Mauro Ferreira no G1

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domingo, 24 de novembro de 2013

Bio do Roupa Nova descortina mágoas e bastidores da indústria do disco

Resenha de livro
Título: Tudo novo de novo - Biografia oficial do Roupa Nova
Autor: Vanessa Oliveira
Editora: Best-Seller
Cotação: * * * *

No momento em que ídolos da MPB arranham suas imagens na defesa pública da lei que exige autorização prévia para a publicação de biografias, as livrarias recebem a biografia autorizada de um grupo ignorado pela maioria desses medalhões da MPB e desprezado pelos críticos de música, mas querido pelo chamado grande público. Por mais que estampe o adjetivo oficial no subtítulo, a biografia do Roupa Nova - Tudo de novo, escrita pela jornalista mineira (criada no Rio de Janeiro) Vanessa Oliveira - é a prova de que uma biografia autorizada não necessariamente precisa ser chapa branca. Sem maquiar os fatos e os temperamentos dos artistas, a autora descortina mágoas e bastidores da indústria da música da década de 70 aos anos 2000 na tarefa de reconstituir, ao longo de 560 páginas, os principais passos de seis músicos - Cleberson Horsth (teclados e vocal), Kiko (Eurico Pereira da Silva Filho, violão, guitarra e vocal), Nando (Luiz Fernando Oliveira, baixo e vocal), Paulinho (Paulo César dos Santos, percussão, voz e vocal), Ricardo Feghali (teclados, violão, guitarra e vocal) e Serginho (Sérgio Herval Holanda de Lima, bateria, voz e vocal) - que deixaram suas pegadas na música brasileira sem ganhar o devido reconhecimento (da própria classe artística) pela contribuição para o sucesso popular de gravações de cantoras como Gal Costa e Simone. O livro mostra que a origem do Roupa Nova remete ao fim dos anos 60, época da criação de duas bandas cariocas - Los Panchos Villa  e Os Famks - que fizeram o circuito de bailes do Rio de Janeiro ao longo dos anos 70. A partir de 1976, quando o grupo Os Famks passou a contar com Feghali, Kiko e Paulinho (egressos de Los Panchos Villa), surgiu o embrião do Roupa Nova, fortalecido logo depois com a adesão ao grupo de Serginho, então desiludido por não ter se firmado como cantor. Tudo de novo revela as rivalidades entre os grupos dos bailes da vida carioca e as incertezas dos próprios músicos, indecisos na época entre arriscar trabalho mais autoral ou garantir a segurança de continuar animando bailes e gravando discos sob pseudônimos como Os Motokas. O risco acabou sendo tomado em 1980, com o aval de Mariozinho Rocha, poderoso executivo então ligado à gravadora Philips. Foi Mariozinho quem determinou a troca do nome do grupo - de Os Famks para Roupa Nova, escolhido por conta da canção homônima de Milton Nascimento e Fernando Brant - e quem contratou o sexteto, moldado por Rocha em seus três primeiros LPs para fazer concorrência ao grupo A cor do Som, então a mais perfeita tradução de pop brasileiro na era pré-rock dos anos 80. Assim foi feito. Só que esses três discos venderam abaixo do esperado, embora tenham emplacado sucessos como Bem simples (Ricardo Feghali e Mariozinho Rocha,1981), Sapato velho (Mu Carvalho, Claudio Nucci e Paulinho Tapajós, 1978) - música lançada pelo Quarteto em Cy, mas conhecida no registro do Roupa Nova - e Anjo (Renato Correa, Claudio Rabello e Dalto, 1983). Foi quando o Roupa Nova deu cartada decisiva ao trocar a Philips pela RCA, gravadora comandada por Miguel Plopshi na era Sullivan & Massadas. É nessa parte, ao mostrar as cartas do