sábado, 3 de maio de 2014

Elza toma para si as dores de Lupicínio em show com a tal 'influência do jazz'

Resenha de show
Título: Elza Soares canta Lupicínio Rodrigues
Artista: Elza Soares (em foto de Mauro Ferreira)
Local: Teatro Rival (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 2 de maio de 2014
Cotação: * * *

 O compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (16 de setembro de 1914 - 26 de agosto de 1974) sempre rimou amor com dor em seu cancioneiro embebido em amargura e ressentimento. Cronista dos amores dissolvidos por abandono ou traição, o compositor viveu seu apogeu nos anos 1940 e 1950, na era do samba-canção. Relegado ao esquecimento na década seguinte, Lupicínio foi revalorizado por ícones da Bossa Nova e da MPB - João Gilberto, Caetano Veloso e Gal Costa, mais precisamente - na primeira metade dos anos 1970. Contudo, na bolsa de valores de Elza Soares, Lupicínio sempre esteve em alta cotação. Foi com a (re)gravação de um samba do compositor - Se acaso você chegasse (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins, 1938), lançado na voz sincopada do cantor carioca Cyro Monteiro (1913-1973) - que a cantora carioca teve alavancada sua carreira fonográfica em fins de 1959. Decorridos 55 anos, a mulata mostrou que ainda é a tal ao dar voz a Se acaso você chegasse com scats e o suingue costumeiro no show Elza Soares canta Lupicínio Rodrigues, cuja cenografia inclui rosas vermelhas espalhadas pelo palco, em alusão às flores que Lupicínio ofertou à então arisca cantora quando Se acaso você chegasse estourou na voz de Elza. Artista de trajetória sofrida, Elza toma para si as dores de Lupicínio no show feito sob a direção musical do saxofonista Eduardo Neves. Fecho do (bom) show idealizado para festejar o centenário de nascimento do compositor, a releitura de Nervos de aço (Lupicínio Rodrigues, 1947) - com andamentos alternados que diluem as mágoas desse samba em coquetel rítmico que mistura temperos de gafieira, jazz e salsa - é bom exemplo da opção de Elza de interpretar Lupicínio à sua moda, com suas liberdades estilísticas. Tenha nascido em 1930 (como afirma o pesquisador musical Rodrigo Faour em biografia da cantora editada em 2012 na coleção Folha Grandes Vozes) ou em 1937 (como alega a artista), Elza Soares é uma força da natureza. A voz rouca, de suingue ímpar, resiste esplendidamente ao tempo, como atesta a interpretação a capella de Exemplo (Lupicínio Rodrigues, 1960) alocada no início do show que estreou no Teatro Rival, no Rio de Janeiro (RJ), em 2 de maio de 2014. Aberto com fala em off do próprio Lupicínio Rodrigues, o roteiro enfatiza a assinatura única do compositor ao enfileirar temas como o samba-canção como Nunca (Lupicínio Rodrigues, 1952) e Loucura (Lupicínio Rodrigues, 1973), música que tem toda sua letra lida pela cantora em cena. Pena que, na segunda metade, a desnecessária participação do percussionista Marcos Suzano na estreia tenha levado a cantora a tirar o foco de Lupicínio em set de sambas alheios - como Cadê o pandeiro? (Roberto Martins e Walfrido Silva, 1937) e Fechei a porta (Sebastião Motta e Ferreira Santos, 1960) - que culminou com o Rap da felicidade (Juninho Rasta e Kátia, 1995), hit da dupla de funk Cidinho & Doca. Dentro do conceito do show, guiada pela direção musical de Eduardo Neves, Elza cai num suingue que repagina músicas como Ela disse-me assim (Lupicínio Rodrigues, 1959) - emoldurada em arranjo que evoca a era do swing - e Quem há de dizer (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1944), número em que o jazz vem do toque dos teclados de Danilo Andrade. Mas a cantora, polivalente, também sabe fazer a dor de Lupicínio calar fundo quando enche Cadeira vazia (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1949) de sentimento e quando rumina o rancor embutido em Vingança (Lupicínio Rodrigues, 1951) sem pecar pelo excesso e com direito a um caco pessoal nos versos "... / E a vergonha / É a herança maior que o Avelino (nome do pai da cantora) me deixou". Se Caixa de ódio (Lupicínio Rodrigues, 1969) é reaberta em clima de choro, o samba Eu não sou louco (Lupicínio Rodrigues e Evaldo Rui) - lançado em disco de 1950 pela cantora paulista Isaura Garcia (1919 - 1993), mas esquecido há décadas - é veículo para interpretação performática que rende aplausos de pé. "Eu não sou louca!!!...", repetiu Elza, retorcida na cadeira, quase aos gritos, como se estivesse cuspindo e atirando na cara de seus detratores o verso-síntese do samba que se impôs como o ponto alto do show, inclusive por tirar uma joia rara do baú de Lupicínio. No bis, Felicidade (Lupicínio Rodrigues, 1947) adquire densidade no canto maturado de Elza e citações do tema folclórico gaúcho Prenda minha pela flauta de Eduardo Neves. As dores de Lupicínio Rodrigues são - também! - as dores de Elza Soares.

