Mauro Ferreira no G1

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quarta-feira, 21 de maio de 2014

Discobiografia perfila (e exalta) Zeca ao descortinar bastidores de álbuns

Resenha de livro
Título: Zeca - Deixa o samba me levar
Autores Jane Barboza e Leonardo Bruno
Editora: Sonora Editora
Cotação: * * * 1/2

Em 2008, quando gravava seu 19º álbum, Uma prova de amor (2008), Zeca Pagodinho se encantou com samba recém-finalizado por Monarco com Mauro Diniz. Zeca gostou tanto de Não há mais jeito que pôs o samba no disco, no lugar de outra música da dupla de compositores cariocas, Dolores e suas desilusões. Só que Zeca se recusou a abrir mão desse outro samba - até então garantido no repertório do CD - e pediu que os autores segurassem Dolores e suas desilusões para ele, afiançando que ainda iria gravá-la. Promessa que cumpriu ao entrar em estúdio para fazer seu (por ora...) último álbum de estúdio, Vida da minha vida (2010). Contada pelos jornalistas Jane Barboza e Leonardo Bruno no livro Zeca - Deixa o samba me levar, lançado pela Sonora Editora neste mês de maio de 2014, essa história de bastidor exemplifica a relação de cumplicidade e confiança mantida por Zeca Pagodinho com os compositores recorrentes nas fichas técnicas de seus álbuns. Embora contenha dados biográficos do cantor e compositor carioca, o livro é - a rigor - discobiografia de Zeca, escrita nos moldes do projeto multimídia Sambabook, da Musickeria. Vendido de forma avulsa nas livrarias, Zeca - Deixa o samba me levar traça o perfil bonachão do artista em narrativa que exalta Pagodinho. Não deixa de ser um livro chapa branca - até pelo fato de sua coautora Jane Barboza ser assessora de imprensa de Zeca há 12 anos - mas cumpre a função de historiar a trajetória musical do sambista através da exposição, em ordem cronológica, dos 22 álbuns do artista (o 23º está previsto para ser lançado no segundo semestre deste ano de 2014). Mais do que analisar os repertórios de cada disco (como fez primorosamente o jornalista Hugo Sukman na discobiografia de Martinho da Vila, editada em 2013), os autores descortinam os bastidores da produção de cada disco com o relato de causos que ajudam a entender o modus operandi no sambista na confecção de um álbum. Os elogios recorrentes ao caráter do artista são críveis porque, como os autores reiteram de forma até repetitiva ao longo das 272 páginas do livro, Zeca Pagodinho é mesmo uma unanimidade nacional, sendo louvado pela simplicidade com que leva sua vida - e deixa a vida e o samba levá-lo - e pelo desapego ao sucesso. Êxito que veio de forma retumbante com a edição do primeiro álbum do artista, Zeca Pagodinho, lançado pela extinta gravadora RGE em 1986 no rastro da boa repercussão obtida pelo sambista com sua participação no disco coletivo Raça brasileira (RGE, 1985), produzido para testar o potencial comercial de nomes emergentes nos quintais cariocas como a partideira Jovelina Pérola Negra (1944 - 1998) e o próprio Zeca, revelado para o Brasil em 1983 quando Beth Carvalho o convidou para gravar com ela o samba Camarão que dorme a onda leva (Arlindo Cruz, Beto Sem Braço e Zeca Pagodinho) com direito à aparição em clipe exibido no dominical programa Fantástico, da TV Globo (o prefácio de Beth, aliás, é raso, além de curto). Mas nem tudo foram flores na caminhada fonográfica do sambista. Como o segundo álbum Patota de Cosme (1987) não bisou o sucesso comercial do primeiro, que roçou a casa do milhão de cópias no embalo da euforia consumista provocada pelo êxito inicial do Plano Cruzado, a RGE nunca brigou pelo passe de Zeca, que migrou em 1988 para a BMG-Ariola. Tal transferência seria prejudicial para ambos. Tratado como artista de segundo time na BMG, Zeca amargou período de baixa visibilidade nessa gravadora, lançando entre 1988 e 1993 discos que, embora apresentassem repertório condizente com o alto padrão artístico do sambista, obtiveram repercussão progressivamente reduzida (em parte porque, na primeira metade dos anos 1990, o pagode paulista de grupos como Raça Negra e Só pra Contrariar dominaram as paradas, o que teve efeito negativo na carreira de todos os sambistas egressos dos nobres quintais cariocas e até de medalhões como Martinho da Vila). A virada de Zeca - como contam os autores - foi semeada quando ele pegou o telefone e ligou para o empresário Nei Barbosa, se oferecendo para trabalhar sob as regras de Barbosa. O empresário conseguiu um contrato de Zeca com a gravadora então denominada PolyGram. Nessa companhia, sob a produção de Rildo Hora e com o aval financeiro do executivo Max Pierre (incensado em demasia no livro), Zeca recuperou o sucesso, a visibilidade e as vendas já no primeiro álbum que lançou na nova casa, o revigorante Samba pras moças (1995). De lá para cá, Pagodinho nunca mais saiu do tom e da gravadora (que passou a se chamar Universal Music em 1999). Só que, independente do seu grau de sucesso, o artista se conservou o mesmo. O que fez com que o violonista Raphael Rabello (1962 - 1995) aceitasse tocar de graça em faixa do álbum Pixote (BMG-Ariola, 1991) pelo simples prazer de figurar em disco de Zeca - como contam Jane Barboza e Leonardo Bruno entre histórias saborosas como a do roadie Chico, criado em família evangélica e muso inspirador do samba Chico não vai na curimba, parceria do sambista com Dudu Nobre, lançada no álbum Zeca Pagodinho (1998). Afinada com a linguagem popular do artista, a narrativa de Zeca - Deixa o samba me levar flui como um samba de Pagodinho.

