Título: Minha Dolores - Nina Becker canta Dolores Duran
Artista: Nina Becker
Gravadora: Joia Moderna
Cotação: * * * * 1/2
CD disponível para venda no iTunes e para audição no site http://www.minhadolores.com/
A elegância com que a compositora Dolores Duran (1930 - 1959) cantou os amores e a noite macia de seu Rio de Janeiro (RJ) ao longo dos anos 1950 impede que sua ternura fique antiga. Em seu melhor CD solo, Minha Dolores, Nina Becker faz dessa noite carioca dos anos dourados o seu mundo musical, evocando essa ternura que soa atemporal na sua voz. Aliás, o fraseado chique da voz da cantora - carioca como sua Dolores - se ajusta a um repertório que pede sofisticação no canto. Registro de estúdio do show que estreou em novembro de 2103, em São Paulo (SP), o CD Minha Dolores evita sabiamente os excessos quando Nina dá voz a um samba-canção light como O amor acontece (1954), feito pelo compositor carioca Flávio Cavalcanti (1923 - 1986) - mais lembrado como o rabugento apresentador de programas da TV das décadas de 1960 e 1970 - com seu irmão Celso Cavalcanti. A beleza do disco reside justamente no fato de Nina recusar o melodrama - pouco aconselhável para sua voz cool e sem alcance emocional para evocar tanto sofrimento - quando canta temas magoados como Coisa mais triste (Billy Blanco, 1958) e Vou chorar (Lúcio Alves e Dolores Duran, 1960), pérolas raras pescadas no baú pouco explorado de sua Dolores. Nesse sentido, o disco supera o show porque, no estúdio, as interpretações das músicas mais densas soam mais depuradas e harmoniosas. Produzido por iniciativa do DJ Zé Pedro, que estimulou Nina a perpetuar o show em álbum de sua gravadora Joia Moderna, o CD amplia as sutilezas deste projeto que une a voz da crooner - projetada nos anos 2000 como vocalista da carioquíssima Orquestra Imperial - com o bandolim de Luis Barcelos e com o violão de sete cordas de Lucas Porto. Calcado nesse trio, Minha Dolores é disco ambientado num clima de seresta contemporânea, evidenciado sobretudo na moldura de Tradição (1954), música impressionantemente atual (por falar da violência de um morro em tese já pacificado - civilizado, como especifica a letra) da lavra do compositor carioca Ismael Silva (1905 - 1978), um dos pilares do samba carioca. Traduzido já no título Minha Dolores, o caráter íntimo e pessoal desta imersão de Nina no repertório menos óbvio de sua Dolores é traído na faixa de abertura do disco, que começa com a música mais conhecida dentre as 13 gravadas por Nina. Trata-se de Estrada do sol (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1958), trilhada pela cantora com apropriada leveza em registro em que as notas do bandolim de Luis Barcelos parecem os pingos da chuva caídos e poetizados nos versos solares de Dolores. Na sequência, um samba que também atravessou gerações, Estatuto de boite (Billy Blanco, 1957), pede passagem para a percussão sutil do baterista Marcelo Callado, convidado da faixa. Estatuto de boite se afina com Carioca 1954 (Ismael Netto e Antonio Maria, 1955) - a joia moderna de quilate mais alto dentre as lapidadas pela voz de Nina - por retratar um Rio boêmio no qual Dolores se ambientou com desenvoltura, recusando - tanto na vida como na música - o papel doméstico e secundário reservado às mulheres de sua geração. Conhecida na noite carioca dos anos 1950 por sua verve, Dolores foi até capaz de ironizar melindres femininos ao gravar Coisas de mulher (Chico Baiano, 1957) - samba que ganha clima de samba-choro nos toques do bandolim de Luis Barcelos e do violão de Lucas Porto - e Feiúra não é nada (Billy Blanco, 1957), samba delicioso que relativiza o poder da beleza feminina no jogo da sedução e que, no registro de Nina, conta com a guitarra contemporânea do convidado Pedro Sá. Samba ligeiramente menos inspirado, Marca na parede (Ismael Netto e Mario Faccini, 1958 / 1959) tem ao menos o mérito de reiterar a classe de Nina na abordagem da face desiludida do repertório de sua Dolores nesse improvável link iniciado há dois anos quando, ao protagonizar o episódio dedicado a Dolores na série Cantoras do Brasil (Canal Brasil, 2012), Nina deu voz a Manias (Celso Cavalcanti e Flávio Cavalcanti, 1955) e a Solidão (Dolores Duran, 1958), músicas que reiteram no disco Minha Dolores o êxito dessa incursão. Que, no disco, termina com belo e poético samba-canção, Outono (1952), da lavra de Billy Blanco (1924 - 2011), compositor paraense de alma carioca, nome recorrente nas fichas técnicas dos discos de Dolores, artista celebrizada por sua produção como compositora que foi também cantora polivalente e sagaz de temas alheios, como mostra este CD em que Nina Becker brilha na maciez noturna de sua Dolores Duran, revitalizando ternura e músicas que atravessam outonos.
