Resenha de show
Título: Elza Soares canta Lupicínio Rodrigues
Artista: Elza Soares (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Teatro Rival (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 2 de maio de 2014
Cotação: * * *
♪ O compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (16 de setembro de 1914 - 26 de agosto de 1974) sempre rimou amor com dor em seu cancioneiro embebido em amargura e ressentimento. Cronista dos amores dissolvidos por abandono ou traição, o compositor viveu seu apogeu nos anos 1940 e 1950, na era do samba-canção. Relegado ao esquecimento na década seguinte, Lupicínio foi revalorizado por ícones da Bossa Nova e da MPB - João Gilberto, Caetano Veloso e Gal Costa, mais precisamente - na primeira metade dos anos 1970. Contudo, na bolsa de valores de Elza Soares, Lupicínio sempre esteve em alta cotação. Foi com a (re)gravação de um samba do compositor - Se acaso você chegasse (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins, 1938), lançado na voz sincopada do cantor carioca Cyro Monteiro (1913-1973) - que a cantora carioca teve alavancada sua carreira fonográfica em fins de 1959. Decorridos 55 anos, a mulata mostrou que ainda é a tal ao dar voz a Se acaso você chegasse com scats e o suingue costumeiro no show Elza Soares canta Lupicínio Rodrigues, cuja cenografia inclui rosas vermelhas espalhadas pelo palco, em alusão às flores que Lupicínio ofertou à então arisca cantora quando Se acaso você chegasse estourou na voz de Elza. Artista de trajetória sofrida, Elza toma para si as dores de Lupicínio no show feito sob a direção musical do saxofonista Eduardo Neves. Fecho do (bom) show idealizado para festejar o centenário de nascimento do compositor, a releitura de Nervos de aço (Lupicínio Rodrigues, 1947) - com andamentos alternados que diluem as mágoas desse samba em coquetel rítmico que mistura temperos de gafieira, jazz e salsa - é bom exemplo da opção de Elza de interpretar Lupicínio à sua moda, com suas liberdades estilísticas. Tenha nascido em 1930 (como afirma o pesquisador musical Rodrigo Faour em biografia da cantora editada em 2012 na coleção Folha Grandes Vozes) ou em 1937 (como alega a artista), Elza Soares é uma força da natureza. A voz rouca, de suingue ímpar, resiste esplendidamente ao tempo, como atesta a interpretação a capella de Exemplo (Lupicínio Rodrigues, 1960) alocada no início do show que estreou no Teatro Rival, no Rio de Janeiro (RJ), em 2 de maio de 2014. Aberto com fala em off do próprio Lupicínio Rodrigues, o roteiro enfatiza a assinatura única do compositor ao enfileirar temas como o samba-canção como Nunca (Lupicínio Rodrigues, 1952) e Loucura (Lupicínio Rodrigues, 1973), música que tem toda sua letra lida pela cantora em cena. Pena que, na segunda metade, a desnecessária participação do percussionista Marcos Suzano na estreia tenha levado a cantora a tirar o foco de Lupicínio em set de sambas alheios - como Cadê o pandeiro? (Roberto Martins e Walfrido Silva, 1937) e Fechei a porta (Sebastião Motta e Ferreira Santos, 1960) - que culminou com o Rap da felicidade (Juninho Rasta e Kátia, 1995), hit da dupla de funk Cidinho & Doca. Dentro do conceito do show, guiada pela direção musical de Eduardo Neves, Elza cai num suingue que repagina músicas como Ela disse-me assim (Lupicínio Rodrigues, 1959) - emoldurada em arranjo que evoca a era do swing - e Quem há de dizer (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1944), número em que o jazz vem do toque dos teclados de Danilo Andrade. Mas a cantora, polivalente, também sabe fazer a dor de Lupicínio calar fundo quando enche Cadeira vazia (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1949) de sentimento e quando rumina o rancor embutido em Vingança (Lupicínio Rodrigues, 1951) sem pecar pelo excesso e com direito a um caco pessoal nos versos "... / E a vergonha / É a herança maior que o Avelino (nome do pai da cantora) me deixou". Se Caixa de ódio (Lupicínio Rodrigues, 1969) é reaberta em clima de choro, o samba Eu não sou louco (Lupicínio Rodrigues e Evaldo Rui) - lançado em disco de 1950 pela cantora paulista Isaura Garcia (1919 - 1993), mas esquecido há décadas - é veículo para interpretação performática que rende aplausos de pé. "Eu não sou louca!!!...", repetiu Elza, retorcida na cadeira, quase aos gritos, como se estivesse cuspindo e atirando na cara de seus detratores o verso-síntese do samba que se impôs como o ponto alto do show, inclusive por tirar uma joia rara do baú de Lupicínio. No bis, Felicidade (Lupicínio Rodrigues, 1947) adquire densidade no canto maturado de Elza e citações do tema folclórico gaúcho Prenda minha pela flauta de Eduardo Neves. As dores de Lupicínio Rodrigues são - também! - as dores de Elza Soares.
O compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (16 de setembro de 1914 - 26 de agosto de 1974) sempre rimou amor com dor em seu cancioneiro embebido em amargura e ressentimento. Cronista dos amores dissolvidos por abandono ou traição, o compositor viveu seu apogeu nos anos 1940 e 1950, na era do samba-canção. Relegado ao esquecimento na década seguinte, Lupicínio foi revalorizado por ícones da Bossa Nova e da MPB - João Gilberto, Caetano Veloso e Gal Costa, mais precisamente - na primeira metade dos anos 1970. Contudo, na bolsa de valores de Elza Soares, Lupicínio sempre esteve em alta cotação. Foi com a (re)gravação de um samba do compositor - Se acaso você chegasse (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins, 1938), lançado na voz sincopada do cantor carioca Cyro Monteiro (1913-1973) - que a cantora carioca teve alavancada sua carreira fonográfica em fins de 1959. Decorridos 55 anos, a mulata mostrou que ainda é a tal ao dar voz a Se acaso você chegasse com scats e o suingue costumeiro no show Elza Soares canta Lupicínio Rodrigues, cuja cenografia inclui rosas vermelhas espalhadas pelo palco, em alusão às flores que Lupicínio ofertou à então arisca cantora quando Se acaso você chegasse estourou na voz de Elza. Artista de trajetória sofrida, Elza toma para si as dores de Lupicínio no show feito sob a direção musical do saxofonista Eduardo Neves. Fecho do (bom) show idealizado para festejar o centenário de nascimento do compositor, a releitura de Nervos de aço (Lupicínio Rodrigues, 1947) - com andamentos alternados que diluem as mágoas desse samba em coquetel rítmico que mistura temperos de gafieira, jazz e salsa - é bom exemplo da opção de Elza de interpretar Lupicínio à sua moda, com suas liberdades estilísticas. Tenha nascido em 1930 (como afirma o pesquisador musical Rodrigo Faour em biografia da cantora editada em 2012 na coleção Folha Grandes Vozes) ou em 1937 (como alega a artista), Elza Soares é uma força da natureza. A voz rouca, de suingue ímpar, resiste esplendidamente ao tempo, como atesta a interpretação a capella de Exemplo (Lupicínio Rodrigues, 1960) alocada no início do show que estreou no Teatro Rival, no Rio de Janeiro (RJ), em 2 de maio de 2014. Aberto com fala em off do próprio Lupicínio Rodrigues, o roteiro enfatiza a assinatura única do compositor ao enfileirar temas como o samba-canção como Nunca (Lupicínio Rodrigues, 1952) e Loucura (Lupicínio Rodrigues, 1973), música que tem toda sua letra lida pela cantora em cena.
ResponderExcluirPena que, na segunda metade, a desnecessária participação do percussionista Marcos Suzano na estreia tenha levado a cantora a tirar o foco de Lupicínio em set de sambas alheios - como Cadê o pandeiro? (Roberto Martins e Walfrido Silva, 1937) e Fechei a porta (Sebastião Motta e Ferreira Santos, 1960) - que culminou com o Rap da felicidade (Juninho Rasta e Kátia, 1995), hit da dupla de funk Cidinho & Doca. Dentro do conceito do show, guiada pela direção musical de Eduardo Neves, Elza cai num suingue que repagina músicas como Ela disse-me assim (Lupicínio Rodrigues, 1959) - emoldurada em arranjo que evoca a era do swing - e Quem há de dizer (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1944), número em que o jazz vem do toque dos teclados de Danilo Andrade. Mas a cantora, polivalente, também sabe fazer a dor de Lupicínio calar fundo quando enche Cadeira vazia (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1949) de sentimento e quando rumina o rancor embutido em Vingança (Lupicínio Rodrigues, 1951) sem pecar pelo excesso e com direito a um caco pessoal nos versos "... / E a vergonha / É a herança maior que o Avelino (nome do pai da cantora) me deixou". Se Caixa de ódio (Lupicínio Rodrigues, 1969) é reaberta em clima de choro, o samba Eu não sou louco (Lupicínio Rodrigues e Evaldo Rui) - lançado em disco de 1950 pela cantora paulista Isaura Garcia (1919 - 1993), mas esquecido há décadas - é veículo para interpretação performática que rende aplausos de pé. "Eu não sou louca!!!...", repetiu Elza, retorcida na cadeira, quase aos gritos, como se estivesse cuspindo e atirando na cara de seus detratores o verso-síntese do samba que se impôs como o ponto alto do show, inclusive por tirar uma joia rara do baú de Lupicínio. No bis, Felicidade (Lupicínio Rodrigues, 1947) adquire densidade no canto maturado de Elza e citações do tema folclórico gaúcho Prenda minha pela flauta de Eduardo Neves. As dores de Lupicínio Rodrigues são também as dores de Elza Soares.
ResponderExcluirA participação do Marcos Suzano foi fantástica. Um dueto inesquecível. E o q tem sair um pouquinho do tema do show? Quase todos os artistas fazem isso.
ResponderExcluirMarcos Suzano desnecessário? Aquilo foi sensacional!
ResponderExcluirLeonardo, Suzano é maravilhoso e seu 'set' com Elza foi em si muito bom, mas soou desnecessário naquele contexto por fugir do conceito bem amarrado do show: um tributo a Lupicínio Rodrigues. Abs, MauroF
ResponderExcluirMulata, Mauro? Brincadeira né...
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