Resenha de CD
Título: De normal bastam os outros
Artista: Maria Alcina
Gravadora: Nova Estação / Eldorado / NovoDisc
Cotação: * * * * 1/2
A dose de loucura sugerida pelo título De normal bastam os outros poderia ser maior para que o disco ficasse em total sintonia com seu nome, mas ainda assim o oitavo álbum de Maria Alcina está à altura do talento, da importância e do potencial dessa cantora mineira que irrompeu na música brasileira em 1972 como as lavas de um vulcão em erupção, defendendo no seu tom carnavalizante Fio maravilha (1972) - música de Jorge Ben em fase áurea - na sétima e última edição do Festival Internacional da Canção (FIC). É bem verdade que, há cinco anos, a cantora já tinha reposto seu bloco na rua com o brilhante álbum Maria Alcina, confete e serpentina (Outros discos, 2009), gravado pela artista sem nostalgia de sua modernidade tropicalista, mas também sem a merecida visibilidade já alcançada por este atual CD, idealizado em fevereiro de 2012 pelo produtor Thiago Marques Luiz para celebrar os 40 anos de carreira da artista. Foram dois anos entre a ideia do álbum e a efetiva distribuição do CD nas lojas, na segunda quinzena deste mês de fevereiro de 2014, pela Eldorado / NovoDisc. Ao longo desse dois anos, a edição do disco migrou da Lua Music (gravadora para a qual foi idealizado em 2012) para a Joia Moderna (a gravadora do DJ Zé Pedro) e terminou sendo editado via Nova Estação, o selo paulista aberto, em 2013, pelo produtor Thiago Marques Luiz.
Os 40 anos de carreira de Maria Alcina já são obviamente 42. Mas o acréscimo de dois anos é irrelevante, pois De normal bastam os outros se desvia da linha retrospectiva, ainda que, das 13 músicas de seu repertório, somente quatro sejam inéditas. É cantando a capella, em tom que remete aos cantadores nordestinos, que a intérprete dá voz a uma dessas inéditas, Eu sou Alcina, na abertura do disco. Presente do compositor maranhense Zeca Baleiro, Eu sou Alcina molda o autorretrato da cantora com melodia sapeca como seus versos, tradutores do espírito moleque da artista. Na sequência, De normal - outra inédita, esta composta por Arnaldo Antunes para a cantora - sugere em sua introdução anarquia dissonante que não se desenvolve ao longo do arranjo de clima indie roqueiro do guitarrista Rovilson Pascoal, diretor do disco. O palavrão solto ao fim da faixa insinua que havia uma loucura represada na gravação. Detalhes que não embaçam o brilho do álbum, pois é justamente por trilhar o caminho da normalidade em tom popular - ainda que à margem desse caminho - que De normal bastam os outros se impõe como o disco que mais remete aos dois primeiros álbuns da artista, ambos intitulados Maria Alcina e lançados em 1973 e em 1974 via Continental. Destaque do CD, o toque sonoro do trompete de Guizado é o traço mais marcante - e o que imprime contemporaneidade - à regravação de Sem vergonha, música de Jorge Ben Jor lançada por Alcina em Bucaneira, pouco ouvido CD lançado em 1992 por via independente. O trompete de Guizado, aliás, volta a aparecer - ainda com mais força - numa das regravações mais bem sacadas do disco, O chefão, música obscura de João Bosco e Aldir Blanc, lançada pela cantora paulista Marlene no álbum de 1974 que registrou seu show Te pego pela palavra.
