Lançado nesta última semana de maio de 2014, pela gravadora Sony Music, o 37º álbum do cantor e compositor cearense Raimundo Fagner, Pássaros urbanos, expõe na capa ilustração do compositor e poeta cearense Fausto Nilo, parceiro de seu conterrâneo nas inéditas canções Balada fingida e Versos ardentes. Embora predominantemente inédito, o repertório do disco - produzido por Michael Sullivan - inclui regravações de Doce viola (Jaime Alem, 2009), No Ceará é assim (Carlos Barroso, 1942) e Paralelas (Belchior, 1976). A convite de Fagner, o editor de Notas Musicais assina o texto de apresentação do álbum. Eis o release de Pássaros Urbanos:
O voo de Fagner por amores e cidades que nunca terminam
Cantor lança seu 37º
álbum, Pássaros urbanos, produzido por Michael Sullivan
“Você sabe de onde eu
vim”. É expressivo que esse seja o primeiro verso ouvido por quem começar a
audição do 37º álbum de Fagner, Pássaros urbanos, pela primeira de
suas onze músicas. Sim, o vasto e fiel público do artista sabe de onde veio o
cantor, compositor e músico cearense Raimundo Fagner Cândido Lopes. E vai
reconhecê-lo de imediato neste primeiro disco de Fagner em cinco anos.
Produzido por Michael Sullivan e lançado pela Sony Music, gravadora que guarda
em seu acervo a maior parte da discografia do artista, o CD Pássaros
urbanos sintetiza quatro décadas de uma das carreiras mais
bem-sucedidas da história da música brasileira.
O disco versa sobre amores urbanos com sons contemporâneos
em série de canções candidatas a se tornar mais um hit deste artista projetado
nacionalmente em 1972 quando ninguém menos do que Elis Regina (1945 – 1982)
avalizou o então iniciante compositor ao gravar Mucuripe, parceria de Fagner com seu conterrâneo Belchior, que
reaparece em Pássaros urbanos com a regravação de sua canção Paralelas (1975). Pegando o fio da
meada, Paralelas costura o linho
urbano de um disco que também dirige olhar afetivo para o sertão e para toda a Nação Nordestina sem sair de seu tom
cosmopolita. Link coerente com a
trajetória musical de um artista que, desde o início, se destacou por
reprocessar os sons do Nordeste com uma linguagem pop universal que nunca
escondeu influências dos Beatles e da Jovem Guarda.
Disco de tom predominantemente romântico, Pássaros
urbanos alinha oito músicas inéditas e três regravações em repertório
que vem sendo alinhavado por Fagner desde 2011. Uma das inéditas, Arranha-céu, já é do conhecimento do
público, pois deu o pontapé inicial na promoção do álbum em abril. Arranha-céu é parceria do produtor do disco,
Michael Sullivan, com o poeta cearense Fausto Nilo. Para quem não liga o nome à
música, Sullivan é o autor da melodia de Deslizes
(1988), um dos maiores hits da carreira de Fagner. O refrão pegajoso de Arranha-céu reitera que Sullivan conhece
os caminhos que levam uma canção ao gosto popular.
Já Fausto Nilo é o amigo e conterrâneo que vem construindo
com Fagner uma das parcerias mais sólidas da MPB. Nome recorrente nos créditos
das músicas dos álbuns de Fagner desde o segundo álbum do cantor, Ave noturna (1975), Nilo alça voos
poéticos em Pássaros urbanos. São dele os versos de quatro das oito
inéditas do disco. Além de assinar Arranha-céu
com Sullivan, Nilo é o autor dos versos da balada que dá título ao álbum - Pássaros
urbanos, canção cuja melodia é de Cristiano Pinho, violonista e
guitarrista que vem integrando a banda de Fagner nos últimos anos – e é o
parceiro de Fagner em duas canções, Versos
ardentes e Balada fingida, ambas com
cacife para se tornar clássicos instantâneos da dupla.
