sábado, 4 de janeiro de 2014

Cronista amargo das dores de amores, Lupicínio fica centenário em 2014

"Esses moços, pobres moços / Ah!... se soubessem o que eu sei / Não amavam". O conselho amargo dado pelo compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (16 de setembro de 1914 - 26 de agosto de 1974) nos versos de seu samba-canção Esses moços, pobres moços - lançado em disco em maio de 1948 pelo cantor carioca Francisco Alves (1898 - 1952) - diz muito sobre a obra do artista que fica centenário neste novo ano de 2014. Assim como a cantora carioca Aracy de Almeida (1914 - 1988) e o compositor baiano Dorival Caymmi (1914 - 2008), Lupicínio veio ao mundo há 100 anos e saiu dele há 40, deixando obra expiada na dor-de-cotovelo. Através de suas músicas, Lupicínio se revelou cronista das dores de amores. Amargura e desilusão são matérias-primas de seu cancioneiro folhetinesco e por vezes machista, criado segundo a moral e os padrões comportamentais de época em que uma mulher separada do marido era marginalizada pela sociedade. Irrompida em 1938, com o sucesso do samba Se acaso você chegasse na voz manemolente do cantor carioca Cyro Monteiro (1913 - 1973), a obra de Lupicínio prioriza o samba-canção, gênero que viveu seu apogeu nos anos 1940 e 1950. Não por acaso, a maioria dos sucessos de Lupicínio - Aves daninhas (1954), Cadeira vazia (1949 - da parceria com Alcides Gonçalves), Ela disse-me assim (1959), Nervos de aço (1947), Vingança (1951), Volta (1957) - vem dessas duas décadas, embora o cancioneiro do compositor tenha desafiado o reinado da Bossa Nova e ainda gerado sucessos eventuais como Exemplo (1960) no início da década seguinte, para citar uma das muitas músicas de Lupicínio propagadas na voz volumosa de Jamelão (1913 - 2008), o cantor carioca que se revelou hábil intérprete das doídas músicas do compositor gaúcho. Pela ótica unilateral desse cancioneiro embebido do orgulho (explicitado nos versos de Nunca, samba-canção de 1952), a mulher é quase sempre a culpada, a traíra, a vítima pelo fracasso da relação amorosa. E, por estar toda enraizada no fracasso, a música de Lupicínio Rodrigues é quase invariavelmente triste. Essa tristeza é senhora até no xote-canção ironicamente intitulado Felicidade (1947). Talvez por isso mesmo, a obra do compositor tenha atravessado várias gerações com suas melodias de arquitetura original e letras que, mesmo enquadradas em já ultrapassados códigos morais, se revelam paradoxalmente atemporais. Mudam os tempos, mas a dor dos cornos permanece a mesma, afinal. E, por tudo isso, é sempre tempo de reviver as canções de Lupicínio Rodrigues, inclusive neste nascente 2014, ano do centenário do compositor de Esses moços, pobres moços.

8 comentários:

  1. "Esses moços, pobres moços / Ah!... se soubessem o que eu sei / Não amavam". O conselho amargo dado pelo compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (16 de setembro de 1914 - 26 de agosto de 1974) nos versos de seu samba-canção Esses moços, pobres moços - lançado em disco em maio de 1948 pelo cantor carioca Francisco Alves (1898 - 1952) - diz muito sobre a obra do artista que fica centenário neste novo ano de 2014. Assim como a cantora carioca Aracy de Almeida (1914 - 1988) e o compositor baiano Dorival Caymmi (1914 - 2008), Lupicínio veio ao mundo há 100 anos e saiu dele há 40, deixando obra expiada na dor-de-cotovelo. Através de suas músicas, Lupicínio se revelou cronista das dores de amores. Amargura e desilusão são matérias-primas de seu cancioneiro folhetinesco e por vezes machista, criado segundo a moral e os padrões comportamentais de época em que uma mulher separada do marido era marginalizada pela sociedade. Irrompida em 1938, com o sucesso do samba Se acaso você chegasse na voz manemolente do cantor carioca Cyro Monteiro (1913 - 1973), a obra de Lupicínio prioriza o samba-canção, gênero que viveu seu apogeu nos anos 1940 e 1950. Não por acaso, a maioria dos imortais sucessos de Lupicínio - Ela disse-me assim (1959), Nervos de aço (1947), Vingança (1951) - vem dessas duas décadas, embora o cancioneiro do compositor tenha desafiado o reinado da Bossa Nova e gerado sucessos como Cadeira vazia (1961) e Exemplo (1960) no começo da década seguinte, para citar somente duas músicas propagadas na voz volumosa de Jamelão (1913 - 2008), o cantor carioca que se revelou hábil intérprete das doídas músicas do compositor gaúcho. Pela ótica unilateral desse cancioneiro, a mulher é quase sempre a culpada, a vítima pelo fracasso da relação amorosa. E, por estar enraizada no fracasso, a música de Lupicínio Rodrigues é quase invariavelmente triste. Essa tristeza é senhora até no xote-canção ironicamente intitulado Felicidade (1947). Talvez por isso mesmo, a obra do compositor tenha atravessado gerações com suas melodias de arquitetura original e letras que, mesmo enquadradas em já ultrapassados códigos morais, se revelam paradoxalmente atemporais. Mudam os tempos, mas a dor dos cornos permanece a mesma, afinal. E, por tudo isso, é sempre tempo de reviver as canções de Lupicínio Rodrigues, inclusive neste nascente 2014, ano do centenário do compositor de Esses moços, pobres moços.

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  2. Uma correção, Mauro: "Cadeira vazia" foi lançada por Francisco Alves em 1950. Grandes músicas de Lupi lançadas por Jamelão após o advento da bossa nova foram "Sozinha (Bicho de Pé)", de 1963, e "Torre de Babel", do mesmo ano.

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  3. Tem razão, Clayton. Já corrigi o texto. Abs, obrigado, MauroF

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  4. Lupicínio, um tesouro brasileiro!

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  5. Esse sim!!! Um grande compositor!!! Tempo bom aonde no Brasil música era com M ...bem maiúsculo!!!

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  6. Mauro, não precisa publica esse comentário, mas não seria 'malemolente' a voz de Cyro Monteiro?

    Flávio

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  7. Flávio, publiquei seu comentário porque essa dúvida pode ser a mesma de outros leitores. O termo original é manemolente (vem de mané mole), mas a tradição oral fez com que malemolente também seja um termo em uso. Mas eu prefiro o original. Abs, obrigado, MauroF

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