Mauro Ferreira no G1

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terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Retrô 2013: o som pulsa nas plataformas digitais, mas passado assombra

Retrospectiva 2013 - O ano de 2013 chegou ao fim sem grandes mudanças no universo pop. Realidade irreversível dos últimos anos, a audição e o consumo de músicas e discos nas plataformas digitais já faz parte do presente há tempos. Ao longo do ano, o som pulsou em portais e canais de música e vídeo, mas o passado assombrou. Tanto que a esperta cantora norte-americana Beyoncé Knowles causou reboliço ao lançar seu bom quinto álbum, Beyoncé, exclusivamente no iTunes, de surpresa, sem aviso prévio, em 13 de dezembro. Os lojistas do mundo físico protestaram contra a primazia digital. E houve até rede que se recusou a pôr o CD em suas prateleiras. E assim caminhou a humanidade musical ao longo deste ano de 2013. Dando um passo para frente e dois para trás. Como o mundo, aliás. O alto consumo de vinis - em rota ascendente no Brasil e no mundo - sinalizou que o apego de uns a sons e a formatos do passado ainda é uma realidade que vai ter conviver com a opção de outros pelo consumo exclusivamente digital (legal ou ilegal) de discos e músicas. O passado também assombrou na quantidade de registros ao vivo de shows de caráter retrospectivo. Sem ter nada de novo a dizer, cantores e grupos reciclaram sucessos em DVDs estéreis com o aval da indústria fonográfica, ainda apegada (por questões financeiras) aos sons e formatos desse passado que espreita a música do presente. Passado que também se manifestou em 2013 na forma de edições comemorativas de álbuns emblemáticos na construção do universo pop. Se um álbum realmente importante completou 20, 30 ou 40 anos de vida, esse disco provavelmente foi embalado em edições luxuosas turbinadas com material adicional para fisgar colecionadores de discos - raça resistente que alimentou a indústria fonográfica em 2013 com o mesmo apetite e voracidade que certamente o fará em 2014. Tudo novo de novo? Nem tanto. E o realmente novo por vezes chegou impregnado de sons do passado - caso do quarto irretocável álbum do duo francês de música eletrônica Daft Punk, Random access memories, um dos grandes discos do ano. A aura retrô do megahit Get lucky envolveu e deliciou o universo pop, revalorizando o guitarrista norte-americano Nile Rodgers, cujo toque chic também ajudou a formatar um outro hit, este restrito a essa terra brasilis, Mandou bem, grande sucesso black em parada nacional dominada por sertanejos de rala pegada pop e por dois funkeiros domesticados pela indústria do disco. Sim, Anitta e Naldo Benny se fizeram ouvir em 2013 (ele no embalo de sucesso que já veio de 2012). Prepare-se: fenômeno nativo do ano, Anitta ainda vai reinar em 2014, gravando em fevereiro DVD que vai ter a participação do rapper norte-americano Pitbull. De olho no futuro, Naldo Benny já mira o mercado externo, mas mostrou fôlego curto para encarar outros verões no segundo registro de show de sua carreira solo. Com a MPB relegada à margem do mercado fonográfico e consumida em nichos que são mais resistentes no Rio de Janeiro (RJ), poucos ouviram o estupendo álbum de inéditas do grupo carioca Boca Livre, Amizade, e o igualmente excelente tributo dos irmãos Danilo Caymmi, Dori Caymmi e Nana Caymmi ao patriarca Dorival Caymmi (1914 - 2008), cujo centenário de nascimento - a ser completado em abril de 2014 - vai motivar a reabertura da cortina do passado no próximo ano. Cortina que se manteve aberta em 2013 com saudações à cantora mineira Clara Nunes (1942 - 1983) - alvo de tributos de várias cantoras, com menção honrosa para o show Canto sagrado, transformado em CD/DVD pela cantora paulista Fabiana Cozza - e ao compositor e poeta carioca Vinicius de Moraes (1913 - 1980). Dos dois discos mais relevantes feitos em tributo ao centenário de nascimento de Vinicius, um (a releitura contemporânea do repertório da Arca de Noé) se mostrou luminoso ao encarar o presente enquanto outro (A vida tem sempre razão, com gravações inéditas de nomes da MPB) se revelou apático, com ar de mofo, pautado pela estética do passado que assombra. Uma sombra desse passado também nublou a bela e melancólica balada, Where are you now?, que anunciou em janeiro a volta e o primeiro álbum em dez anos do então sumido camaleão inglês David Bowie. Apesar do título do álbum The next day sinalizar o futuro, Bowie apresentou um rock atemporal neste disco recorrente nas listas de melhores CDs de 2013. Em outra latitude da esfera internacional, Miley Cyrus sexualizou sua música a ponto de ter sido advertida pela irlandesa Sinéad O' Connor de que estava sendo induzida a se comportar como prostituta - comentário que enfureceu Cyrus e gerou bate-boca público. Aliás, a adolescente neozelandesa Lorde (uma das revelações do ano) chamou a atenção para a frivolidade do universo pop nas músicas de seu incensado álbum Pure heroine. Alheia à tal frivolidade, a cena indie do Brasil caminhou efervescente, por vezes sem estrutura empresarial, mas com gana de espantar o passado. O rapper paulista Emicida deu passo à frente ao lançar (enfim) seu primeiro álbum, O retorno glorioso de quem nunca esteve aqui, enquanto a índia indie Iara Rennó deglutiu influências modernistas em seu segundo álbum solo, I A R A, objeto de culto em nichos específicos dessa multifacetada cena independente movida tanto pelo patrocínio de editais culturais quanto pela mobilização de fãs em plataformas de financiamento coletivo e pela iniciativa privada de empreendedores como o DJ Zé Pedro, que deu em agosto a partida na série de tributos a Cazuza com Agenor, CD de sua gravadora Joia Moderna que mirou o presente, na contramão de outras homenagens calcadas no passado evocado até na forma de holograma. Visando o mainstream, o inspirado Marcelo Jeneci roçou a perfeição pop em primoroso segundo álbum, De graça, enquanto os olhos de farol de Ney Matogrosso focaram o presente em show, Atento aos sinais, de efervescência urbana captada no CD gravado em estúdio com músicas (Incêndio, Rua da passagem), que ganharam sentido adicional a partir de junho, quando manifestações sociais tomaram as ruas do Brasil sem uma trilha sonora - o que sinaliza que, a despeito de ter gerado grandes discos, 2013 chega ao fim sem ter se imposto como ano inesquecível no universo pop.