jogo da indústria do disco, que o livro fica mais saboroso. Tudo de novo mostra como o Roupa Nova teve que se sujeitar às regras do jogo de sua nova gravadora, na qual debutou em 1984 com o álbum de capa amarela que emplacou sucessos como Whisky a go-go (Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1984). Jogo que incluiu regravar com Gal Costa uma música que já iria fazer parte do disco do Roupa Nova - Chuva de prata (Ed Wilson e Ronaldo Bastos) - para ajudar alavancar as vendas do álbum (Profana, 1984) que marcou a estreia da cantora na RCA. Vanessa Oliveira revela os ressentimentos dos músicos por não serem devidamente reconhecidos por estrelas da grandeza de Gal. E mostra também como o grupo resolveu apostar em repertório cada vez mais autoral a partir do álbum de 1985, que venderia retumbantes 750 mil cópias graças ao empenho das empresárias do grupo na época, Anelisa e Valéria, que fizeram o Roupa Nova fazer shows em quase todo o Brasil e - mais importante - peitaram Miguel Plopshi, que queria um novo disco para 1986. De comum acordo com os músicos, as empresárias desobedeceram Plopshi e provaram que os shows da turnê iriam inflar as vendas do disco (o que, de fato, aconteceu, sobretudo quando elas perceberam a força popular da canção Linda demais, de Tavinho Paes e Kiko). Herança, o posterior álbum de 1987, sedimentou a obra autoral do Roupa Nova e manteve o sucesso. Mas veio a época de vacas magras em meados dos anos 90. Soterrado por modismos que mobilizavam a indústria fonográfica, o grupo se viu sem prestígio na RCA, foi parar na pequena Continental e posteriormente migrou para a Universal Music, cujo diretor artístico, Max Pierre, acreditava na força de um acústico gravado com a chancela da MTV. Só que a MTV recusou o projeto, argumentando que o grupo não se enquadrava no perfil da emissora. As mágoas do Roupa Nova com esses preconceitos - sobretudo com as pedradas dos críticos - são recorrentes nas páginas da biografia. Os músicos - em especial, Nando - ruminam essas queixas com certo fundamento, como a autora prova ao reproduzir trechos depreciativos de críticas e reportagens sobre o grupo. Mas Tudo de novo relata também o momento da virada, quando o sexteto recuperou o público e o sucesso popular com a gravação de um acústico gravado por conta da perseverança de Juca Müller, então empresário do grupo. Justiça seja feita: os músicos nem sempre são apontados como os mocinhos da história. Vanessa Oliveira narra como o próprio Juca Müller seria descartado pela banda algum tempo depois, esmiúça o comportamento dos músicos no cotidiano estressante das turnês e mostra como as decisões são tomadas democraticamente após discussões nem sempre civilizadas. Trabalho de fôlego, a biografia oficial do Roupa Nova enfatiza também a amizade que manteve o sexteto unido ao longo desses 33 anos (com a mesma formação) e que o impediu de sofrer baixa quando Serginho, já convertido à religião evangélica, cogitou deixar o Roupa Nova. Não deixou, como sabem todos os admiradores deste grupo que, sim, merece respeito e tem nomes como Milton Nascimento e Ronaldo Bastos entre seus fãs assumidos. A despeito de nem sempre ter gravado discos à altura dos talentos individuais de seus seis integrantes (todos excelentes músicos), o Roupa Nova é desde 1980 nome indissociável da história da música pop brasileira. De forma oficial, mas com credibilidade, Tudo de novo documenta para a posteridade esse (rico) legado.

