Resenha de show
Título: Minha Dolores - Nina Becker interpreta Dolores Duran
Artista: Nina Becker (em foto de Rodrigo Amaral)
Local: Teatro Café Pequeno (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 20 de dezembro de 2013
Cotação: * * * *
Adiléia Silva da Rocha (10 de junho de 1930 - 24 de outubro de 1959) - cantora e compositora carioca imortalizada com o nome artístico de Dolores Duran - foi uma das mais perfeitas traduções da alma da cidade do Rio de Janeiro (RJ) nos dourados anos 1950. Tanto pela obra autoral embebida em sensibilidade feminina - artigo raro em época em que o ofício da composição era função basicamente de homens - quanto pela personalidade boêmia, de espírito alegre. Como cantora e compositora, Dolores caiu no samba com graça e refinou o samba-canção, podando os excessos melodramáticos do gênero sem deixar de expiar nas letras as dores de amores, matéria-prima do samba-canção e da música de qualquer tempo. Também natural do Rio de Janeiro (RJ), a cantora e compositora Nina Becker - projetada nos anos 2000 como vocalista da Orquestra Imperial - conhece a fundo a obra perene que Dolores Duran construiu em breves oito anos de carreira fonográfica (1951 - 1959). Conhece também a alma desta "intérprete produtiva", como Nina se referiu a Dolores na noite de 20 de dezembro de 2013, no palco do Teatro Café Pequeno, onde seu novo show, Minha Dolores, foi apresentado pela primeira vez no Rio de Janeiro (RJ), cidade em que Dolores viveu, amou, se tornou parceira de Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994) aos 25 anos - a partir de 1955, ano de Se é por falta de adeus, canção lançada em disco pela cantora carioca Doris Monteiro e revivida por Nina no show - e saiu precocemente de cena, aos 29 anos. As pérolas raras pescadas por Nina no repertório de Dolores valorizam o show. O título Minha Dolores já explicita o caráter pessoal da abordagem. Nina não canta Por causa de você (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1957) nem Fim de caso (Dolores Duran, 1959). Tampouco revive A noite do meu bem (Dolores Duran, 1959), o maior sucesso da obra autoral de Adiléia. Há um ou outro sucesso. Contudo, com seu fraseado preciso, Nina essencialmente dá voz a um repertório pouco ouvido de Dolores, reavivando com elegância a alma carioca da artista. Um bandolim (pilotado com maestria por Luis Barcelos) e um violão de sete cordas (ouvido no toque virtuoso de Nando Duarte) são os únicos instrumentos em cena. E ambos se revelam suficientes para embalar em clima de seresta moderna joias como Carioca 1954 (Ismael Netto e Antonio Maria). Lançada por Dolores em disco de 1955, a música perfila - em letra escrita na primeira pessoa - um carioca que curte a vida e "a noite bonita do Rio". Título já obscuro da obra do compositor carioca Ismael Silva (1905 - 1978), um dos pilares do samba, Tradição impressiona pela atualidade da letra do samba, que versa sobre a violência cotidiana dos morros. Em seu tom contemporâneo, Nina também cai com leveza nos sambas do paraense Billy Blanco (1924 - 2011), compositor recorrente no repertório de Dolores. Estatuto de boite (Billy Blanco, 1957) ainda é razoavelmente conhecido, mas Feiúra não é nada (Billy Blanco, 1957) - samba espirituoso e cheio de verve, realçada em cena pelo gestual teatral de Nina - é outra joia que merece sair do baú em tempos de culto excessivo à beleza. Também é da lavra de Billy Blanco uma das músicas mais lindas do roteiro, Outono, samba-canção refinado por Nina sem pesar a mão e a voz na letra melancólica. Justiça seja feita: a interpretação de Nina supera a de Dolores, cantora que também primava por evitar interpretações folhetinescas. O show também atinge pico de beleza e sedução quando Nina dá voz a Manias, composição do carioca Flávio Cavalcanti (1923 - 1986), feita por Flávio - celebrizado como apresentador de programas de TV nos anos 1960 e 1970 - em parceria com seu irmão Celso Cavalcanti (os irmãos também assinam outra maravilha do roteiro, o samba-canção O amor acontece, gravado por Dolores em 1954). Nina já havia cantado Manias no episódio dedicado a Dolores Duran na excelente série de TV Cantoras do Brasil, exibida em 2012 pelo Canal Brasil. No programa (idealizado por Mariana Rolim, Mercedes Tristão e Simone Esmanhotto), aliás, Nina já mostrara sua devoção a Dolores e cantara também Solidão (Dolores Duran, 1958), música que encerra o show antes do bis, feito com Minha toada - melodiosa canção de toque ruralista realçado pelo bandolim de Luis Barcelos e o violão de Nando Duarte - e Estrada do sol (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1958), ao fim da qual Barcelos cita Chovendo na roseira (Antonio Carlos Jobim, 1971) com sagacidade. Entre o clima burlesco da francesa La Marie-vison (Roger Varnay e Marc Heyral, 1959) e a atmosfera graciosa do samba Coisas de mulher (Chico Baiano, 1957), a cantora reafirma a afinação e a sofisticação de seu canto. Minha Dolores peca somente quando Nina Becker tenta em vão expor todo o sofrimento embutido em Canção da volta (Ismael Netto e Antonio Maria, 1954), em Vou chorar (Lúcio Alves e Dolores Duran, 1960) - único número em que lê a letra - e em Mi último fracaso (Alfredo Gil, 1954), bolero mexicano gravado em espanhol pela poliglota Dolores em disco de 1957. São músicas que pedem vozes de maior voltagem emocional. De todo modo, Minha Dolores é o melhor show de Nina. À excelência da pesquisa do repertório de Dolores Duran, soma-se o requinte do canto da esguia Nina Becker. O resultado é show primoroso que, a convite do DJ Zé Pedro, a cantora vai registrar em estúdio em 2014 para edição de disco pela gravadora Joia Moderna. Disco oportuno, pois Nina Becker traduz muito bem a alma carioca de Dolores Duran.
Adiléia Silva da Rocha (10 de junho de 1930 - 24 de outubro de 1959) - cantora e compositora carioca imortalizada com o nome artístico de Dolores Duran - foi uma das mais perfeitas traduções da alma da cidade do Rio de Janeiro (RJ) nos dourados anos 1950. Tanto pela obra autoral embebida em sensibilidade feminina - artigo raro em época em que o ofício da composição era função basicamente de homens - quanto pela personalidade boêmia, de espírito alegre. Como cantora e compositora, Dolores caiu no samba com graça e refinou o samba-canção, podando os excessos melodramáticos do gênero sem deixar de expiar nas letras as dores de amores, matéria-prima do samba-canção e da música de qualquer tempo. Também natural do Rio de Janeiro (RJ), a cantora e compositora Nina Becker - projetada nos anos 2000 como vocalista da Orquestra Imperial - conhece a fundo a obra perene que Dolores Duran construiu em breves oito anos de carreira fonográfica (1951 - 1959). Conhece também a alma desta "intérprete produtiva", como Nina se referiu a Dolores na noite de 20 de dezembro de 2013, no palco do Teatro Café Pequeno, onde seu novo show, Minha Dolores, foi apresentado pela primeira vez no Rio de Janeiro (RJ), cidade em que Dolores viveu, amou, se tornou parceira de Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994) aos 25 anos - a partir de 1955, ano de Se é por falta de adeus, canção lançada em disco pela cantora carioca Doris Monteiro e revivida por Nina no show - e saiu precocemente de cena, aos 29 anos. As pérolas raras pescadas por Nina no repertório de Dolores valorizam o show. O título Minha Dolores já explicita o caráter pessoal da abordagem. Nina não canta Por causa de você (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1957) nem Fim de caso (Dolores Duran, 1959). Tampouco revive A noite do meu bem (Dolores Duran, 1959), o maior