Título: Setenta anos
Artista: Dori Caymmi
Gravadora: Acari Records
Cotação: * * * *
Há um Brasil mais profundo, entranhado em um universo interiorano e interiorizado. É esse Brasil - de rios, matas, ventos, luares e mares míticos - que Dori Caymmi adentra, através da poesia de Paulo César Pinheiro, em seu disco de inéditas Setenta anos, lançado pelo cantor, compositor, violonista e arranjador carioca neste mês de março de 2014. O título do CD alude ao 70º aniversário de Dori - festejado em 26 de agosto de 2013 - mas o álbum ora editado pela gravadora carioca Acari Records tem beleza atemporal. É um disco de voz, de violão - "amigo querido" há 55 anos, como o artista poetiza na dedicatória do CD gravado em julho de 2013 com produção e arranjos concretizados pelo próprio Dori - e de canções. São, mais precisamente, 13 músicas inéditas, todas compostas por Dori a partir de versos do compositor e poeta carioca Paulo César Pinheiro. Canções gravadas sem adornos e artefatos, desnudadas em sua "deslumbrante simplicidade", como caracteriza com precisão a cantora e compositora Joyce Moreno no texto que escreveu para apresentar Setenta anos. Do coeso repertório, Alguma voz salta logo aos ouvidos como uma das obras-primas do álbum. "Quando eu ouço alguma voz, / Na janela do horizonte, / De alguém cantando por nós / É Deus cantando defronte", afiança Dori com sua voz tão doce e ao mesmo tempo tão profunda, repleta de símbolos e significados. Tal como o mar centenário de seu pai Dorival Caymmi (1914 - 2008), evocado na poética de músicas como Espuma, Manto real - canção que descreve o momento em que uma sereia emerge das águas banhadas pela imaginação do poeta - e Pesca de rede. Por mais que a belíssima Dentro d'água (outra joia que emerge no mar de canções de Dori) descreva 24 horas na vida da morena esculpida pela pena do poeta, Setenta anos é um disco mais para a noite, ou para o entardecer, do que para a luz do dia. "A luz do dia me alumbra / De inspirações infinitas / Mas vem de trás da penumbra / Minhas canções mais bonitas", reconhece o poeta em versos de Dia e noite. Mas Tela viva contraria tal sensação ao pintar com poesia as cores impressionistas de um alvorecer praieiro. Assim como as imagens das forças da natureza, a morena esculpida na mente romântica do cantador poeta também é recorrente no disco, aparecendo em versos como os de À toa e de Beira-rio, beira-estrada, beira-mar. Por estar focado nesse universo interiorano, reiterado na Toada do carro-de-boi, Setenta anos se impõe como um disco conceitual. Instrumento preciso, o violão de Dori se afia em Mestre, desafiador tema valente do poeta calejado nas rodas de capoeira. No todo, ao se embrenhar mais uma vez por seu mundo de dentro, Setenta anos - disco feito nos mesmos moldes do antecessor Poesia musicada (2011) - confirma o momento produtivo de Dori Caymmi. Parafraseando a letra de Trevo santo, é como se cada verso fosse uma andança por dentro do coração do cantador. Que - aos 70 anos - ainda bate forte por esse Brasil profundo.
Um comentário:
Há um Brasil mais profundo, entranhado em um universo interiorano e interiorizado. É esse Brasil - de rios, matas, ventos, luares e mares míticos - que Dori Caymmi adentra, através da poesia de Paulo César Pinheiro, em seu disco de inéditas Setenta anos, lançado pelo cantor, compositor, violonista e arranjador carioca neste mês de março de 2014. O título do CD alude ao 70º aniversário de Dori - festejado em 23 de agosto de 2013 - mas o álbum ora editado pela gravadora carioca Acari Records tem beleza atemporal. É um disco de voz, de violão - "amigo querido" há 55 anos, como o artista poetiza na dedicatória do CD gravado em julho de 2013 com produção e arranjos concretizados pelo próprio Dori - e de canções. São, mais precisamente, 13 músicas inéditas, todas compostas por Dori a partir de versos do compositor e poeta carioca Paulo César Pinheiro. Canções gravadas sem adornos e artefatos, desnudadas em sua "deslumbrante simplicidade", como caracteriza com precisão a cantora e compositora Joyce Moreno no texto que escreveu para apresentar Setenta anos. Do coeso repertório, Alguma voz salta logo aos ouvidos como uma das obras-prima sdo álbum. "Quando eu ouço alguma voz, / Na janela do horizonte, / De alguém cantando por nós / É Deus cantando defronte", afiança Dori com sua voz tão doce e ao mesmo tempo tão profunda, repleta de símbolos e significados. Tal como o mar centenário de seu pai Dorival Caymmi (1914 - 2008), evocado na poética de músicas como Espuma, Manto real - canção que descreve o momento em que uma sereia emerge das águas banhadas pela imaginação do poeta - e Pesca de rede. Por mais que a belíssima Dentro d'água (outra joia que emerge no mar de canções de Dori) descreva 24 horas na vida da morena esculpida pela pena do poeta, Setenta anos é um disco mais para a noite, ou para o entardecer, do que para a luz do dia. "A luz do dia me alumbra / De inspirações infinitas / Mas vem de trás da penumbra / Minhas canções mais bonitas", reconhece o poeta em versos de Dia e noite. Mas Tela viva contraria tal sensação ao pintar com poesia as cores impressionistas de um alvorecer praieiro. Assim como as imagens das forças da natureza, a morena esculpida na mente romântica do cantador poeta também é recorrente no disco, aparecendo em versos como os de À toa e de Beira-rio, beira-estrada, beira-mar. Por estar focado nesse universo interiorano, reiterado na Toada do carro-de-boi, Setenta anos se impõe como um disco conceitual. Instrumento preciso, o violão de Dori se afia em Mestre, desafiador tema valente do poeta calejado nas rodas de capoeira. No todo, ao se embrenhar mais uma vez por seu mundo de dentro, Setenta anos - disco feito nos mesmos moldes do antecessor Poesia musicada (2011) - confirma o momento produtivo de Dori Caymmi. Parafraseando a letra de Trevo santo, é como se cada verso fosse uma andança por dentro do coração do cantador. Que - aos 70 anos - ainda bate forte por esse Brasil profundo.
Postar um comentário