2 comentários:

Mauro Ferreira disse...

Em 2008, quando gravava seu 19º álbum, Uma prova de amor (2008), Zeca Pagodinho se encantou com samba recém-finalizado por Monarco com Mauro Diniz. Zeca gostou tanto de Não há mais jeito que pôs o samba no disco, no lugar de outra música da dupla de compositores cariocas, Dolores e suas desilusões. Só que Zeca se recusou a abrir mão desse outro samba - até então garantido no repertório do CD - e pediu que os autores segurassem Dolores e suas desilusões para ele, afiançando que ainda iria gravá-la. Promessa que cumpriu ao entrar em estúdio para fazer seu (por ora...) último álbum de estúdio, Vida da minha vida (2010). Contada pelos jornalistas Jane Barboza e Leonardo Bruno no livro Zeca - Deixa o samba me levar, lançado pela Sonora Editora neste mês de maio de 2014, essa história de bastidor exemplifica a relação de cumplicidade e confiança mantida por Zeca Pagodinho com os compositores recorrentes nas fichas técnicas de seus álbuns. Embora contenha dados biográficos do cantor e compositor carioca, o livro é - a rigor - discobiografia de Zeca, escrita nos moldes do projeto multimídia Sambabook, da Musickeria. Vendido de forma avulsa nas livrarias, Zeca - Deixa o samba me levar traça o perfil bonachão do artista em narrativa que exalta Pagodinho. Não deixa de ser um livro chapa branca - até pelo fato de sua coautora Jane Barboza ser assessora de imprensa de Zeca há 12 anos - mas cumpre a função de historiar a trajetória musical do sambista através da exposição, em ordem cronológica, dos 22 álbuns do artista (o 23º está previsto para ser lançado no segundo semestre deste ano de 2014). Mais do que analisar os repertórios de cada disco (como fez primorosamente o jornalista Hugo Sukman na discobiografia de Martinho da Vila, editada em 2013), os autores descortinam os bastidores da produção de cada disco com o relato de causos que ajudam a entender o modus operandi no sambista na confecção de um álbum. Os elogios recorrentes ao caráter do artista são críveis porque, como os autores reiteram de forma até repetitiva ao longo das 272 páginas do livro, Zeca Pagodinho é mesmo uma unanimidade nacional, sendo louvado pela simplicidade com que leva sua vida - e deixa a vida e o samba levá-lo - e pelo desapego ao sucesso. Êxito que veio de forma retumbante com a edição do primeiro álbum do artista, Zeca Pagodinho, lançado pela extinta gravadora RGE em 1986 no rastro da boa repercussão obtida pelo sambista com sua participação no disco coletivo Raça brasileira (RGE, 1985), produzido para testar o potencial comercial de nomes emergentes nos quintais cariocas como a partideira Jovelina Pérola Negra (1944 - 1998) e o próprio Zeca, revelado para o Brasil em 1983 quando Beth Carvalho o convidou para gravar com ela o samba Camarão que dorme a onda leva (Arlindo Cruz, Beto Sem Braço e Zeca Pagodinho) com direito à aparição em clipe exibido no dominical programa Fantástico, da TV Globo (o prefácio de Beth, aliás, é raso, além de curto).

Mauro Ferreira disse...

Mas nem tudo foram flores na caminhada fonográfica do sambista. Como o segundo álbum Patota de Cosme (1987) não bisou o sucesso comercial do primeiro, que roçou a casa do milhão de cópias no embalo da euforia consumista provocada pelo êxito inicial do Plano Cruzado, a RGE nunca brigou pelo passe de Zeca, que migrou em 1988 para a BMG-Ariola. Tal transferência seria prejudicial para ambos. Tratado como artista de segundo time na BMG, Zeca amargou período de baixa visibilidade nessa gravadora, lançando entre 1988 e 1993 discos que, embora apresentassem repertório condizente com o alto padrão artístico do sambista, obtiveram repercussão progressivamente reduzida (em parte porque, na primeira metade dos anos 1990, o pagode paulista de grupos como Raça Negra e Só pra Contrariar dominaram as paradas, o que teve efeito negativo na carreira de todos os sambistas egressos dos nobres quintais cariocas e até de medalhões como Martinho da Vila). A virada de Zeca - como contam os autores - foi semeada quando ele pegou o telefone e ligou para o empresário Nei Barbosa, se oferecendo para trabalhar sob as regras de Barbosa. O empresário conseguiu um contrato de Zeca com a gravadora então denominada PolyGram. Nessa companhia, sob a produção de Rildo Hora e com o aval financeiro do executivo Max Pierre (incensado em demasia no livro), Zeca recuperou o sucesso, a visibilidade e as vendas já no primeiro álbum que lançou na nova casa, o revigorante Samba pras moças (1995). De lá para cá, Pagodinho nunca mais saiu do tom e da gravadora (que passou a se chamar Universal Music em 1999). Só que, independente do seu grau de sucesso, o artista se conservou o mesmo. O que fez com que o violonista Raphael Rabello (1962 - 1995) aceitasse tocar de graça em faixa do álbum Pixote (BMG-Ariola, 1991) pelo simples prazer de figurar em disco de Zeca - como contam Jane Barboza e Leonardo Bruno entre histórias saborosas como a do roadie Chico, criado em família evangélica e muso inspirador do samba Chico não vai na curimba, parceria do sambista com Dudu Nobre, lançada no álbum Zeca Pagodinho (1998). Afinada com a linguagem popular do artista, a narrativa de Zeca - Deixa o samba me levar flui como um samba de Pagodinho.