Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 30 de abril de 2014

Centenário, Caymmi vive na modernidade de cancioneiro belo e eterno

Dorival Caymmi (30 de abril de 1914 - 16 de agosto de 2008) fundou um mar ao compor um cancioneiro que dividiu e espalhou águas profundas na música brasileira. Cancioneiro que nunca envelhece. O compositor - vindo da mítica e sincrética Bahia de todos os santos e orixás - fica centenário a partir desta quarta-feira, 30 de abril de 2014, mas continua jovem o repertório que Caymmi moldou com a paciência de um ourives e a paz de um buda nagô. O mar aberto por Caymmi na música brasileira pré-Bossa Nova - da qual ele antecipou modernidades em obra que parece simples, mas tem construção requintada - é extenso, gerando ondas firmes como o cancioneiro do compositor baiano Roque Ferreira, único possível seguidor de certa face da obra de um compositor que permanece único e singular no momento em que o Brasil festeja (com injusta discrição) seu centenário de nascimento. É fato que as canções praieiras e os sambas buliçosos demarcaram dois estilos, criando um modo Caymmi de fazer música que identifica de imediato o compositor na música brasileira. Mas também é fato relevante que, já em 1932, Caymmi compôs seu primeiro samba-canção, Adeus, anunciando devoção ao gênero que seria explicitada a partir de sua vinda em 1938 para o Rio de Janeiro (RJ), cidade aonde conheceu o sucesso e obteve o merecido reconhecimento quando suas músicas ganharam vozes ilustres como a da cantora portuguesa (de criação brasileira) Carmen Miranda (1909 - 1955). Os três gêneros - os sambas, as marítimas e os sambas-canção - constituem a matéria-prima de seu cancioneiro. E o que é que Caymmi tem que seus sambas, canções praieiras e sambas-canção lhe dão o merecido status de gênio da música brasileira? Tem uma obra até pequena em quantidade - cerca de 120 músicas - mas imensurável em qualidade. Sem se inserir em nenhuma corrente da música brasileira, a música de Caymmi - nascida na segunda metade nos anos 20, com a composição de toada intitulada No sertão - se impôs por si só, escorada em sua originalidade. Tal obra parece simples como uma cantiga popular perpetuada pela tradição oral, mas prima pelo requinte e exala uma modernidade que já estava em intuitiva sintonia com as conquistas estilísticas da Bossa Nova, o que explica a imediata adesão do também baiano João Gilberto ao seus sambas e o p.s. Caymmi tem acha escrito por Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994) na contracapa do primeiro álbum de João (Chega de saudade, Odeon, 1959). Só que sofisticação, no caso de Caymmi, nunca foi sinônimo de rebuscamento. Seu cancioneiro ostenta a simplicidade refinada somente alcançada pelos gênios. Dentro desta obra atemporal, os temas praieiros são especialmente originais com suas imagens poéticas que descrevem todo o encanto do mar através de versos minimalistas e precisos. São nas canções praieiras que a voz grave de Caymmi - doce e profunda como o próprio mar - sobressai mais sedutora, carregada de aura de ancestralidade que parece envolver o compositor baiano em aura de divindade. São também nas inebriantes marinhas que o violão de Caymmi - aprendido na juventude de forma autodidata - se revela especialmente inventivo. Por outro lado, seus sambas buliçosos - urdidos e sacudidos com uma manemolência toda própria - são o retrato definitivo da velha Bahia, com suas pretas do acarajé, suas 365 igrejas e as musas como Adalgisa. As mulheres, aliás, são temas recorrentes na obra sensual de Dorival Caymmi. A morena Marina (1947), por exemplo, veio ao mundo em época machista em que o compositor privilegiava os sambas-canção, inebriado com a atmosfera enfumaça das boates cariocas. Mas Caymmi caiu no samba-canção sem dramaticidade ou sentimentalismo. O amor - ou a falta de - foi abordado com a costumeira elegância pelo mestre em músicas como Nem eu (1954) e Só louco (1955). Mais do que sempre moderno, contudo, Dorival Caymmi já se provou eterno.