5 comentários:

Mauro Ferreira disse...

No momento em que ídolos da MPB arranham suas imagens na defesa pública da lei que exige autorização prévia para a publicação de biografias, as livrarias recebem a biografia autorizada de um grupo ignorado pela maioria desses medalhões da MPB e desprezado pelos críticos de música, mas querido pelo chamado grande público. Por mais que estampe o adjetivo oficial no subtítulo, a biografia do Roupa Nova - Tudo de novo, escrita pela jornalista mineira (criada no Rio de Janeiro) Vanessa Oliveira - é a prova de que uma biografia autorizada não necessariamente precisa ser chapa branca. Sem maquiar os fatos e os temperamentos dos artistas, a autora descortina mágoas e bastidores da indústria da música da década de 70 aos anos 2000 na tarefa de reconstituir, ao longo de 560 páginas, os principais passos de seis músicos - Cleberson Horsth (teclados e vocal), Kiko (Eurico Pereira da Silva Filho, violão, guitarra e vocal), Nando (Luiz Fernando Oliveira, baixo e vocal), Paulinho (Paulo César dos Santos, percussão, voz e vocal), Ricardo Feghali (teclados, violão, guitarra e vocal) e Serginho (Sérgio Herval Holanda de Lima, bateria, voz e vocal) - que deixaram suas pegadas na música brasileira sem ganhar o devido reconhecimento (da própria classe artística) pela contribuição para o sucesso popular de gravações de cantoras como Gal Costa e Simone. O livro mostra que a origem do Roupa Nova remete ao fim dos anos 60, época da criação de duas bandas cariocas - Los Panchos Villa e Os Famks - que fizeram o circuito de bailes do Rio de Janeiro ao longo dos anos 70. A partir de 1976, quando o grupo Os Famks passou a contar com Feghali, Kiko e Paulinho (egressos de Los Panchos Villa), surgiu o embrião do Roupa Nova, fortalecido logo depois com a adesão ao grupo de Serginho, então desiludido por não ter se firmado como cantor. Tudo de novo revela as rivalidades entre os grupos dos bailes da vida carioca e as incertezas dos próprios músicos, indecisos na época entre arriscar trabalho mais autoral ou garantir a segurança de continuar animando bailes e gravando discos sob pseudônimos como Os Motokas. O risco acabou sendo tomado em 1980, com o aval de Mariozinho Rocha, poderoso executivo então ligado à gravadora Philips. Foi Mariozinho quem determinou a troca do nome do grupo - de Os Famks para Roupa Nova, escolhido por conta da canção homônima de Milton Nascimento e Fernando Brant - e quem contratou o sexteto, moldado em seus três primeiros álbuns para fazer concorrência ao grupo A cor do Som, então a mais perfeita tradução de pop brasileiro na era pré-rock dos anos 80. Assim foi feito. Só que esses três discos venderam abaixo do esperado, embora tenham emplacado sucessos como Bem simples (Ricardo Feghali e Mariozinho Rocha,1981), Sapato velho (Mu Carvalho, Claudio Nucci e Paulinho Tapajós, 1978) - música lançada pelo Quarteto em Cy, mas conhecida no registro do Roupa Nova - e Anjo (Renato Correa, Claudio Rabello e Dalto, 1983). Foi quando o Roupa Nova deu cartada decisiva ao trocar a Philips pela RCA, gravadora comandada por Miguel Plopshi na era Sullivan & Massadas. É nessa parte, ao mostrar as cartas do jogo da indústria do disco, que o livro fica mais saboroso.

Mauro Ferreira disse...

Tudo de novo mostra como o Roupa Nova teve que se sujeitar às regras do jogo de sua nova gravadora, na qual debutou em 1984 com o álbum de capa amarela que emplacou sucessos como Whisky a go-go (Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1984). Jogo que incluiu regravar com Gal Costa uma música que já iria fazer parte do disco do Roupa Nova - Chuva de prata (Ed Wilson e Ronaldo Bastos) - para ajudar alavancar as vendas do álbum (Profana, 1984) que marcou a estreia da cantora na RCA. Vanessa Oliveira revela os ressentimentos dos músicos por não serem devidamente reconhecidos por estrelas da grandeza de Gal. E mostra também como o grupo resolveu apostar em repertório cada vez mais autoral a partir do álbum de 1985, que venderia retumbantes 750 mil cópias graças ao empenho das empresárias do grupo na época, Anelisa e Valéria, que fizeram o Roupa Nova fazer shows em quase todo o Brasil e - mais importante - peitaram Miguel Plopshi, que queria um novo disco para 1986. De comum acordo com os músicos, as empresárias desobedeceram Plopshi e provaram que os shows da turnê iriam inflar as vendas do disco (o que, de fato, aconteceu, sobretudo quando elas perceberam a força popular da canção Linda demais, de Tavinho Paes e Kiko). Herança, o posterior álbum de 1987, sedimentou a obra autoral do Roupa Nova e manteve o sucesso. Mas veio a época de vacas magras em meados dos anos 90. Soterrado por modismos que mobilizavam a indústria fonográfica, o grupo se viu sem prestígio na RCA, foi parar na pequena Continental e posteriormente migrou para a Universal Music, cujo diretor artístico, Max Pierre, acreditava na força de um acústico gravado com a chancela da MTV. Só que a MTV recusou o projeto, argumentando que o grupo não se enquadrava no perfil da emissora. As mágoas do Roupa Nova com esses preconceitos - sobretudo com as pedradas dos críticos - são recorrentes nas páginas da biografia. Os músicos - em especial, Nando - ruminam essas queixas com certo fundamento, como a autora prova ao reproduzir trechos depreciativos de críticas e reportagens sobre o grupo. Mas Tudo de novo relata também o momento da virada, quando o sexteto recuperou o público e o sucesso popular com a gravação de um acústico gravado por conta da perseverança de Juca Müller, então empresário do grupo. Justiça seja feita: os músicos nem sempre são apontados como os mocinhos da história. Vanessa Oliveira narra como o próprio Juca Müller seria descartado pela banda algum tempo depois, esmiúça o comportamento dos músicos no cotidiano estressante das turnês e mostra como as decisões são tomadas democraticamente após discussões nem sempre civilizadas. Trabalho de fôlego, a biografia oficial do Roupa Nova enfatiza também a amizade que manteve o sexteto unido ao longo desses 33 anos (com a mesma formação) e que o impediu de sofrer baixa quando Serginho, convertido à religião evangélica, cogitou deixar o Roupa Nova. Não deixou, como sabem todos os admiradores deste grupo que, sim, merece respeito e tem nomes como Milton Nascimento e Ronaldo Bastos entre seus fãs assumidos. A despeito de nem sempre ter gravado discos à altura dos talentos individuais de seus seis integrantes (todos excelentes músicos), o Roupa Nova é desde 1980 nome indissociável da história da música pop brasileira. De forma oficial, mas com credibilidade, Tudo de novo documenta para a posteridade esse (rico) legado.

