Mauro Ferreira no G1

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domingo, 4 de maio de 2014

Arranjos valorizam álbum em que Tárcio gravita 'cool' em torno da bossa

Resenha de CD
Título: Escuta
Artista: Tárcio
Gravadora: Marrom Music / Biscoito Fino
Cotação: * * *

Três músicos e maestros que fazem arranjos com a mesma grandeza com que tocam seus instrumentos - o pianista Luiz Avellar e os violonistas Hélio Delmiro e Durval Ferreira - orquestram com requinte o mergulho macio de Tárcio Cardo nas águas derivadas da Bossa Nova, jogadas sobre repertório que abarca também modernidades do pop contemporâneo. Dezessete anos após o seminal disco Tárcio (1997) e onze após o CD Congraçamento (2003), o cantor e compositor de origem baiana - mas de vivências por cidades como Rio de Janeiro (RJ) e Nova York (EUA) - volta ao mercado fonográfico com o aval de Alcione, que edita o terceiro álbum de Tárcio, Escuta, por seu selo Marrom Music (ora vinculado à gravadora Biscoito Fino). O cantor é bom, mas o disco carece de conceito mais sólido. Se Velho arvoredo (Hélio Delmiro e Paulo César Pinheiro, 1976) está enraizado em atmosfera clássica, sustentada pelo violão magistral de Delmiro (único instrumento da faixa), A noite do meu bem (Dolores Duran, 1959) roda na sequência com arranjo contemporâneo orquestrado pelo mesmo Hélio Delmiro. O álbum se desloca no tempo e no espaço sem um fio que o costure com firmeza, embora em resumo Escuta orbite cool em torno do universo da bossa nova, evocada no suingue habitual de A rã (João Donato e Caetano Veloso, 1974), no canto à moda de João Gilberto que realça o dengo da canção jovem-guardista Gatinha manhosa (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1966), no tom solar do Samba de verão (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1964) - ao qual Tárcio nada acrescenta, evidenciando certa falta de personalidade do cantor na abordagem de músicas já exaustivamente gravadas- e no aconchego de Escuta (Johnny Alf, 1961). No confronto com tantos clássicos da música brasileira, inéditas canções autorais (razoáveis) como a apaixonada balada Calendário (Tárcio e Tarci), From Bahia (Tárcio e Tarci) - tema que imprime a leveza da Bossa Nova no cenário caloroso de Salvador (BA) - e Imagens (Tárcio, Tarci e Gerson Motta) correm o risco de passar despercebidas, assim como a balada Jolie (Tárcio, Artur Eliachar e Zooga Malaga), incrementada com o toque do saxofone do jazzista norte-americano Ernie Watts. Embora cantado com suavidade requintada, o samba-canção Molambo (Jayme Florence e Augusto Mesquita, 1956) tem letra que pesa um disco calcado na leveza. Até a Dora (1945) de Dorival Caymmi (1914 - 2008) passa meio deslocada por Escuta, ainda que com arranjo majestoso em que sobressai a guitarra de Ricardo Silveira. Embora jamais deixe de soar refinado, o disco reflete indecisão, como se o artista quisesse caminhar para frente, mas sem ter coragem de tirar o olho do retrovisor e se descolar do passado glorioso da música brasileira.

Um comentário:

Mauro Ferreira disse...

Três músicos e maestros que fazem arranjos com a mesma grandeza com que tocam seus instrumentos - o pianista Luiz Avellar e os violonistas Hélio Delmiro e Durval Ferreira - orquestram com requinte o mergulho macio de Tárcio Cardo nas águas derivadas da Bossa Nova, jogadas sobre repertório que abarca também modernidades do pop contemporâneo. Dezessete anos após o seminal disco Tárcio (1997) e onze após o CD Congraçamento (2003), o cantor e compositor de origem baiana - mas de vivências por cidades como Rio de Janeiro (RJ) e Nova York (EUA) - volta ao mercado fonográfico com o aval de Alcione, que edita o terceiro álbum de Tárcio, Escuta, por seu selo Marrom Music (ora vinculado à gravadora Biscoito Fino). O cantor é bom, mas o disco carece de conceito mais sólido. Se Velho arvoredo (Hélio Delmiro e Paulo César Pinheiro, 1976) está enraizado em atmosfera clássica, sustentada pelo violão magistral de Delmiro (único instrumento da faixa), A noite do meu bem (Dolores Duran, 1959) roda na sequência com arranjo contemporâneo orquestrado pelo mesmo Hélio Delmiro. O álbum se desloca no tempo e no espaço sem um fio que o costure com firmeza, embora em resumo Escuta orbite em torno do universo da bossa nova, evocada no suingue habitual de A rã (João Donato e Caetano Veloso, 1974), no canto à moda de João Gilberto que realça o dengo da canção jovem-guardista Gatinha manhosa (Roberto Carlos e Erasmo Carlos, 1966), no tom solar do Samba de verão (Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle, 1964) - ao qual Tárcio nada acrescenta, evidenciando certa falta de personalidade do cantor na abordagem de músicas já exaustivamente gravadas- e no aconchego de Escuta (Johnny Alf, 1961). No confronto com tantos clássicos da música brasileira, inéditas canções autorais (razoáveis) como a apaixonada balada Calendário (Tárcio e Tarci), From Bahia (Tárcio e Tarci) - tema que imprime a leveza da Bossa Nova no cenário caloroso de Salvador (BA) - e Imagens (Tárcio, Tarci e Gerson Motta) correm o risco de passar despercebidas, assim como a balada Jolie (Tárcio, Artur Eliachar e Zooga Malaga), incrementada com o toque do saxofone do jazzista norte-americano Ernie Watts. Embora cantado com suavidade requintada, o samba-canção Molambo (Jayme Florence e Augusto Mesquita, 1956) tem letra que pesa um disco calcado na leveza. Até a Dora (1945) de Dorival Caymmi (1914 - 2008) passa meio deslocada por Escuta, ainda que com arranjo majestoso em que sobressai a guitarra de Ricardo Silveira. Embora jamais deixe de soar refinado, o disco reflete indecisão, como se o artista quisesse caminhar para frente, mas sem ter coragem de tirar o olho do retrovisor e se descolar do passado glorioso da música brasileira.