Mauro Ferreira no G1

Aviso aos navegantes: desde 6 de julho de 2016, o jornalista Mauro Ferreira atualiza diariamente uma coluna sobre o mercado fonográfico brasileiro no portal G1. Clique aqui para acessar a coluna. O endereço é http://g1.globo.com/musica/blog/mauro-ferreira/


terça-feira, 20 de maio de 2014

Lá e cá, entre Bahia e Rio, Moreno (se) nina na serenidade de 'Coisa boa'

Resenha de CD
Título: Coisa boa
Artista: Moreno Veloso
Gravadora: Maravilha 8 / Pommelo Distribuições
Cotação: * * * *

"Vez em quando, eu me pego sozinho a cantar / Uma melodia pra me ninar", confidencia Moreno Veloso nos versos iniciais da música que abre seu segundo álbum solo, Coisa boa, lançado neste mês de maio de 2014. Lançada em disco na voz da cantora carioca Nina Becker, Lá e cá (Rodrigo Bartolo, Moreno Veloso e Quito Ribeiro) situa bem - na geografia particular do cantautor - o sucessor de Live in Tokyo (Hapiness Records, 2011), CD ao vivo lançado somente no Japão. Sob a ótica carioca da cidade aonde Coisa boa foi gravado com produção de Pedro Sá e do próprio Moreno, é a Bahia natal do artista, traduzida no leve toque de ijexá embutido na inédita canção Verso simples (Domenico Lancellotti, Dudu Falcão e Moreno Veloso) ou na levada do samba de roda que conduz para a batida seminal do Recôncavo Baiano os sambas Um passo à frente (Moreno Veloso e Quito Ribeiro, 2005) - revivido pelo artista com arranjo superior ao da gravação original do tema, feita por Gal Costa no álbum Hoje (2005) - e Não acorde o neném (Domenico Lancellotti e Moreno Veloso), gravado com o parceiro Domenico Lancellotti, que também entra na roda com a voz que responde Moreno. Ainda sob esse ponto de vista carioca, é a cidade do Rio de Janeiro (RJ) em que brotaram, ao longo dos anos 2000, os talentos de músicos como o baterista Domenico, o multi-instrumentista Kassin (o produtor fonográfico brasileiro mais requisitado dos últimos anos, espécie de Liminha de sua geração) e o guitarrista Pedro Sá - todos presentes neste disco zen que totaliza onze músicas e 35 minutos. Moreno Veloso é figura de ponta nesta geração que renovou a música brasileira produzida no eixo carioca. Lá e cá, entre Bahia e Rio, Moreno costura em Coisa boa, com harmonia, esses dois universos musicais. Mas a guitarra posta por Pedro Sá em Um passo à frente cai no suingue sem fronteiras. Coisa boa (Domenico Lancellotti e Moreno Veloso) - a bela música-título do disco - é acalanto terno como convém a uma canção do gênero. Sua escolha para batizar Coisa boa traduz muito da atmosfera serena de um disco ambientado para favorecer o canto cool de Moreno e que traz melodias para ninar ouvintes dispostos a embarcar na viagem musical do artista. Jacaré coruja (Moreno Veloso e Quito Ribeiro) amplia o raio de ação dessa calmaria contemplativa em diálogo com o mundo lúdico das crianças - e  não é por mero acaso que o disco é dedicado por Moreno aos seus filhos Rosa e José (e também à mãe deles, Clara). Extraída da memória afetiva do artista, a lembrança longínqua da valsa Num galho de acácias (Un peu d'amour, Stanislao Silesu e Nilson Fysher, 1912 - em versão para o português de J. Carlos) se ajusta com perfeição a esse universo infantil - ainda que, no caso da música vertida para o português nos anos 1930, a história melancólica do besouro que caiu na teia da aranha num galho de acácias amarelas seja metáfora poética para falar das trapaças afetivas que enrolam adultos nas tramas do destino. Com a delicadeza de uma canção de ninar, Num galho de acácias é valsa do tempo da vovó entoada por Moreno em dueto com a cantora japonesa Takako Minekawa, parceira do artista na faixa Onaji sora, cantada em japonês e traduzida para o português (em letra reproduzida no encarte de Coisa boa) como O mesmo céu"É o mesmo céu, mas são pessoas / Diferentes que estão vendo / É o mesmo céu, mas são coisas / Diferentes que estão sendo vistas", relativizam poeticamente os versos da canção, sinalizando que, sob a ótica de quem ouvir Coisa boa, os conceitos de lá e cá também sempre vão mudar continuamente. Faixa de clima letárgico, De tentar voltar (Domenico Lancellotti e Moreno Veloso) reitera o tom cool do disco, cujo ponto baixo é Em todo lugar (Moreno Veloso), música que sinaliza que, para sobressair como compositor, Moreno depende de parceiros - mesmo que, paradoxalmente, o artista brilhe sozinho na criação de Hoje (Moreno Veloso, 2005), música que deu título ao álbum lançado há nove anos por Gal Costa (e que, a julgar pela abordagem de Moreno, faz pensar que, analisado sob a luz de perspectiva que já inclui o revigorante CD Recanto, de 2011, o disco apresentado por Gal Costa naquele ano de 2005 tinha que ter sido produzido por Moreno, e não por César Camargo Mariano). Seja como for, entre Rio e Bahia, lá e cá, com escala no Japão, o cantautor lança CD impregnado de sensibilidade e delicadeza. Em Coisa boa, Moreno Veloso (se) nina na serenidade de melodias que procuram - e encontram - paz, sossego e amor.

