristina e Lula Queiroga, 2010). É nesse porto seguro que Simone cai no samba para moças de fino trato como Adriana Calcanhotto, de quem desvenda Aquele plano para me esquecer (2011), e que explicita o amor romântico contido no belo bolero que compôs com Zélia Duncan, Só se for, uma das três músicas inéditas do CD É melhor ser. Na sequência, luzes verdes e amarelas realçam a brasilidade do vivaz baião Haicai (Fátima Guedes, 2013), outra inédita do disco, turbinada em cena com citações batidas na palma da mão do samba de roda Vai lavar siri (tema de domínio público adaptado pela Cigarra para cantar no show registrado no disco Simone et Roberto Ribeiro à Bruxelles, de 1973) e dos partidos altos Não chora, neném (Ivone Lara, 1979) e Tiê (Ivone Lara, Mestre Fuleiro e Tio Hélio, 1973). A mesma iluminação verde e amarela preenche o palco - nove números mais tarde - quando Simone surpreende a plateia ao iluminar Primeira estrela (Luli, Lucina e Sonia Prazeres, 1981), um dos sucessos indies do repertório da dupla Luli & Lucina, música gravada por Nana Caymmi no álbum ...E a gente nem deu nome (1981). Com seu ritmo marcado na palma da mão por músicos e plateia, o número percussivo deu vivacidade a show que já surpreendera quando, se desviando pela primeira vez do repertório do disco, Simone acendeu a beleza de Candeeiro, samba de tom afro que iluminou o talento de Teresa Cristina como compositora ao ser gravado pela artista carioca em A vida me fez assim (2004), álbum em que Teresa começou a revelar sua produção autoral. Na sequência de Candeeiro, Simone também surpreende ao cantar Canteiros (1973) com ternura que dilui a tristeza contida nos versos da poeta carioca Cecília Meireles (1901 - 1964), parceira póstuma do compositor cearense Raimundo Fagner nessa canção entoada por Simone de forma suave, sob a condução do piano de Leandro Braga. A suavidade também pauta a orquestração de Só nos resta viver (Angela Ro Ro, 1980), outra canção que embute dor filtrada pelo canto macio de Simone. Entre surpresas e números sempre esperados em shows de Simone, caso da sempre arrepiante Jura secreta (Sueli Costa e Abel Silva, 1977), É melhor ser reitera vícios e virtudes da Cigarra em cena. Os primeiros fazem com que o samba Acreditar (Ivone Lara e Délcio Carvalho, 1976) soe como número de barzinho - sensação reforçada pelo coro do público - e com que a balada Outra vez (Isolda, 1977) ganhe pausas e charminhos à moda de Roberto Carlos (influência bisada na distribuição de rosas brancas ao fim do bis). As segundas fazem com que a cantora consiga renovar uma música batida como Charme do mundo (Marina Lima e Antonio Cícero, 1981) com suingue de clima norte-americano. Fecho caloroso do show, Os medos (Joyce Moreno e Rodolfo Stroeter, 2004) mostra que, quando arrisca para valer, Simone geralmente se dá bem. No mercado comum da vida humana, para citar verso de Vida de artista (Sueli Costa e Abel Silva, 1978), cantada com mais delicadeza no disco do que no show, a Cigarra tem se imposto em cena com a personalidade forte que molda seu caminho há 40 anos. E assim - no fundo sempre sozinha, ainda que cercada de boas companhias como Zélia Duncan (a amiga que se fez presente com sugestões para o repertório do bom CD) - caminha Simone, sempre fiel a si própria, rumo à imortalidade garantida às vozes que marcaram época.