Márcio disse...

Lançamento mais que bem vindo, tanto pela história/importância do Roupa Nova quanto pelo fato de serem pouquíssimas as biografias de bandas no Brasil.

De cabeça me lembrei de

- "A Divina Comédia dos Mutantes", de Carlos Calado

- "Banda de Milhões" (sobre o Lee Jackson), de Tom Gomes

- "Anos 70: Novos e Baianos", de Galvão

- "Os Paralamas do Sucesso: Vamo Batê Lata", de Jamari França

- "A Vida até parece uma Festa" (sobre os Titãs), de Luiz André Alzer e Hérica Marmo

Alguém aí lembra de mais alguma? Refiro-me particularmente a biografias de grupos, não de apenas um artista.

Não há, para ficarmos só em grupos de grande sucesso popular, biografias publicadas dos Secos e Molhados ou do RPM. E temo que não haja, enquanto a lei sobre o assunto não for modificada no Congresso.

Felipe dos Santos disse...

Caro Márcio, sobre o RPM, já soltaram um livro, há certo tempo: "Revelações por minuto" (ótima sacada!), de Marcelo Leite de Moraes (Companhia Editora Nacional, 2007).

Sobre o livro aqui resenhado: eu já escrevi aqui e repito que o Roupa Nova é a única banda "popular" de elite do país. Não tem encucações com o sucesso, é popular sem medo de sê-lo, mas tem músicos altamente tarimbados. Não é a minha, mas merece todo o respeito do mundo.

E faz sentido que a banda seja ressentida com as críticas e tente propagandear seu valor. Já assisti Nando dizer, num programa de tevê, que sabe de muito produtor musical que sugere, em gravações: "Que tal se a gente 'roupanoveasse' uma coisa aqui?", sugerindo que adotem hábitos da banda, como os vocais bem harmonizados.

Ah, sim: se Gal Costa ganhou um sucesso popular de presente da banda, com "Chuva de prata" (sem contar participações em outros sucessos, como a versão de "Baby" contida em "Baby Gal" ou "Dom de iludir"), e os ignora, Sandy parece ter gratidão com o sexteto. Eles já fizeram muita coisa com ela, na fase da dupla; e ela, por sua vez, já colaborou cantando "Chuva de prata", no segundo acústico.

Felipe dos Santos Souza

Unknown disse...

Obrigado pela informação, Felipe. Desconhecia a existência dessa biografia do RPM.

Espero que o livro sobre o Roupa Nova traga uma boa ficha técnica tanto dos discos do grupo quanto dos muitos de outros artistas de que participaram.