6 comentários:

  1. O compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues (16 de setembro de 1914 - 26 de agosto de 1974) sempre rimou amor com dor em seu cancioneiro embebido em amargura e ressentimento. Cronista dos amores dissolvidos por abandono ou traição, o compositor viveu seu apogeu nos anos 1940 e 1950, na era do samba-canção. Relegado ao esquecimento na década seguinte, Lupicínio foi revalorizado por ícones da Bossa Nova e da MPB - João Gilberto, Caetano Veloso e Gal Costa, mais precisamente - na primeira metade dos anos 1970. Contudo, na bolsa de valores de Elza Soares, Lupicínio sempre esteve em alta cotação. Foi com a (re)gravação de um samba do compositor - Se acaso você chegasse (Lupicínio Rodrigues e Felisberto Martins, 1938), lançado na voz sincopada do cantor carioca Cyro Monteiro (1913-1973) - que a cantora carioca teve alavancada sua carreira fonográfica em fins de 1959. Decorridos 55 anos, a mulata mostrou que ainda é a tal ao dar voz a Se acaso você chegasse com scats e o suingue costumeiro no show Elza Soares canta Lupicínio Rodrigues, cuja cenografia inclui rosas vermelhas espalhadas pelo palco, em alusão às flores que Lupicínio ofertou à então arisca cantora quando Se acaso você chegasse estourou na voz de Elza. Artista de trajetória sofrida, Elza toma para si as dores de Lupicínio no show feito sob a direção musical do saxofonista Eduardo Neves. Fecho do (bom) show idealizado para festejar o centenário de nascimento do compositor, a releitura de Nervos de aço (Lupicínio Rodrigues, 1947) - com andamentos alternados que diluem as mágoas desse samba em coquetel rítmico que mistura temperos de gafieira, jazz e salsa - é bom exemplo da opção de Elza de interpretar Lupicínio à sua moda, com suas liberdades estilísticas. Tenha nascido em 1930 (como afirma o pesquisador musical Rodrigo Faour em biografia da cantora editada em 2012 na coleção Folha Grandes Vozes) ou em 1937 (como alega a artista), Elza Soares é uma força da natureza. A voz rouca, de suingue ímpar, resiste esplendidamente ao tempo, como atesta a interpretação a capella de Exemplo (Lupicínio Rodrigues, 1960) alocada no início do show que estreou no Teatro Rival, no Rio de Janeiro (RJ), em 2 de maio de 2014. Aberto com fala em off do próprio Lupicínio Rodrigues, o roteiro enfatiza a assinatura única do compositor ao enfileirar temas como o samba-canção como Nunca (Lupicínio Rodrigues, 1952) e Loucura (Lupicínio Rodrigues, 1973), música que tem toda sua letra lida pela cantora em cena.

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  2. Pena que, na segunda metade, a desnecessária participação do percussionista Marcos Suzano na estreia tenha levado a cantora a tirar o foco de Lupicínio em set de sambas alheios - como Cadê o pandeiro? (Roberto Martins e Walfrido Silva, 1937) e Fechei a porta (Sebastião Motta e Ferreira Santos, 1960) - que culminou com o Rap da felicidade (Juninho Rasta e Kátia, 1995), hit da dupla de funk Cidinho & Doca. Dentro do conceito do show, guiada pela direção musical de Eduardo Neves, Elza cai num suingue que repagina músicas como Ela disse-me assim (Lupicínio Rodrigues, 1959) - emoldurada em arranjo que evoca a era do swing - e Quem há de dizer (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1944), número em que o jazz vem do toque dos teclados de Danilo Andrade. Mas a cantora, polivalente, também sabe fazer a dor de Lupicínio calar fundo quando enche Cadeira vazia (Lupicínio Rodrigues e Alcides Gonçalves, 1949) de sentimento e quando rumina o rancor embutido em Vingança (Lupicínio Rodrigues, 1951) sem pecar pelo excesso e com direito a um caco pessoal nos versos "... / E a vergonha / É a herança maior que o Avelino (nome do pai da cantora) me deixou". Se Caixa de ódio (Lupicínio Rodrigues, 1969) é reaberta em clima de choro, o samba Eu não sou louco (Lupicínio Rodrigues e Evaldo Rui) - lançado em disco de 1950 pela cantora paulista Isaura Garcia (1919 - 1993), mas esquecido há décadas - é veículo para interpretação performática que rende aplausos de pé. "Eu não sou louca!!!...", repetiu Elza, retorcida na cadeira, quase aos gritos, como se estivesse cuspindo e atirando na cara de seus detratores o verso-síntese do samba que se impôs como o ponto alto do show, inclusive por tirar uma joia rara do baú de Lupicínio. No bis, Felicidade (Lupicínio Rodrigues, 1947) adquire densidade no canto maturado de Elza e citações do tema folclórico gaúcho Prenda minha pela flauta de Eduardo Neves. As dores de Lupicínio Rodrigues são também as dores de Elza Soares.

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  3. A participação do Marcos Suzano foi fantástica. Um dueto inesquecível. E o q tem sair um pouquinho do tema do show? Quase todos os artistas fazem isso.

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  4. Marcos Suzano desnecessário? Aquilo foi sensacional!

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  5. Leonardo, Suzano é maravilhoso e seu 'set' com Elza foi em si muito bom, mas soou desnecessário naquele contexto por fugir do conceito bem amarrado do show: um tributo a Lupicínio Rodrigues. Abs, MauroF

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