7 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Retrospectiva 2013 - O ano de 2013 chegou ao fim sem grandes mudanças no universo pop. Realidade irreversível dos últimos anos, a audição e o consumo de músicas e discos nas plataformas digitais já faz parte do presente há tempos. Ao longo do ano, o som pulsou em portais e canais de música e vídeo, mas o passado assombrou. Tanto que a esperta cantora norte-americana Beyoncé Knowles causou reboliço ao lançar seu bom quinto álbum, Beyoncé, exclusivamente no iTunes, de surpresa, sem aviso prévio, em 13 de dezembro. Os lojistas do mundo físico protestaram contra a primazia digital. E houve até rede que se recusou a pôr o CD em suas prateleiras. E assim caminhou a humanidade musical ao longo deste ano de 2013. Dando um passo para frente e dois para trás. Como o mundo, aliás. O alto consumo de vinis - em rota ascendente no Brasil e no mundo - sinalizou que o apego de uns a sons e a formatos do passado ainda é uma realidade que vai ter conviver com a opção de outros pelo consumo exclusivamente digital (legal ou ilegal) de discos e músicas. O passado também assombrou na quantidade de registros ao vivo de shows de caráter retrospectivo. Sem ter nada de novo a dizer, cantores e grupos reciclaram sucessos em DVDs estéreis com o aval da indústria fonográfica, ainda apegada (por questões financeiras) aos sons e formatos desse passado que espreita a música do presente. Passado que também se manifestou em 2013 na forma de edições comemorativas de álbuns emblemáticos na construção do universo pop. Se um álbum realmente importante completou 20, 30 ou 40 anos de vida, esse disco provavelmente foi embalado em edições luxuosas turbinadas com material adicional para fisgar colecionadores de discos - raça resistente que alimentou a indústria fonográfica em 2013 com o mesmo apetite e voracidade que certamente o fará em 2014. Tudo novo de novo? Nem tanto. E o realmente novo por vezes chegou impregnado de sons do passado - caso do quarto irretocável álbum do duo francês de música eletrônica Daft Punk, Random acesss memories, um dos grandes discos do ano. A aura retrô do megahit Get lucky envolveu e deliciou o universo pop, revalorizando o guitarrista norte-americano Nile Rodgers, cujo toque chic também ajudou a formatar um outro hit, este restrito a essa terra brasilis, Mandou bem, grande sucesso black em parada nacional dominada por sertanejos de rala pegada pop e por dois funkeiros domesticados pela indústria do disco. Sim, Anitta e Naldo Benny se fizeram ouvir em 2013 (ele no embalo de sucesso que já veio de 2012). Prepare-se: fenômeno nativo do ano, Anitta ainda vai reinar em 2014, gravando em fevereiro DVD que vai ter a participação do rapper norte-americano Pitbull. De olho no futuro, Naldo Benny já mira o mercado externo, mas mostrou fôlego curto para encarar outros verões no segundo registro de show de sua carreira solo. Com a MPB relegada à margem do mercado fonográfico e consumida em nichos que são mais resistentes no Rio de Janeiro (RJ), poucos ouviram o estupendo álbum de inéditas do grupo carioca Boca Livre, Amizade, e o igualmente excelente tributo dos irmãos Danilo Caymmi, Dori Caymmi e Nana Caymmi ao patriarca Dorival Caymmi (1914 - 2008), cujo centenário de nascimento - a ser completado em abril de 2014 - vai motivar a reabertura da cortina do passado no próximo ano. Cortina que se manteve aberta em 2013 com saudações à cantora mineira Clara Nunes (1942 - 1983) - alvo de tributos de várias cantoras, com menção honrosa para o show Canto sagrado, transformado em CD/DVD pela cantora paulista Fabiana Cozza - e ao compositor e poeta carioca Vinicius de Moraes (1913 - 1980). Dos dois discos mais relevantes feitos em tributo ao centenário de nascimento de Vinicius, um (a releitura contemporânea do repertório da Arca de Noé) se mostrou luminoso ao encarar o presente enquanto outro (A vida tem sempre razão, com gravações inéditas de nomes da MPB) se revelou apático, com ar de mofo, pautado pela estética do passado que assombra.

