Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 16 de abril de 2014

Quinto disco de Daúde ecoa um código eletrônico já decifrado nos anos 1990

Resenha de álbum
Título: Código Daúde
Artista: Daúde
Gravadora: Lab 344
Cotação: * * * 1/2

 Se não incluísse arejada abordagem melodiosa de O vento (Rodrigo Amarante, 2005), uma das canções mais bonitas do repertório do ora desativado grupo carioca Los Hermanos, o álbum Código Daúde poderia ter sido lançado no fim dos anos 1990, na sequência de Daúde (Natasha Records, 1995) e # 2 (Natasha Records, 1997), os dois primeiros bons álbuns dessa fervida cantora baiana - radicada no Rio de Janeiro (RJ) desde a década de 1970 - que chegou a cobiçar o posto de diva da música brasileira pós-moderna, mas saiu progressivamente de cena ao longo dos anos 2000. Afinal, além de as outras onze músicas de Código Daúde terem sido lançadas entre 1930 e 1982, a atmosfera eletrônica do disco dá a senha de que Daúde volta ao mundo do disco - onze anos após o lançamento de Neguinha te amo (Real World, 2003) - com som já decifrado pela própria artista em seus hypados álbuns dos anos 1990. Nesse sentido, Código Daúde - quinto título da curta discografia da cantora, se contabilizado o CD de remixes Simbora, editado em 1999 - é extremamente fiel às leis feitas pela própria Daúde, resultando em bom disco. Primeiro pelo fato de Daúde saber garimpar repertório. Suas escolhas quase nunca são óbvias. Segundo porque, ao abordar uma música, a cantora sempre o faz de forma surpreendente, se desviando da gravação original. Joia rara do baú do cantor e compositor carioca Marcos Valle, Que bandeira (Marcos Valle, Paulo Sérgio Valle e Mariozinho Rocha, 1971) é exemplo da habilidade de Daúde de repaginar músicas pouco ou muito ouvidas. A faixa transborda suingue, marcado tanto pelos vocais elétricos da cantora quanto pelo timbre vintage do piano Fender Rhodes pilotado por Valle em gravação em que a bateria de Jam da Silva quebra tudo. Gravado sob a direção artística da própria Daúde, que criou arranjos e programações de todas as músicas, em produção dividida com o guitarrista Clauber Fabre, o disco por vezes se joga em pista modernosa. A recriação do mambo cubano Babalu (Margarita Lecuona, 1939) - sucesso no Brasil desde 1958 na voz de Ângela Maria - cai no suingue, banhado em apropriada latinidade, mas sem contagiar o ouvinte. Outro convidado do disco, Alceu Valença entra novamente no tom lascivo de seu sucesso Como dois animais (Alceu Valença, 1982) sem chegar a surpreender. Música originada de canção brasileira dos anos 1930, Mãe preta, Barco negro - fado luso-brasileiro que tem versos do poeta português David de Jesus Mourão (1927 - 1996), escritos sobre a melodia do compositor gaúcho Matheus Nunes (1919 - 1971), o Caco Velho - atravessa o Atlântico em tom épico na gravação mestiça de Daúde, passando por águas africanas e baianas. Além de emergir na onda que leva Barco negro, o berimbau tocado por Clauber Fabre também se faz ouvir na introdução de Cala a boca, menino (Dorival Caymmi, 1973), subversiva abordagem de tema esquecido do cancioneiro do centenário Dorival Caymmi (1914 - 2008). Hit da dupla Sá & Guarabyra que soa mais sedutor no disco do que nos shows feitos por Daúde desde 2013, Sobradinho (Luiz Carlos Sá e Guttemberg Guarabyra, 1977) é erguido no refrão com as vozes do coral infantil Musimundi. Mote da faixa, o violino de Nicolas Krassik delineia a influência moura absorvida pelo sertão nordestino. Turbinado pela efervescência do canto de Daúde, o samba-rock Segura esse samba, Ogunhê (Osvaldo Nunes, 1969) embute citação da Dança do bole bole (João Roberto Kelly, 1976) e deságua, com tom mais sereno, no irônico samba Falso amor sincero (1979), no qual o compositor carioca Nelson Sargento - convidado da faixa-medley - destila fina ironia sobre uniões afetivas. Eletrizante no dueto de Daúde com Sargento, o samba-rock seguraria sozinho a faixa, alongada em excesso com a colagem do segundo samba. E por falar em samba, um dos achados do repertório do Código Daúde é o samba Minhas razões, sucesso da dupla baiana Antonio Carlos & Jocáfi em 1972 que se revela sedutor com arranjo cheio de molho em que os vocais de Daúde são o tempero especial.  Na sequência, Eu não vou mais (Orlandivo e Durval Ferreira, 1966) anima o baile com o eletrônico suingue já vintage de Daúde enquanto a chanson J’ai deux amours (Georges Konyn, Henri Eugene Vantard e Vincent Batiste Scotto) - lançada em 1930 na voz da cantora de origem norte-americana (e nacionalidade francesa) Joséphine Baker - arremata o disco com o toque do violino de Nicolas Krassik e com serenidade sensual que ecoa Neguinha te amo, álbum anterior da artista. É mais uma senha para decifrar o código de álbum que, mesmo tendo lá bons momentos, somente reitera a personalidade de Daúde, apontando para o passado dos anos 1990. Era hora de virar o disco!

