terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

'Olhos de onda' revolve águas passadas de Calcanhotto com foco de hoje

Resenha de show - Gravação de CD e DVD
Título: Olhos de onda
Artista: Adriana Calcanhotto (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Vivo Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 1º de fevereiro de 2014
Cotação: * * * 1/2

Show idealizado por Adriana Calcanhotto para Portugal, aonde estreou em abril de 2013, Olhos de onda se conecta pelo título a dois grandes álbuns da artista gaúcha, Maritmo (1998) e a Maré (2008), ambos pautados pelas águas, mas de concepções distintas. Contudo, por seu formato de voz & violão, a conexão mais óbvia de Olhos de onda é com Público, o show dessa refinada cantora e compositora que virou disco ao vivo em 2000 e, um ano depois, ganhou registro em DVD. Só que, como já disse o filósofo, ninguém é o mesmo quando pisa as mesmas águas pela segunda vez. A Calcanhotto de Olhos de onda já está banhada pela maré cool que pautou sua obra a partir de Cantada (2002), divisor de águas em discografia que perdeu progressivo apelo popular ao longo dos anos 2000. Olhos de onda revolve águas passadas - Esquadros (Adriana Calcanhotto, 1992), Inverno (Adriana Calcanhotto e Antonio Cícero, 1994), Vambora (Adriana Calcanhotto, 1998) -  enquanto aponta para o futuro através das inéditas autorais E sendo amor, Motivos reais banais - canção composta por Calcanhotto a partir de versos do poeta baiano Waly Salomão (1943 - 2003) - e Olhos de onda. O formato é o mesmo de Público, mas a onda é outra - ainda que o espírito daquela cantora e compositora mais popular dos anos 1990 seja de certa forma reanimado em vários momentos de Olhos de onda. Na gravação ao vivo do recital, feita em 1º de fevereiro de 2014 na estreia do show no Rio de Janeiro (RJ), o público reencontrou uma artista mais acessível, que (se) permitiu até atender pedidos de espectadores no bis, dando boa voz a quatro músicas - Seu pensamento (Adriana Calcanhotto e Dé Palmeira, 2008), Cariocas (Adriana Calcanhotto, 1994), Metade (Adriana Calcanhotto, 1994) e Maresia (Paulo Machado e Antonio Cícero, 1981) - não previstas no roteiro. Sim, a voz - que andou dando preocupantes sinais de cansaço em apresentações recentes da cantora - estava boa, com o viço e a energia dos tempos idos. Alocada na abertura do show, a canção O nome da cidade (Caetano Veloso, 1984) ganhou sentido adicional em gravação feita na cidade que a cantora tomou como sua a partir dos anos 1990. A canção desencavou o fio de meada que abarca muitas músicas gravadas por Calcanhotto na fase pós-Público, fazendo com que a gravação ao vivo de 2014 complemente e expanda o eixo estético do registro do show de 2000. Das três inéditas em disco, Olhos de onda é a que mais chama atenção de imediato, com versos poéticos que evocam Portugal enquanto moldam autorretrato da artista. E sendo amor, numa primeira audição, reiterou a opção da compositora por trilhar caminhos melódicos menos acessíveis, embora paradoxalmente Maldito rádio (Adriana Calcanhotto, 2012) - música de refrão forte com a qual Calcanhotto trava diálogo inteligente com o universo da canção popular brasileira de tom sentimental - tenha se erguido em cena como um dos pontos mais altos da apresentação que encheu a casa Vivo Rio. O número sofre propositais interferências de emissora de rádio sintonizada por um homem que entra no palco. É o único jogo de cena de show que transcorre sedutoramente linear, sem a inventividade cênica de espetáculos anteriores da artista. Maldito rádio está sagazmente posicionada no roteiro ao lado da canção Devolva-me (Lilian Knapp e Renato Barros, 1966), sucesso da dupla Leno & Lilian no reino da Jovem Guarda que Calcanhotto recolocou no topo das paradas brasileiras em 2000. É quando a cantora entra de novo na onda de seu público, em sintonia que já havia sido reforçada, três números antes, quando a artista surpreendeu a plateia ao cantar Back to black (Amy Winehouse e Mark Ronson, 2006), a música mais conhecida do repertório da cantora inglesa Amy Winehouse (1983 - 2011). Nesses momentos de clima mais hot, como Me dê motivo (Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1983), bastam uma voz e um violão às vezes arranhado para o público entrar na onda certa de Adriana Calcanhotto.

