Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Apatia e desconexão da atual safra de inéditas de Arnaldo esmaecem 'Disco'

Resenha de CD
Título: Disco
Artista: Arnaldo Antunes
Gravadora: Rosa Celeste / Radar Records
Cotação: * * 1/2

 É sintomático que, para compor o repertório de Disco, Arnaldo Antunes tenha tirado do baú um inédito rock dos primórdios do grupo Titãs, Vá trabalhar (Arnaldo Antunes), e outro rock composto por Nando Reis, Sentido, por ocasião da morte de Marcelo Fromer (1961 - 2001) - sem falar na sua primeira parceria com Caetano Veloso, Morro, amor, apaixonada canção composta para trilha sonora de filme de Guel Arraes, descartada pelo diretor e ora perpetuada por Arnaldo no tempo da delicadeza em gravação conduzida pelos violões de Cezar Mendes e Dadi Carvalho. A impressão - reforçada pela capa trivial de Disco - é a de que o cantor e compositor paulista gravou seu 16º CD pós-saída dos Titãs no piloto automático. Parece que a intenção foi somente registrar produção autoral que brotou de forma inesperada, que alimentou a (boa) ideia de adiantar de forma avulsa uma parte do cancioneiro de Disco - em série de quatro singles previamente lançados na internet de junho a setembro de 2013 - e que precisou ser completada com sobras para gerar um álbum. A irregularidade e a desconexão do repertório esmaecem CD que, embora tenha bons momentos, está muito aquém do histórico fonográfico de Arnaldo. Produzido por Betão Aguiar e Gabriel Leite, Disco foi formatado com arranjos mais inspirados do que a maioria de suas músicas. Tanto que o grande arranjo de cordas feito por Ruriá Duprat para Querem mandar valoriza essa canção menor da lavra de Arnaldo com Marisa Monte e Dadi Carvalho. O trio tribalista - com Dadi informalmente no lugar de Carlinhos Brown - assina também Dizem (Quem me dera) e Sou volúvel, canções de arquitetura mais envolvente. Se o toque da guitarra de Fernando Catatau valoriza o supra-citado rock Vá trabalhar, a trama das guitarras de Edgard Scandurra e Chico Salem encorpa Ah, mas assim vai ser difícil (Arnaldo Antunes), rock que se ajustaria ao anterior álbum de inéditas do artista, Iê iê iê (2009), marco de inebriante explosão pop na já longeva obra solo de Arnaldo. Vinte após o lançamento do concretista Nome (1993), a poesia ainda rege a música do titã, mas de forma mais digerível, como prova a bela canção Azul vazio (Arnaldo Antunes e Marcia Xavier). Primeira das quatro músicas de Disco jogadas na rede, o pop rock Muito muito pouco (Arnaldo Antunes) versa - em letra que resiste sem sua melodia -sobre o desequilíbrio e a inversão de valores em sociedade cada vez mais automatizada e insensível. Fora de seu universo particular, Arnaldo faz conexões com músicos e compositores do Norte do Brasil em Ela é tarja preta (Arnaldo Antunes, Betão Aguiar, Luê, Felipe Cordeiro e Manoel Cordeiro), esboça ligação com o mundo afro em Oxalá chegar - faixa em que sobressaem o vocal preciso da cantora paulista Mônica Salmaso bem como a percussão e o MPC de Curumim - e entra no baile black na companhia de Hyldon e Céu, parceiros e convidados de Arnaldo na funkeada Trato. Em outra galáxia musical, O fogo - parceria de Arnaldo com João Donato - reacende a chama branda da Bossa Nova, evocada no toque do violão de Cezar Mendes, marcante também no Acalanto pra acordar (Arnaldo Antunes, Marcia Xavier, Lenora de Barros e Mag), singelo fecho do CD. Antes, Disco brilha em sua única regravação, Mamma (1971), tema em inglês do álbum londrino de Gilberto Gil, vertido por Arnaldo com sensibilidade. O sonoro trompete de Guizado pontua de forma afiada os versos que poeticamente aludem ao corte do cordão umbilical feito por um filho que ingressa na vida adulta. De todo modo, é sintomático que um dos momentos mais luminosos de um álbum de inéditas de Arnaldo Antunes seja sua única regravação. O que corrobora a sensação de que Disco veio ao mundo antes do tempo. Era preciso prolongar mais sua gestação para que Disco ficasse maturado, à altura dos grandes álbuns lançados pelo artista nos últimos 15 anos. Disco soa aquém do talento de Arnaldo Antunes. O titã pode mais.