5 comentários:
A elegância com que a compositora Dolores Duran (1930 - 1959) cantou os amores e a noite macia de seu Rio de Janeiro (RJ) ao longo dos anos 1950 impede que sua ternura fique antiga. Em seu melhor CD solo, Minha Dolores, Nina Becker faz dessa noite carioca dos anos dourados o seu mundo musical, evocando essa ternura que soa atemporal na sua voz. Aliás, o fraseado chique da voz da cantora - carioca como sua Dolores - se ajusta a um repertório que pede sofisticação no canto. Registro de estúdio do show que estreou em novembro de 2103, em São Paulo (SP), o CD Minha Dolores evita sabiamente os excessos quando Nina dá voz a um samba-canção como O amor acontece (1954), feito pelo compositor carioca Flávio Cavalcanti (1923 - 1986) - hoje mais lembrado como o rabugento apresentador de programas da TV das décadas de 1960 e 1970 - com seu irmão Celso Cavalcanti. A beleza do disco reside justamente no fato de Nina recusar o melodrama - pouco aconselhável para sua voz cool e sem alcance emocional para evocar tanto sofrimento - quando canta temas magoados como Coisa mais triste (Billy Blanco, 1958) e Vou chorar (Lúcio Alves e Dolores Duran, 1960), pérolas raras pescadas no baú pouco explorado de sua Dolores. Nesse sentido, o disco supera o show porque, no estúdio, as interpretações das músicas mais densas soam mais depuradas e harmoniosas. Produzido por iniciativa do DJ Zé Pedro, que estimulou Nina a perpetuar o show em álbum de sua gravadora Joia Moderna, o CD amplia as sutilezas deste projeto que une a voz da crooner - projetada nos anos 2000 como vocalista da carioquíssima Orquestra Imperial - com o bandolim de Luis Barcelos e com o violão de sete cordas de Lucas Porto. Calcado nesse trio, Minha Dolores é disco ambientado num clima de seresta contemporânea, evidenciado sobretudo na moldura de Tradição (1954), música impressionantemente atual (por falar da violência de um morro em tese já pacificado - civilizado, como especifica a letra) da lavra do compositor carioca Ismael Silva (1905 - 1978), um dos pilares do samba carioca. Traduzido já no título Minha Dolores, o caráter íntimo e pessoal desta imersão de Nina no repertório menos óbvio de sua Dolores é traído na faixa de abertura do disco, que começa com a música mais conhecida dentre as 13 gravadas por Nina. Trata-se de Estrada do sol (Antonio Carlos Jobim e Dolores Duran, 1958), trilhada pela cantora com apropriada leveza em registro em que as notas do bandolim de Luis Barcelos parecem os pingos da chuva caídos e poetizados nos versos solares de Dolores. Na sequência, um samba que também atravessou gerações, Estatuto de boite (Billy Blanco, 1957), pede passagem para a percussão sutil do baterista Marcelo Callado, convidado da faixa.
Estatuto de boite se afina com Carioca 1954 (Ismael Netto e Antonio Maria, 1955) - a joia moderna de quilate mais alto dentre as lapidadas pela voz de Nina - por retratar um Rio boêmio no qual Dolores se ambientou com desenvoltura, recusando - tanto na vida como na música - o papel doméstico e secundário reservado às mulheres de sua geração. Conhecida na noite carioca dos anos 1950 por sua verve, Dolores foi até capaz de ironizar melindres femininos ao gravar Coisas de mulher (Chico Baiano, 1957) - samba que ganha clima de samba-choro nos toques do bandolim de Luis Barcelos e do violão de Lucas Porto - e Feiúra não é nada (Billy Blanco, 1957), samba delicioso que relativiza o poder da beleza feminina no jogo da sedução e que, no registro de Nina, conta com a guitarra contemporânea do convidado Pedro Sá. Samba ligeiramente menos inspirado, Marca na parede (Ismael Netto e Mario Faccini, 1958 / 1959) tem ao menos o mérito de reiterar a classe de Nina na abordagem da face desiludida do repertório de sua Dolores nesse improvável link iniciado há dois anos quando, ao protagonizar o episódio dedicado a Dolores na série Cantoras do Brasil (Canal Brasil, 2012), Nina deu voz a Manias (Celso Cavalcanti e Flávio Cavalcanti, 1955) e a Solidão (Dolores Duran, 1958), músicas que reiteram no disco Minha Dolores o êxito dessa incursão. Que, no disco, termina com belo e poético samba-canção, Outono (1952), da lavra de Billy Blanco (1924 - 2011), compositor paraense de alma carioca, nome recorrente nas fichas técnicas dos discos de Dolores, artista celebrizada por sua produção como compositora que foi também cantora polivalente e sagaz de temas alheios, como mostra este CD em que Nina Becker brilha na maciez noturna de sua Dolores Duran, revitalizando ternura e músicas que atravessam outonos.
Ouvi o disco e achei belíssimo. Projetos assim tem que serem lançados com frequência pela Joia Moderna.
Esse disco está disponível para pesquisa no site www.memoriamusical.com.br, um dos melhores bancos de dados do Brasil.
Grata surpresa Mauro, valeu pela crítica e pela oportunidade de ouvir o CD que realmente está lindo....
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