Mineira arretada, Alcina encarna a Leoa do Norte ao dar voz a Nhém nhem nhém (Totonho, 2001) em gravação de arranjo limpo que evidencia a ótima forma da voz grave da cantora, prestes a fazer 65 anos, em abril de 2014. É com essa voz enérgica, serelepe, que Alcina cai no suingue de Segura esse samba, Ogunhê (Osvaldo Nunes, 1969) em clima de samba-rock evidenciado pelo toque da guitarra cortante de Rovilson Pascoal. A faixa embute trecho do samba Dondoca (Adoniran Barbosa e Hervê Cordovil, 1972). É quase uma citação que deixa a sensação de que a música irreverente de Adoniran Barbosa (1910 - 1982) poderia render mais se tivesse merecido faixa exclusiva. Recorrente nos arranjos, o toque da guitarra de Rovilson sublinha o tom maroto de Não se avexe, não (Haydée de Paula e Chico Anysio, 1959), baião lançado na voz mais comportada de Dolores Duran (1930 - 1959). Alcina, aliás, sempre aproveitou bem as possibilidades dos temas nordestinos de ardis e duplo sentido. A cantora deita e rola com Ney Matogrosso nos versos maliciosos de Bigorrilho (Paquito, Sebastião Gomes e Romeu Gentil, 1964), samba-coco que fez sucesso na voz do cantor carioca Jorge Veiga (1910 - 1979) nos anos 1960. Em linha similar, Concurso de bichos (Anastácia e Liane, 2014) - música inédita gravada com a participação da cantora e compositora pernambucana Anastácia, coautora do tema - investe em trocadilhos ("A ré ganha") típicos do gênero, evocando estilo adotado por Alcina em seu álbum de maior repercussão pós-anos 1970, Prenda o Tadeu (Copacabana, 1985). Em qualquer tom, como arranjador e diretor musical do disco, Rovilson Pascoal alcança seu grande momento em Cocadinha de sal, valorizando a razoável inédita de Karina Buhr com orquestração calcada nos dias de hoje. Em clima mais quente, o carimbó Fogo da morena (Felipe Cordeiro, 2011) eleva a temperatura do disco, finalizado quando a cantora repõe seu bloco na rua com a marchinha Dionísio, Deus do vinho e do prazer (Péricles Cavalcanti, 2013). Quase normal, popular na medida certa e esperada pelo público da cantora, De normal bastam os outros é belo CD que reitera a alegria e a sina de Maria Alcina.
A dose de loucura sugerida pelo título De normal bastam os outros poderia ser maior para que o disco ficasse em total sintonia com seu nome, mas ainda assim o oitavo álbum de Maria Alcina está à altura do talento, da importância e do potencial dessa cantora mineira que irrompeu na música brasileira em 1972 como as lavas de um vulcão em erupção, defendendo no seu tom carnavalizante Fio maravilha (1972) - música de Jorge Ben em fase áurea - na sétima e última edição do Festival Internacional da Canção (FIC). É bem verdade que, há cinco anos, a cantora já tinha reposto seu bloco na rua com o brilhante álbum Maria Alcina, confete e serpentina (Outros discos, 2009), gravado pela artista sem nostalgia de sua modernidade tropicalista, mas também sem a merecida visibilidade já alcançada por este atual CD, idealizado em fevereiro de 2012 pelo produtor Thiago Marques Luiz para celebrar os 40 anos de carreira da artista. Foram dois anos entre a ideia do álbum e a efetiva distribuição do CD nas lojas, na segunda quinzena deste mês de fevereiro de 2014, pela Eldorado / NovoDisc. Ao longo desse dois anos, a edição do disco migrou da Lua Music (gravadora para a qual foi idealizado em 2012) para a Joia Moderna (a gravadora do DJ Zé Pedro) e terminou sendo editado via Nova Estação, o selo paulista aberto, em 2013, pelo produtor Thiago Marques Luiz.
ResponderExcluirOs 40 anos de carreira de Maria Alcina já são obviamente 42. Mas o acréscimo de dois anos é irrelevante, pois De normal bastam os outros se desvia da linha retrospectiva, ainda que, das 13 músicas de seu repertório, somente quatro sejam inéditas. É cantando a capella, em tom que remete aos cantadores nordestinos, que a intérprete dá voz a uma dessas inéditas, Eu sou Alcina, na abertura do disco. Presente do compositor maranhense Zeca Baleiro, Eu sou Alcina molda o autorretrato da cantora com melodia sapeca como seus versos, tradutores do espírito moleque da artista. Na sequência, De normal - outra inédita, esta composta por Arnaldo Antunes para a cantora - sugere em sua introdução anarquia dissonante que não se desenvolve ao longo do arranjo de clima indie roqueiro do guitarrista Rovilson Pascoal, diretor do disco. O palavrão solto ao fim da faixa insinua que havia uma loucura represada na gravação. Detalhes que não embaçam o brilho do álbum, pois é justamente por trilhar o caminho da normalidade em tom popular - ainda que à margem desse caminho - que De normal bastam os outros se impõe como o disco que mais remete aos dois primeiros álbuns da artista, ambos intitulados Maria Alcina e lançados em 1973 e em 1974 via Continental. Destaque do CD, o toque sonoro do trompete de Guizado é o traço mais marcante - e o que imprime contemporaneidade - à regravação de Sem vergonha, música de Jorge Ben Jor lançada por Alcina em Bucaneira, pouco ouvido CD lançado em 1992 por via independente. O trompete de Guizado, aliás, volta a aparecer - ainda com mais força - numa das regravações mais bem sacadas do disco, O chefão, música obscura de João Bosco e Aldir Blanc, lançada pela cantora paulista Marlene no álbum de 1974 que registrou seu show Te pego pela palavra.