Com melodia cativante construída por Fagner em total
sintonia com os versos de Nilo, Balada
fingida derrama poesia ao falar do fim de um amor. “A cidade não termina”, conclui o poeta no verso que encerra a
canção. E que também fecha esse disco que entra na ciranda das paixões urbanas,
embora Versos ardentes tenha um clima
rural, quase sertanejo, pontuado pela gaita de Stanley Netto, instrumento que sobressai
no arranjo urdido pelos músicos do grupo carioca Yahoo (o produtor Michael
Sullivan assina os arranjos de oito das onze músicas, dividindo a função com
Junior Amaral e Maurício Barbosa).
Pássaros urbanos abre bela janela para o Brasil rural em Doce viola, obra-prima do cancioneiro autoral
do violonista e maestro Jaime Alem. Embora a música já seja conhecida pelo
séquito de fãs da cantora Maria Bethânia, que a cantou em disco e show de 2009,
Doce viola vai soar inédita para o
imenso público de Fagner. A viola tocada por Jaime Alem na faixa ajudar a criar
o clima ideal desse tema que arrasta o coração nordestino de Fagner para o
sertão.
Em terra urbana, a canção que abre o disco – Se o amor vier, a do verso inicial “Você sabe de onde eu vim” – reconecta
Fagner a um dos compositores mais relevantes de sua obra fonográfica, Clodo
Ferreira, nome bastante presente na discografia do artista nos anos 1970 (ele é
coautor de Revelação, grande sucesso
de Fagner em 1978). Parceria de Fagner com Clodo, Se o amor vier explicita – no toque do violão de nylon tocado pelo
próprio Fagner - o tom contemporâneo do CD, reiterado por Tanto faz, balada forrada com teclados e assinada por Michael
Sullivan com Anayle Lima.
A propósito: a já citada Paralelas
é uma regravação que faz todo o sentido no disco por ser uma das mais perfeitas
traduções das urgências urbanas. A música molda retrato poético do homem
cosmopolita, imprensado entre o amor e as conquistas materiais, a 100 por hora
– o que dá sentido também ao fato de Fagner ter dado voz à bela canção em um
andamento ligeiramente mais acelerado do que as gravações anteriores do standard de Belchior.
De volta à safra de inéditas, duas músicas de Pássaros
urbanos são parcerias de Fagner com o cantor e compositor maranhense
Zeca Baleiro – artista com o qual Fagner uniu vozes e músicas em álbum lançado
em dupla, em 2003, que se tornou um dos mais cultuados das discografias de
ambos os artistas. Uma das duas novas músicas da dupla, Toda luz tem arranjo pulsante que dialoga de forma inteligente com
o universo da canção sentimental de tonalidade mais popular. A música poderia
ser gravada pelo cantor pernambucano Reginaldo Rossi (1941 – 2013). E isso é um
elogio.
Com Baleiro, Fagner assina e canta o Samba nordestino. A letra é uma espécie de Festa de arromba da Nação Nordestina, enfileirando nos versos
ícones musicais dessa nação musical – Dominguinhos, Fausto Nilo, Gordurinha,
Jackson do Pandeiro, Lauro Maia, Luiz Gonzaga, Oswaldinho do Acordeom e
Severino Araújo – para propagar o suingue nordestino do samba feito com
pandeiro e zabumba. E o sentido de samba aqui é mais abrangente, pois, no
Nordeste, samba também sempre foi sinônimo de festa popular.
E, como a música desconhece fronteiras, tudo parece fazer
novamente todo o sentido quando Fagner regrava No Ceará é assim (Carlos Barroso) – sucesso lançado em 1942 pelo
grupo carioca Quatro Azes e um Coringa – em clima de gafieira, com um arranjo
de samba pop orquestrado pelo maestro Lincoln Olivetti que faz sobressair os
metais. Raimundo Fagner Cândido Lopes pode se dar a esse luxo porque, mesmo
dando voz a canções de tom universal como muitas ouvidas em Pássaros
urbanos, ele tem orgulho de sua origem. E você sabe muito bem de onde
ele veio. E, se por ventura não sabe, vai saber ao ouvir este disco sobre
amores e cidades que nunca terminam.
Mauro Ferreira, maio
de 2014