16 comentários:
No fundo sempre sozinha, Simone vai seguindo seu caminho em É melhor ser, show que teve sua estreia nacional no Rio de Janeiro (RJ) na noite de ontem, 25 de outubro de 2013, na sequência imediata da edição do homônimo 41º disco da Cigarra. Já são 40 anos de carreira e - tal como o disco recém-lançado pela gravadora Biscoito Fino - o show segue rota coerente com a trajetória da cantora baiana. Sem desvios, Simone faz o show que seu público espera dela. A força de sua personalidade é perceptível não somente no canto de firmeza e elegância que desafiam os 64 anos a serem completados daqui a dois anos, mas também nos figurinos brancos de Guilherme Guimarães, nos tons predominantemente azuis da luz clara de Rogério Wiltigen, no coração rosa alocado ao centro do móbile criado pelo cenógrafo Hélio Eichbauer e no roteiro fiel ao conceito feminino do disco É melhor ser, centrado em composições assinadas por mulheres (ainda que com eventuais parceiros do sexo masculino). Diante da manifestação cênica dessa personalidade forte, a contribuição da direção da atriz Christiane Torloni resulta imperceptível aos olhos do espectador - e talvez resida aí o maior mérito da diretora debutante: entender e aceitar que é melhor deixar Simone ser Simone no palco. Sob a direção musical do pianista Leandro Braga, autor dos arranjos, a cantora dá voz a 21 músicas que, em essência, expressam amor e doçura. Nesse sentido, a lembrança no bis de A noite do meu bem (1959), a bela e poética canção da imortal compositora carioca Dolores Duran, faz todo o sentido. É melhor ser é show terno. Quando canta Descaminhos (Joanna e Sarah Benchimol, 1979) ou O tom do amor (Moska e Zélia Duncan, 2010), por exemplo, Simone tem no olhar e na voz toda a ternura que quer dar ao seu público ávido de seu canto, dessa sua voz que - justiça seja feita - repete em cena sem nenhum esforço todos os tons alcançados no estúdio na gravação do CD É melhor ser. Proeza já perceptível quando - após a abertura das cortinas ao som em off de A propósito (Simone e Fernanda Montenegro, 2013), com Simone de braços abertos no centro do palco - a cantora solta a voz em Mulher o suficiente (Alzira Espíndola e Vera Lúcia Motta, 1995), instante pop do disco e do show. "Rock'n'roll, bebê!", brada Simone ao som do solo da guitarra de João Gaspar, em alusão à famosa frase ("Hoje é dia de rock, bebê") dita há dois anos por sua diretora Christiane Torloni ao ser entrevistada na área vip do Rock in Rio 2011. Nos sete primeiros números do roteiro, o show É melhor ser reproduz com fidelidade o disco homônimo, sem surpresas, ainda que dê para detectar um dengo adicional na interpretação do samba Trégua suspensa (Teresa Cristina e Lula Queiroga, 2010).
É nesse porto seguro que Simone cai no samba para moças de fino trato como Adriana Calcanhotto, de quem desvenda Aquele plano para me esquecer (2011), e que explicita o amor romântico contido no belo bolero que compôs com Zélia Duncan, Só se for, uma das três músicas inéditas do CD É melhor ser. Na sequência, luzes verdes e amarelas realçam a brasilidade do vivaz baião Haicai (Fátima Guedes, 2013), outra inédita do disco, turbinada em cena com citações batidas na palma da mão do samba de roda Vai lavar siri (tema de domínio público adaptado pela Cigarra para cantar no show registrado no disco Simone et Roberto Ribeiro à Bruxelles, de 1973) e dos partidos altos Não chora, neném (Ivone Lara, 1979) e Tiê (Ivone Lara, Mestre Fuleiro e Tio Hélio, 1973). A mesma iluminação verde e amarela preenche o palco - nove números mais tarde - quando Simone surpreende a plateia ao iluminar Primeira estrela (Luli, Lucina e Sonia Prazeres, 1981), um dos sucessos indies do repertório da dupla Lulu & Lucina, música gravada por Nana Caymmi no álbum ...E a gente nem deu nome (1981). Com seu ritmo marcado na palma da mão por músicos e plateia, o número percussivo deu vivacidade a show que já surpreendera quando, se desviando pela primeira vez do repertório do disco, Simone acendeu a beleza de Candeeiro, samba de tom afro que iluminou o talento de Teresa Cristina como compositora ao ser gravado pela artista carioca em A vida me fez assim (2004), álbum em que Teresa começou a revelar sua produção autoral. Na sequência de Candeeiro, Simone também surpreende ao cantar Canteiros (1973) com ternura que dilui a tristeza contida nos versos da poeta carioca Cecília Meireles (1901 - 1964), parceira póstuma do compositor cearense Raimundo Fagner nessa canção entoada por Simone de forma suave, sob a condução do piano de Leandro Braga. A suavidade também pauta a orquestração de Só nos resta viver (Angela Ro Ro, 1980), outra canção que embute dor filtrada pelo canto macio de Simone. Entre surpresas e números sempre esperados em shows de Simone, caso da sempre arrepiante Jura secreta (Sueli Costa e Abel Silva, 1977), É melhor ser reitera vícios e virtudes da Cigarra em cena. Os primeiros fazem com que o samba Acreditar (Ivone Lara e Délcio Carvalho, 1976) soe como número de barzinho - sensação reforçada pelo coro do público - e com que a balada Outra vez (Isolda, 1977) ganhe pausas e charminhos à moda de Roberto Carlos (influência bisada na distribuição de rosas brancas ao fim do bis). As segundas fazem com que a cantora consiga renovar uma música batida como Charme do mundo (Marina Lima e Antonio Cícero, 1981) com suingue de clima norte-americano. Fecho caloroso do show, Os medos (Joyce Moreno e Rodolfo Stroeter, 2004) mostra que, quando arrisca para valer, Simone geralmente se dá bem. No mercado comum da vida humana, para citar verso de Vida de artista (Sueli Costa e Abel Silva, 1978), cantada com mais delicadeza no disco do que no show, a Cigarra tem se imposto em cena com a personalidade forte que molda seu caminho há 40 anos. E assim - no fundo sempre sozinha, ainda que cercada de boas companhias como Zélia Duncan (a amiga que se fez presente com sugestões para o repertório do bom CD) - caminha Simone, sempre fiel a si própria, rumo à imortalidade garantida às vozes que marcaram época.
Voz impactante pra um show meloso que só ameaça decolar, mas não saí do chão. Já estou à espera das pedras dos fãs louquérrimos por Simone.
Ela anunciou que gravaria Primeira Estrela, mas infelizmente não o fez. Deve ter ficado lindo na voz dela.
Pena que não poderei assistir ao show.
Saudades dos shows que ficavam em temporadas um pouco mais longas.
Abração
Denilson
Belíssimo texto, Mauro!
Obrigado, Rubens. Denilson, certamente o show voltará ao Rio em 2014. Fábio, cada um percebe um show face à própria expectativa. Grato a todos pela participação. Abs, MauroF
Irei assistir em Sp,com certeza é um belo show! Ansioso pra ouvir Descaminhos e Só nos resta viver na voz da Cigarra
Bonito texto. No fundo sempre sozinha...Senti isso sempre em seu canto e olhar transparente . voz única que o tempo só lhe fez bem e sempre muito melhor no palco . parabéns pela delicadeza do texto que capta bem a personalidade forte ,fragilidade e beleza do canto dessa figura ímpar na MPB Mauro.
Como disse Itamar Assumpção: "na próxima encarnação não quero saber de barra. Replay de formiga não eu quero nascer cigarra". Si, si, si, si, si, si, si, si
Simone veste qualquer canção de Simone.As interpretações viscerais e são lindas.Os sambinhas anima festa também são uma delicia na voz da cigarra.
Simone veste qualquer canção de Simone.As interpretações viscerais e são lindas.Os sambinhas anima festa também são uma delicia na voz da cigarra.
#Semdesviossimonefazshowqueseupúblicoesperadela
:)
Belo crítica Mauro.
tks 4ever
Ué, enxerguei errado ou voce subiu a cotação de 3 estrelas para tres estrelas e meia? Se voce editou, devia fazer uma observação quanto a isso. Saudade do tempo do impresso: o que era escrito ficava prá sempre. Se estou errado, as minhas desculpas.
Engano seu, Paulo. A cotação do disco é que é três estrelas. A do show sempre foi três estrelas e 1/2. E, de fato, no impresso o que está escrito fica para sempre, inclusive os eventuais erros de informação, perpetuados de geração para geração. Abs, MauroF
Mauro,
Só percebi agora que você digitou errado o nome da dupla Luli e Lucina na frase "um dos sucessos indies do repertório da dupla Lulu & Lucina".
abração,
Denilson
Grato pelo toque do erro de digitação, Denilson. Abs, MauroF
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