sucesso da obra autoral de Adiléia. Há um ou outro sucesso. Contudo, com seu fraseado preciso, Nina essencialmente dá voz a um repertório pouco ouvido de Dolores, reavivando com elegância a alma carioca da artista. Um bandolim (pilotado com maestria por Luis Barcelos) e um violão de sete cordas (ouvido no toque virtuoso de Nando Duarte) são os únicos instrumentos em cena. E ambos se revelam suficientes para embalar em clima de seresta moderna joias como Carioca 1954 (Ismael Netto e Antonio Maria). Lançada por Dolores em disco de 1955, a música perfila - em letra escrita na primeira pessoa - um carioca que curte a vida e "a noite bonita do Rio". Título já obscuro da obra do compositor carioca Ismael Silva (1905 - 1978), um dos pilares do samba, Tradição impressiona pela atualidade da letra do samba, que versa sobre a violência cotidiana dos morros. Em seu tom contemporâneo, Nina também cai com leveza nos sambas do paraense Billy Blanco (1924 - 2011), compositor recorrente no repertório de Dolores. Estatuto de boite (Billy Blanco, 1957) ainda é razoavelmente conhecido, mas Feiúra não é nada (Billy Blanco, 1957) - samba espirituoso e cheio de verve, realçada em cena pelo gestual teatral de Nina - é outra joia que merece sair do baú em tempos de culto excessivo à beleza. Também é da lavra de Billy Blanco uma das músicas mais lindas do roteiro, Outono, samba-canção refinado por Nina sem pesar a mão e a voz na letra melancólica. Justiça seja feita: a interpretação de Nina supera a de Dolores, cantora que também primava por evitar interpretações folhetinescas. O show também atinge pico de beleza e sedução quando Nina dá voz a Manias, composição do carioca Flávio Cavalcanti (1923 - 1986), feita por Flávio - celebrizado como apresentador de programas de TV nos anos 1960 e 1970 - em parceria com seu irmão Celso Cavalcanti (os irmãos também assinam outra maravilha do roteiro, o samba-canção O amor acontece, gravado por Dolores em 1954).
ResponderExcluirNina já havia cantado Manias no episódio dedicado a Dolores Duran na excelente série de TV Cantoras do Brasil, exibida em 2012 pelo Canal Brasil. No programa (idealizado por Mariana Rolim, Mercedes Tristão e Simone Esmanhotto), aliás, Nina já mostrara sua devoção a Dolores e cantara também Solidão (Dolores Duran, 1958), música que encerra o show antes do bis, feito com Minha toada - melodiosa canção de toque ruralista realçado pelo bandolim de Luis Barcelos e o violão de Nando Duarte - e Estrada do sol (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1958), ao fim da qual Barcelos cita Chovendo na roseira (Antonio Carlos Jobim, 1971) com sagacidade. Entre o clima burlesco da francesa La Marie-vison (Roger Varnay e Marc Heyral, 1959) e a atmosfera graciosa do samba Coisas de mulher (Chico Baiano, 1957), a cantora reafirma a afinação e a sofisticação de seu canto. Minha Dolores peca somente quando Nina Becker tenta em vão expor todo o sofrimento embutido em Canção da volta (Ismael Netto e Antonio Maria, 1954), em Vou chorar (Lúcio Alves e Dolores Duran, 1960) - único número em que lê a letra - e em Mi último fracaso (Alfredo Gil, 1957), bolero mexicano gravado em espanhol pela poliglota Dolores em disco de 1957. São músicas que pedem vozes de maior voltagem emocional. De todo modo, Minha Dolores é o melhor show de Nina. À excelência da pesquisa do repertório de Dolores Duran, soma-se o requinte do canto da esguia Nina Becker. O resultado é show primoroso que, a convite do DJ Zé Pedro, a cantora vai registrar em estúdio em 2014 para edição de disco pela gravadora Joia Moderna. Disco oportuno, pois Nina Becker traduz muito bem a alma carioca de Dolores Duran.
ResponderExcluirSe tem injustiça neste mundo,uma foi Dolores Duran morrer tão cedo.
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