Mauro Ferreira disse...

Uma sombra desse passado também nublou a bela e melancólica balada, Where are you now?, que anunciou em janeiro a volta e o primeiro álbum em dez anos do então sumido camaleão inglês David Bowie. Apesar do título do álbum The next day sinalizar o futuro, Bowie apresentou um rock atemporal neste disco recorrente nas listas de melhores CDs de 2013. Em outra latitude da esfera internacional, Miley Cyrus sexualizou sua música a ponto de ter sido advertida pela irlandesa Sinéad O' Connor de que estava sendo induzida a se comportar como prostituta - comentário que enfureceu Cyrus e gerou bate-boca público. Aliás, a adolescente neozelandesa Lorde (uma das revelações do ano) chamou a atenção para a frivolidade do universo pop nas músicas de seu incensado álbum Pure heroine. Alheia à tal frivolidade, a cena indie do Brasil caminhou efervescente, por vezes sem estrutura empresarial, mas com gana de espantar o passado. O rapper paulista Emicida deu passo à frente ao lançar (enfim) seu primeiro álbum, O retorno glorioso de quem nunca esteve aqui, enquanto a índia indie Iara Rennó deglutiu influências modernistas em seu segundo álbum solo, I A R A, objeto de culto em nichos específicos dessa multifacetada cena independente movida tanto pelo patrocínio de editais culturais quanto pela mobilização de fãs em plataformas de financiamento coletivo e pela iniciativa privada de empreendedores como o DJ Zé Pedro, que deu em agosto a partida na série de tributos a Cazuza com Agenor, CD de sua gravadora Joia Moderna que mirou o presente, na contramão de outras homenagens calcadas no passado evocado até na forma de holograma. Visando o mainstream, o inspirado Marcelo Jeneci roçou a perfeição pop em primoroso segundo álbum, De graça, enquanto os olhos de farol de Ney Matogrosso focaram o presente em show, Atento aos sinais, de efervescência urbana captada no CD gravado em estúdio com músicas (Incêndio, Rua da passagem), que ganharam sentido adicional a partir de junho, quando manifestações sociais tomaram as ruas do Brasil sem uma trilha sonora - o que sinaliza que, a despeito de ter gerado grandes discos, 2013 chega ao fim sem ter se imposto como ano inesquecível no universo pop.

Bruno Cavalcanti disse...

Mauro, vai rolar aquele post com os lançamentos agendados para ano que vem? Abraços, feliz ano novo e vida longa ao Notas Musicais, a nossa melhor plataforma de consulta sobre música!

Rubens Lisboa disse...

Mauro, tudo de muito lindo para vc em 2014 com saúde, paz, amor, grana e muita música!!!

Mauro Ferreira disse...

Bruno, vai rolar no dia 1º de janeiro - como é praxe. Rubens, tudo de bom para você tb! Abs, MauroF

Vladimir disse...

É lamentável que as coisas tenham e estejam ocorrendo desta forma com a música de uma forma geral. A MPB foi infelizmente jogada à escanteio com um mercado de música de segunda categoria que ora faz novos seguidores a cada dia!
Enfim, o futuro nos dirá onde isto tudo vai parar!!
Desejo e espero que um novo caminho se configure nesta cena não muito feliz!

Aproveito para desejar que este Blog continue prestando este "serviço de utilidade pública" a todos que lutam por uma música de qualidade!!

Parabéns, Mauro, por prestares esse serviço e que o "Notas Musicais" continue sendo este oásis neste universo de tanta superficialidade!

Que venha 2014 com muita música boa para nossos ouvidos!!

Feliz 2014 a todos!

P.S.: Mauro, faltou "c" e sobraram "ss" no título do disco do Daft Punk!

Grande abraço

Mauro Ferreira disse...

Grato pelo toque do erro de digitação do título do disco do Daft Punk, Vladimir. Abs, feliz 2014! MauroF