Mineira arretada, Alcina encarna a Leoa do Norte ao dar voz a Nhém nhem nhém (Totonho, 2001) em gravação de arranjo limpo que evidencia a ótima forma da voz grave da cantora, prestes a fazer 65 anos, em abril de 2014. É com essa voz enérgica, serelepe, que Alcina cai no suingue de Segura esse samba, Ogunhê (Osvaldo Nunes, 1969) em clima de samba-rock evidenciado pelo toque da guitarra cortante de Rovilson Pascoal. A faixa embute trecho do samba Dondoca (Adoniran Barbosa e Hervê Cordovil, 1972). É quase uma citação que deixa a sensação de que a música irreverente de Adoniran Barbosa (1910 - 1982) poderia render mais se tivesse merecido faixa exclusiva. Recorrente nos arranjos, o toque da guitarra de Rovilson sublinha o tom maroto de Não se avexe, não (Haydée de Paula e Chico Anysio, 1959), baião lançado na voz mais comportada de Dolores Duran (1930 - 1959). Alcina, aliás, sempre aproveitou bem as possibilidades dos temas nordestinos de ardis e duplo sentido. A cantora deita e rola com Ney Matogrosso nos versos maliciosos de Bigorrilho (Paquito, Sebastião Gomes e Romeu Gentil, 1964), samba-coco que fez sucesso na voz do cantor carioca Jorge Veiga (1910 - 1979) nos anos 1960. Em linha similar, Concurso de bichos (Anastácia e Liane, 2014) - música inédita gravada com a participação da cantora e compositora pernambucana Anastácia, coautora do tema - investe em trocadilhos ("A ré ganha") típicos do gênero, evocando estilo adotado por Alcina em seu álbum de maior repercussão pós-anos 1970, Prenda o Tadeu (Copacabana, 1985). Em qualquer tom, como arranjador e diretor musical do disco, Rovilson Pascoal alcança seu grande momento em Cocadinha de sal, valorizando a razoável inédita de Karina Buhr com orquestração calcada nos dias de hoje. Em clima mais quente, o carimbó Fogo da morena (Felipe Cordeiro, 2011) eleva a temperatura do disco, finalizado quando a cantora repõe seu bloco na rua com a marchinha Dionísio, Deus do vinho e do prazer (Péricles Cavalcanti, 2013). Quase normal, popular na medida certa e esperada pelo público da cantora, De normal bastam os outros é belo CD que reitera a alegria e a sina de Maria Alcina.
ResponderExcluirIndubitavelmente esta é a melhor crítica que li a respeito deste novo cd da fantástica, extraordinária e singularíssima artista. Ela possui talento de exceção, inaugural mesmo, pois não há nenhuma cantora que se lhe compare.Imbatível neste gênero, a excepcionALCINA só não tem, injustamente, o reconhecimento ou repercussão merecida pela midia.Sem dúvida, a midia e o "gosto" popular é que não estão no nível da qualidade artística dela.
ResponderExcluirJá efetuei a compra na Saraiva desde o início de fevereiro. Super ansioso para que chegue logo, mas o mesmo só será lançado no próximo dia 20 (terça). Que venha logo terça! Que assim seja!
ResponderExcluirMauro, a critica diz exatamente o que o cd é, parabéns. Fui ao show de lançamento e Alcina continua a mesma, uma Diva. Pena que sem o valor merecido.
ResponderExcluirAbraço.