2 comentários:

  1. Show idealizado por Adriana Calcanhotto para Portugal, aonde estreou em abril de 2013, Olhos de onda se conecta pelo título a dois grandes álbuns da artista gaúcha, Maritmo (1998) e a Maré (2008), ambos pautados pelas águas, mas de concepções distintas. Contudo, por seu formato de voz & violão, a conexão mais óbvia de Olhos de onda é com Público, o show dessa refinada cantora e compositora que virou disco ao vivo em 2000 e, um ano depois, ganhou registro em DVD. Só que, como já disse o filósofo, ninguém é o mesmo quando pisa as mesmas águas pela segunda vez. A Calcanhotto de Olhos de onda já está banhada pela maré cool que pautou sua obra a partir de Cantada (2002), divisor de águas em discografia que perdeu progressivo apelo popular ao longo dos anos 2000. Olhos de onda revolve águas passadas - Esquadros (Adriana Calcanhotto, 1992), Inverno (Adriana Calcanhotto e Antonio Cícero, 1994), Vambora (Adriana Calcanhotto, 1998) - enquanto aponta para o futuro através das inéditas autorais E sendo amor, Motivos reais banais - canção composta por Calcanhotto a partir de versos do poeta baiano Waly Salomão (1943 - 2003) - e Olhos de onda. O formato é o mesmo de Público, mas a onda é outra - ainda que o espírito daquela cantora e compositora mais popular dos anos 1990 seja de certa forma reanimado em vários momentos de Olhos de onda. Na gravação ao vivo do recital, feita em 1º de fevereiro de 2014 na estreia do show no Rio de Janeiro (RJ), o público reencontrou uma artista mais acessível, que (se) permitiu até atender pedidos de espectadores no bis, dando boa voz a quatro músicas - Seu pensamento (Adriana Calcanhotto e Dé Palmeira, 2008), Cariocas (Adriana Calcanhotto, 1994), Metade (Adriana Calcanhotto, 1994) e Maresia (Paulo Machado e Antonio Cícero, 1981) - não previstas no roteiro. Sim, a voz - que andou dando preocupantes sinais de cansaço em apresentações recentes da cantora - estava boa, com o viço e a energia dos tempos idos. Alocada na abertura do show, a canção O nome da cidade (Caetano Veloso, 1984) ganhou sentido adicional em gravação feita na cidade que a cantora tomou como sua a partir dos anos 1990. A canção desencavou o fio de meada que abarca muitas músicas gravadas por Calcanhotto na fase pós-Público, fazendo com que a gravação ao vivo de 2014 complemente e expanda o eixo estético do registro do show de 2000. Das três inéditas em disco, Olhos de onda é a que mais chama atenção de imediato, com versos poéticos que evocam Portugal enquanto moldam autorretrato da artista. E sendo amor, numa primeira audição, reiterou a opção da compositora por trilhar caminhos melódicos menos acessíveis, embora paradoxalmente Maldito rádio (Adriana Calcanhotto, 2012) - música de refrão forte com a qual Calcanhotto trava diálogo inteligente com o universo da canção popular brasileira de tom sentimental - tenha se erguido em cena como um dos pontos mais altos da apresentação que encheu a casa Vivo Rio. O número sofre propositais interferências de emissora de rádio sintonizada por um homem que entra no palco. É o único jogo de cena de show que transcorre sedutoramente linear, sem a inventividade cênica de espetáculos anteriores da artista. Maldito rádio está sagazmente posicionada no roteiro ao lado da canção Devolva-me (Lilian Knapp e Renato Barros, 1966), sucesso da dupla Leno & Lilian no reino da Jovem Guarda que Calcanhotto recolocou no topo das paradas brasileiras em 2000. É quando a cantora entra de novo na onda de seu público, em sintonia que já havia sido reforçada, três números antes, quando a artista surpreendeu a plateia ao cantar Back to black (Amy Winehouse e Mark Ronson, 2006), a música mais conhecida do repertório da cantora inglesa Amy Winehouse (1983 - 2011). Nesses momentos de clima mais hot, como Me dê motivo (Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1983), bastam uma voz e um violão às vezes arranhado para o público entrar na onda certa de Adriana Calcanhotto.

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  2. Quando foi anunciada a gravação ao vivo deste show, aqui neste blog mesmo, eu disse que achava desnecessária, não apenas por ser de voz e violão, mas também pela questão do repertório. Assisti a apresentação na casa HSBC Brasil, aqui em São Paulo, e me pareceu uma grande coletânea acústica.
    Bom, levando em consideração a resenha, vou desdizer aquilo tudo que eu disse antes. "Back to Black", "Seu Pensamento", "Me dê Motivo", "Canção de Novela", "O Nome da Cidade"... é um DVD que eu vou comprar com prazer. Não adianta, queimei a língua, Adriana nunca é óbvia demais. Que bom!

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