domingo, 9 de fevereiro de 2014

Frieza técnica pauta a experiência de ouvir Chico em inglês, com poesia

Resenha de CD
Título: The Chico Buarque experience
Artista: Vários
Gravadora: Edição independente de O. J. Castro
Cotação: * * *

Embora Chico Buarque seja um dos maiores compositores brasileiros do gênero rotulado como MPB, a música do compositor carioca nunca obteve no exterior a visibilidade obtida pelas obras de colegas como o também carioca Ivan Lins e o alagoano Djavan. Além de o cancioneiro de Chico ter diálogo nulo com o jazz (porta que abriu o mercado do exterior para Djavan, por exemplo), as letras de suas músicas são pontos fortes e indissociáveis de sua obra. Produzido pelo poeta brasileiro O. J. Castro de forma independente, o inusitado CD The Chico Buarque experience tenta heroicamente reverter essa situação ao apresentar versões em inglês de dez músicas do compositor, a maioria lançada nos anos 1960 e 1970, décadas do auge produtivo do autor. Autorizadas por Chico, as dez versões são assinadas por Castro. Em tese, o disco de título em inglês pode abrir os ouvidos de dois bilhões de pessoas para a obra de Chico. Ouvintes em potencial que se comunicam em inglês e que são refratários a músicas feitas em português, língua de alcance e entendimento reduzidos em esfera planetária. As versões em si são boas. A autorização de Chico para a edição do disco não veio à toa. Castro procurou - e conseguiu - preservar o sentido e a poesia de versos de músicas como a lírica As vitrines (1981), rebatizada Gallery na versão gravada por Altay Veloso. Mesmo diante da eventual impossibilidade de fazer tradução literal, o versionista persegue o significado das letras sempre precisas de Chico. Por mais que as versões soem estranhas e antinaturais para ouvidos brasileiros, o problema do álbum não reside nelas. São as interpretações - corretas do ponto de vista técnico, mas geralmente sem alma - que esfriam a experiência de ouvir Chico Buarque em inglês. O dueto de Ithamara Koorax e Zé Luiz Mazziotti em Lounger boy - versão de Sem fantasia (1967) - exemplifica com perfeição essa frieza técnica que faz com que o disco soe asséptico demais. Produzido por Castro sob a direção musical de Afonso Machado, o CD The Chico Buarque experience foi formatado com arranjos do maestro Leonardo Bruno. Piano e cordas pontuam esses arranjos com intervenções eventuais de sopros como o sax soprano de Dirceu Leite, ouvido em Love list - a versão de Folhetim (1977  1978) defendida por Clarisse Grova - e em What might it be (Prime skin), título em inglês da versão de O que será (À flor da pele) que abre o disco na voz de Cris Delanno. Ambientados na atmosfera clássica das orquestrações do disco, os cantores Jorge Vercillo e Zé Renato se destacam no elenco de afinados intérpretes justamente porque conseguiram imprimir em suas interpretações algum sentimento, artigo indispensável na abordagem de um cancioneiro que se ajusta com mais facilidade a cantores que soltam sua voz à flor da pele - como Maria Bethânia, a grande intérprete das músicas de Chico (é difícil ouvir Staring each other, a versão de Olhos nos olhos cantada por Cely Curado, sem lembrar da emblemática gravação feita por Bethânia em 1976). Vercillo consegue resolver bem a equação técnica + emoção ao dar voz a All the feelings, versão de Todo o sentimento (Cristóvão Bastos e Chico Buarque, 1987). Zé Renato imprime em Grove and love - versão de Até pensei (1968) - a melancolia embutida pelo compositor neste bela canção que descende das modinhas dos tempos imperiais. Enfim, The Chico Buarque experience é tentativa válida de dar alguma visibilidade à obra do compositor no mundo que se comunica somente em inglês, ditando as regras do sucesso no universo pop.