5 comentários:

Mauro Ferreira disse...

"Vez em quando, eu me pego sozinho a cantar / Uma melodia pra me ninar", confidencia Moreno Veloso nos versos iniciais da música que abre seu segundo álbum solo, Coisa boa, lançado neste mês de maio de 2014. Lançada em disco na voz da cantora carioca Nina Becker, Lá e cá (Rodrigo Bartolo, Moreno Veloso e Quito Ribeiro) situa bem - na geografia particular do cantautor - o sucessor de Live in Tokyo (Hapiness Records, 2011), CD ao vivo lançado somente no Japão. Sob a ótica carioca da cidade aonde Coisa boa foi gravado com produção de Pedro Sá e do próprio Moreno, lá é a Bahia natal do artista, traduzida no leve toque de ijexá embutido na inédita canção Versos simples (Domenico Lancellotti, Dudu Falcão e Moreno Veloso) ou na levada do samba de roda que conduz para a batida seminal do Recôncavo Baiano os sambas Um passo à frente (Moreno Veloso e Quito Ribeiro, 2005) - revivido pelo artista com arranjo superior ao da gravação original do tema, feita por Gal Costa no álbum Hoje (2005) - e Não acorde o neném (Domenico Lancellotti e Moreno Veloso), gravado com o parceiro Domenico Lancellotti, que também entra na roda com a voz que responde Moreno. Ainda sob esse ponto de vista carioca, cá é a cidade do Rio de Janeiro (RJ) em que brotaram, ao longo dos anos 2000, os talentos de músicos como o baterista Domenico, o multi-instrumentista Kassin (o produtor fonográfico brasileiro mais requisitado dos últimos anos, espécie de Liminha de sua geração) e o guitarrista Pedro Sá - todos presentes neste disco zen que totaliza onze músicas e 35 minutos. Moreno Veloso é figura de ponta nesta geração que renovou a música brasileira produzida no eixo carioca. Lá e cá, entre Bahia e Rio, Moreno costura em Coisa boa, com harmonia, esses dois universos musicais. Mas a guitarra posta por Pedro Sá em Um passo à frente cai no suingue sem fronteiras. Coisa boa (Domenico Lancellotti e Moreno Veloso) - a bela música-título do disco - é acalanto terno como convém a uma canção do gênero. Sua escolha para batizar Coisa boa traduz muito da atmosfera serena de um disco ambientado para favorecer o canto cool de Moreno e que traz melodias para ninar ouvintes dispostos a embarcar na viagem musical do artista. Jacaré coruja (Moreno Veloso e Quito Ribeiro) amplia o raio de ação dessa calmaria contemplativa em diálogo com o mundo lúdico das crianças - e não é por mero acaso que o disco é dedicado por Moreno aos seus filhos Rosa e José (e também à mãe deles, Clara).

Mauro Ferreira disse...

Extraída da memória afetiva do artista, a lembrança longínqua da valsa Num galho de acácias (Un peu d'amour, Stanislao Silesu e Nilson Fysher, 1912 - em versão para o português de J. Carlos) se ajusta com perfeição a esse universo infantil - ainda que, no caso da música vertida para o português nos anos 1930, a história melancólica do besouro que caiu na teia da aranha num galho de acácias amarelas seja metáfora poética para falar das trapaças afetivas que enrolam adultos nas tramas do destino. Com a delicadeza de uma canção de ninar, Num galho de acácias é valsa do tempo da vovó entoada por Moreno em dueto com a cantora japonesa Takako Minekawa, parceira do artista na faixa Onaji sora, cantada em japonês e traduzida para o português (em letra reproduzida no encarte de Coisa boa) como O mesmo céu. "É o mesmo céu, mas são pessoas / Diferentes que estão vendo / É o mesmo céu, mas são coisas / Diferentes que estão sendo vistas", relativizam poeticamente os versos da canção, sinalizando que, sob a ótica de quem ouvir Coisa boa, os conceitos de lá e cá também sempre vão mudar continuamente. Faixa de clima letárgico, De tentar voltar (Domenico Lancellotti e Moreno Veloso) reitera o tom cool do disco, cujo ponto baixo é Em todo lugar (Moreno Veloso), música que sinaliza que, para sobressair como compositor, Moreno depende de parceiros - mesmo que, paradoxalmente, o artista brilhe sozinho na criação de Hoje (Moreno Veloso, 2005), música que deu título ao álbum lançado há nove anos por Gal Costa (e que, a julgar pela abordagem de Moreno, faz pensar que, analisado sob a luz de perspectiva que já inclui o revigorante CD Recanto, de 2011, o disco apresentado por Gal Costa naquele ano de 2005 tinha que ter sido produzido por Moreno, e não por César Camargo Mariano). Seja como for, entre Rio e Bahia, lá e cá, com escala no Japão, o cantautor lança CD impregnado de sensibilidade e delicadeza. Em Coisa boa, Moreno Veloso (se) nina na serenidade de melodias que procuram - e encontram - paz, sossego e amor.

rafael disse...

Mauro, Coisa Boa também é seu jeito de fazer crítica musical: informativo, preciso e aberto ao que artistas como Moreno têm a apresentar. Muito bom ler a resenha do disco por aqui.
Abraço

Unknown disse...

Caro Mauro, você sabe algum site onde posso comprar o cd do Moreno. Muito obrigado. Abraço!

Mauro Ferreira disse...

Obrigado, Rafael. Acho que quem se propõe a ser crítico musical tem que ter ouvidos abertos para qualquer tipo de música. José Antonio, não sei indicar um ponto de venda do disco. Abs, MauroF