4 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Dorival Caymmi (30 de abril de 1914 - 16 de agosto de 2008) fundou um mar ao compor um cancioneiro que dividiu e espalhou águas profundas na música brasileira. Cancioneiro que nunca envelhece. O compositor - vindo da mítica e sincrética Bahia de todos os santos e orixás - fica centenário a partir desta quarta-feira, 30 de abril de 2014, mas continua jovem o repertório que Caymmi moldou com a paciência de um ourives e a paz de um buda nagô. O mar aberto por Caymmi na música brasileira pré-Bossa Nova - da qual ele antecipou modernidades em obra que parece simples, mas tem construção requintada - é extenso, gerando ondas firmes como o cancioneiro do compositor baiano Roque Ferreira, único possível seguidor de certa face da obra de um compositor que permanece único e singular no momento em que o Brasil festeja (com injusta discrição) seu centenário de nascimento. É fato que as canções praieiras e os sambas buliçosos demarcaram dois estilos, criando um modo Caymmi de fazer música que identifica de imediato o compositor na música brasileira. Mas também é fato relevante que, já em 1932, Caymmi compôs seu primeiro samba-canção, Adeus, anunciando devoção ao gênero que seria explicitada a partir de sua vinda em 1938 para o Rio de Janeiro (RJ), cidade aonde conheceu o sucesso e obteve o merecido reconhecimento quando suas músicas ganharam vozes ilustres como a da cantora portuguesa (de criação brasileira) Carmen Miranda (1909 - 1955). Os três gêneros - os sambas, as marítimas e os sambas-canção - constituem a matéria-prima de seu cancioneiro. E o que é que Caymmi tem que seus sambas, canções praieiras e sambas-canção lhe dão o merecido status de gênio da música brasileira? Tem uma obra até pequena em quantidade - cerca de 120 músicas - mas imensurável em qualidade. Sem se inserir em nenhuma corrente da música brasileira, a música de Caymmi - nascida na segunda metade nos anos 20, com a composição de toada intitulada No sertão - se impôs por si só, escorada em sua originalidade. Tal obra parece simples como uma cantiga popular perpetuada pela tradição oral, mas prima pelo requinte e exala uma modernidade que já estava em intuitiva sintonia com as conquistas estilísticas da Bossa Nova, o que explica a imediata adesão do também baiano João Gilberto ao seus sambas e o p.s. Caymmi tem acha escrito por Antonio Carlos Jobim (1927 - 1994) na contracapa do primeiro álbum de João (Chega de saudade, Odeon, 1959). Só que sofisticação, no caso de Caymmi, nunca foi sinônimo de rebuscamento. Seu cancioneiro ostenta a simplicidade refinada somente alcançada pelos gênios. Dentro desta obra atemporal, os temas praieiros são especialmente originais com suas imagens poéticas que descrevem todo o encanto do mar através de versos minimalistas e precisos. São nas canções praieiras que a voz grave de Caymmi - doce e profunda como o próprio mar - sobressai mais sedutora, carregada de aura de ancestralidade que parece envolver o compositor baiano em aura de divindade. São também nas inebriantes marinhas que o violão de Caymmi - aprendido na juventude de forma autodidata - se revela especialmente inventivo. Por outro lado, seus sambas buliçosos - urdidos e sacudidos com uma manemolência toda própria - são o retrato definitivo da velha Bahia, com suas pretas do acarajé, suas 365 igrejas e as musas como Adalgisa. As mulheres, aliás, são temas recorrentes na obra sensual de Dorival Caymmi. A morena Marina (1947), por exemplo, veio ao mundo em época machista em que o compositor privilegiava os sambas-canção, inebriado com a atmosfera enfumaça das boates cariocas. Mas Caymmi caiu no samba-canção sem dramaticidade ou sentimentalismo. O amor - ou a falta de - foi abordado com a costumeira elegância pelo mestre em músicas como Nem eu (1954) e Só louco (1955). Mais do que sempre moderno, contudo, Dorival Caymmi já se provou eterno.

noca disse...

Belíssimo texto Mauro,parabéns a vc também!

Luca disse...

Caymmi é genial mas já foi tudo sobre ele, esse texto não acrescenta nada

Fernando Lima disse...

A música de Caymmi é perfeita em todos os sentidos. Ao ouvi-la fica a sensação de que composição é para poucos.