2 comentários:

Mauro Ferreira disse...

É sintomático que, para compor o repertório de Disco, Arnaldo Antunes tenha tirado do baú um inédito rock dos primórdios do grupo Titãs, Vá trabalhar (Arnaldo Antunes), e outro rock composto por Nando Reis, Sentido, por ocasião da morte de Marcelo Fromer (1961 - 2001) - sem falar na sua primeira parceria com Caetano Veloso, Morro, amor, apaixonada canção composta para trilha sonora de filme de Guel Arraes, descartada pelo diretor e ora perpetuada por Arnaldo no tempo da delicadeza em gravação conduzida pelos violões de Cezar Mendes e Dadi Carvalho. A impressão - reforçada pela capa trivial de Disco - é a de que o cantor e compositor paulista gravou seu 15º CD pós-saída dos Titãs no piloto automático. Parece que a intenção foi somente registrar produção autoral que brotou de forma inesperada, que alimentou a (boa) ideia de adiantar de forma avulsa uma parte do cancioneiro de Disco - em série de quatro singles previamente lançados na internet de junho a setembro de 2013 - e que precisou ser completada com sobras para gerar um álbum. A irregularidade e a desconexão do repertório esmaecem CD que, embora tenha bons momentos, está aquém do histórico fonográfico de Arnaldo. Produzido por Betão Aguiar e Gabriel Leite, Disco foi formatado com arranjos mais inspirados do que a maioria de suas músicas. Tanto que o grande arranjo de cordas feito por Ruriá Duprat para Querem mandar valoriza essa canção menor da lavra de Arnaldo com Marisa Monte e Dadi Carvalho. O trio tribalista - com Dadi informalmente no lugar de Carlinhos Brown - assina também Dizem (Quem me dera) e Sou volúvel, canções de arquitetura mais envolvente. Se o toque da guitarra de Fernando Catatau valoriza o supra-citado rock Vá trabalhar, a trama das guitarras de Edgard Scandurra e Chico Salem encorpa Ah, mas assim vai ser difícil (Arnaldo Antunes), rock que se ajustaria ao anterior álbum de inéditas do artista, Iê iê iê (2009), marco de inebriante explosão pop na já longeva obra solo de Arnaldo. Vinte após o lançamento do concretista Nome (1993), a poesia ainda rege a música do titã, mas de forma mais digerível, como prova a bela canção Azul vazio (Arnaldo Antunes e Marcia Xavier). Primeira das quatro músicas de Disco jogadas na rede, o pop rock Muito muito pouco (Arnaldo Antunes) versa - em letra que resiste sem sua melodia -sobre o desequilíbrio e a inversão de valores em sociedade cada vez mais automatizada e insensível. Fora de seu universo particular, Arnaldo faz conexões com músicos e compositores do Norte do Brasil em Ela é tarja preta (Arnaldo Antunes, Betão Aguiar, Luê, Felipe Cordeiro e Manoel Cordeiro), esboça ligação com o mundo afro em Oxalá chegar - faixa em que sobressaem o vocal preciso da cantora paulista Mônica Salmaso bem como a percussão e o MPC de Curumim - e entra no baile black na companhia de Hyldon e Céu, parceiros e convidados de Arnaldo na funkeada Trato. Em outra galáxia musical, O fogo - parceria de Arnaldo com João Donato - reacende a chama branda da Bossa Nova, evocada no toque do violão de Cezar Mendes, marcante também no Acalanto pra acordar (Arnaldo Antunes, Marcia Xavier, Lenora de Barros e Mag), singelo fecho do CD. Antes, Disco brilha em sua única regravação, Mamma (1971), tema em inglês do álbum londrino de Gilberto Gil, vertido por Arnaldo com sensibilidade. O sonoro trompete de Guizado pontua de forma afiada os versos que poeticamente aludem ao corte do cordão umbilical feito por um filho que ingressa na vida adulta. De todo modo, é sintomático que um dos momentos mais luminosos de um álbum de inéditas de Arnaldo Antunes seja sua única regravação. O que corrobora a sensação de que Disco veio ao mundo antes do tempo. Era preciso prolongar mais sua gestação para que Disco ficasse maturado, à altura dos grandes álbuns lançados por Arnaldo Antunes nos últimos 15 anos. O titã pode mais...

Sandro Mendes disse...

Sem pressa ou tropeço, no pop, no style, com sagacidade e boas companhias: Arnaldo Antunes é uma voz para se ouvir. Ouça!