3 comentários:

  1. Embora Chico Buarque seja um dos maiores compositores brasileiros do gênero rotulado como MPB, a música do compositor carioca nunca obteve no exterior a visibilidade obtida pelas obras de colegas como o também carioca Ivan Lins e o alagoano Djavan. Além de o cancioneiro de Chico ter diálogo nulo com o jazz (porta que abriu o mercado do exterior para Djavan, por exemplo), as letras de suas músicas são pontos fortes e indissociáveis de sua obra. Produzido pelo poeta brasileiro O. J. Castro de forma independente, o inusitado CD The Chico Buarque experience tenta heroicamente reverter essa situação ao apresentar versões em inglês de dez músicas do compositor, a maioria lançada nos anos 1960 e 1970, décadas do auge produtivo do autor. Autorizadas por Chico, as dez versões são assinadas por Castro. Em tese, o disco de título em inglês pode abrir os ouvidos de dois bilhões de pessoas para a obra de Chico. Ouvintes em potencial que se comunicam em inglês e que são refratários a músicas feitas em português, língua de alcance e entendimento reduzidos em esfera planetária. As versões em si são boas. A autorização de Chico para a edição do disco não veio à toa. Castro procurou - e conseguiu - preservar o sentido e a poesia de versos de músicas como a lírica As vitrines (1981), rebatizada Gallery na versão gravada por Altay Veloso. Mesmo diante da eventual impossibilidade de fazer tradução literal, o versionista persegue o significado das letras sempre precisas de Chico. Por mais que as versões soem estranhas e antinaturais para ouvidos brasileiros, o problema do álbum não reside nelas. São as interpretações - corretas do ponto de vista técnico, mas geralmente sem alma - que esfriam a experiência de ouvir Chico Buarque em inglês. O dueto de Ithamara Koorax e Zé Luiz Mazziotti em Lounger boy - versão de Sem fantasia (1967) - exemplifica com perfeição essa frieza técnica que faz com que o disco soe asséptico demais. Produzido por Castro sob a direção musical de Afonso Machado, o CD The Chico Buarque experience foi formatado com arranjos do maestro Leonardo Bruno. Piano e cordas pontuam esses arranjos com intervenções eventuais de sopros como o sax soprano de Dirceu Leite, ouvido em Love list - a versão de Folhetim (1977 1978) defendida por Clarisse Grova - e em What might it be (Prime skin), título em inglês da versão de O que será (À flor da pele) que abre o disco na voz de Cris Delanno. Ambientados na atmosfera clássica das orquestrações do disco, os cantores Jorge Vercillo e Zé Renato se destacam no elenco de afinados intérpretes justamente porque conseguiram imprimir em suas interpretações algum sentimento, artigo indispensável na abordagem de um cancioneiro que se ajusta com mais facilidade a cantores que soltam sua voz à flor da pele - como Maria Bethânia, a grande intérprete das músicas de Chico (é difícil ouvir Staring each other, a versão de Olhos nos olhos cantada por Cely Curado, sem lembrar da emblemática gravação feita por Bethânia em 1976). Vercillo consegue resolver bem a equação técnica + emoção ao dar voz a All the feelings, versão de Todo o sentimento (Cristóvão Bastos e Chico Buarque, 1987). Zé Renato imprime em Grove and love - versão de Até pensei (1968) - a melancolia embutida pelo compositor neste bela canção que descende das modinhas dos tempos imperiais. Enfim, The Chico Buarque experience é tentativa válida de dar alguma visibilidade à obra do compositor no mundo que se comunica somente em inglês, ditando as regras do sucesso no universo pop.

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  2. O álbum pode ser comprado aqui:

    http://www.ojcastro.com.br/the-chico-buarque-experience-pr-2-365794.htm

    No site do O. J. Castro ele passa uma informação incorreta. Ele diz que este é o primeiro álbum de versões em inglês de canções do Chico, porém isto não é verdade. No site da loja estrangeira CD Baby já existe um disco com canções com versões em inglês de canções do Chico cantadas por artistas independentes dos EUA e pelo guitarrista brasileiro Rafael Moreira. O disco se chama "The Chico Buarque Project, Vol. 1" e o link do disco, de 2012, é esse:

    http://www.cdbaby.com/cd/thechicobuarqueprojectvo

    Pode ser comprado no site.

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  3. Ainda não conferi o resultado final desse disco, porém estou curioso para saber como ficaram tais versões das canções do Chico. No mínimo curioso esse projeto.

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