5 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Se não incluísse arejada abordagem melodiosa de O vento (Rodrigo Amarante, 2005), uma das canções mais bonitas do repertório do ora desativado grupo carioca Los Hermanos, o CD Código Daúde poderia ter sido lançado no fim dos anos 1990, na sequência de Daúde (Natasha Records, 1995) e # 2 (Natasha Records, 1997), os dois primeiros bons álbuns dessa fervida cantora baiana - radicada no Rio de Janeiro (RJ) desde a década de 1970 - que chegou a cobiçar o posto de diva da música brasileira pós-moderna, mas saiu progressivamente de cena ao longo dos anos 2000. Afinal, além de as outras onze músicas de Código Daúde terem sido lançadas entre 1930 e 1982, a atmosfera eletrônica do disco dá a senha de que Daúde volta ao mundo do disco - onze anos após o lançamento de Neguinha te amo (Real World, 2003) - com som já decifrado pela própria artista em seus hypados álbuns dos anos 1990. Nesse sentido, Código Daúde - quinto título da curta discografia da cantora, se contabilizado o CD de remixes Simbora, editado em 1999 - é extremamente fiel às leis feitas pela própria Daúde, resultando em bom disco. Primeiro pelo fato de Daúde saber garimpar repertório. Suas escolhas quase nunca são óbvias. Segundo porque, ao abordar uma música, a cantora sempre o faz de forma surpreendente, se desviando da gravação original. Joia rara do baú do cantor e compositor carioca Marcos Valle, Que bandeira (Marcos Valle, Paulo Sérgio Valle e Mariozinho Rocha, 1971) é exemplo da habilidade de Daúde de repaginar músicas pouco ou muito ouvidas. A faixa transborda suingue, marcado tanto pelos vocais elétricos da cantora quanto pelo timbre vintage do piano Fender Rhodes pilotado por Valle em gravação em que a bateria de Jam da Silva quebra tudo. Gravado sob a direção artística da própria Daúde, que criou arranjos e programações de todas as músicas, em produção dividida com o guitarrista Clauber Fabre, o disco por vezes se joga em pista modernosa. A recriação do mambo cubano Babalu (Margarita Lecuona, 1939) - sucesso no Brasil desde 1958 na voz de Ângela Maria - cai no suingue, banhado em apropriada latinidade, mas sem contagiar o ouvinte. Outro convidado do disco, Alceu Valença entra novamente no tom lascivo de seu sucesso Como dois animais (Alceu Valença, 1982) sem chegar a surpreender.

Mauro Ferreira disse...

Música originada de canção brasileira dos anos 1930, Mãe preta, Barco negro - fado luso-brasileiro que tem versos do poeta português David de Jesus Mourão (1927 - 1996), escritos sobre a melodia do compositor gaúcho Matheus Nunes (1919 - 1971), o Caco Velho - atravessa o Atlântico em tom épico na gravação mestiça de Daúde, passando por águas africanas e baianas. Além de emergir na onda que leva Barco negro, o berimbau tocado por Clauber Fabre também se faz ouvir na introdução de Cala a boca, menino (Dorival Caymmi, 1973), subversiva abordagem de tema esquecido do cancioneiro do centenário Dorival Caymmi (1914 - 2008). Hit da dupla Sá & Guarabyra que soa mais sedutor no disco do que nos shows feitos por Daúde desde 2013, Sobradinho (Luiz Carlos Sá e Guttemberg Guarabyra, 1977) é erguido no refrão com as vozes do coral infantil Musimundi. Mote da faixa, o violino de Nicolas Krassik delineia a influência moura absorvida pelo sertão nordestino. Turbinado pela efervescência do canto de Daúde, o samba-rock Segura esse samba, Ogunhê (Osvaldo Nunes, 1969) embute citação da Dança do bole bole (João Roberto Kelly, 1976) e deságua, com tom mais sereno, no irônico samba Falso amor sincero (1979), no qual o compositor carioca Nelson Sargento - convidado da faixa-medley - destila fina ironia sobre uniões afetivas. Eletrizante no dueto de Daúde com Sargento, o samba-rock seguraria sozinho a faixa, alongada em excesso com a colagem do segundo samba. E por falar em samba, um dos achados do repertório do Código Daúde é o samba Minhas razões, sucesso da dupla baiana Antonio Carlos & Jocáfi em 1972 que se revela sedutor com arranjo cheio de molho em que os vocais de Daúde são o tempero especial. Na sequência, Eu não vou mais (Orlandivo e Durval Ferreira, 1966) anima o baile com o eletrônico suingue já vintage de Daúde enquanto a chanson J’ai deux amours (Georges Konyn, Henri Eugene Vantard e Vincent Batiste Scotto) - lançada em 1930 na voz da cantora de origem norte-americana (e nacionalidade francesa) Joséphine Baker - arremata o disco com o toque do violino de Nicolas Krassik e com serenidade sensual que ecoa Neguinha te amo, álbum anterior de Daúde. É mais uma senha para decifrar o código de um disco que traduz e reitera a personalidade de Daúde.

Fabio disse...

Ouço Código Daúde sem parar desde terça - feira. O disco é bom do começo ao fim. Espero que ela não demore mais de 10 anos para lançar outro. Sempre curti Daúde e acho o som dela próprio, além da voz que chama a atenção.

Eduardo Cáffaro disse...

adoro ....esse ai ja esta nas lojas de SP ?

Unknown disse...

Nossa, tô viciado nesse cd, sobretudo na versão de O vento, dos Los Hermanos, ficou muito boa. Concordo totalmente com a crítica do Mauro, não gostei da versão de Babalu também (no show ficou ótima!), mas o cômpito geral é positivaço. O show de lançamento foi lindo! Destaque para a versão que ela fez de Neguinha te amo, a música cresceu demais ao vivo.